Alunos sem esperança, professores ansiosos, ensino bafiento e uma escola que não serve os interesses das crianças e jovens nem os do país. Sérgio Niza dedicou a vida à educação e não se conforma com o estado a que a escola portuguesa chegou. Mas há soluções, diz ele. A escola já não perde tempo a fazer aprender, alerta o professor e pedagogo Sérgio Niza. Professores insatisfeitos, pais preocupados e alunos que acham as aulas uma maçada. O que é que se passa com a nossa escola? Esse é o retrato da escola portuguesa e da generalidade das escolas dos países ocidentais devido à forma de organização do trabalho. A estrutura de ensino simultâneo – todos a aprender a mesma coisa ao mesmo tempo – vem do século XVII e ainda perdura apesar de se saber desde os anos vinte do século xx que é um modelo esgotado. O professor dá uma lição, depois faz uma pergunta, escolhe um aluno para responder e avalia o trabalho substancial que é feito em casa. O principal problema da escola está neste modelo de não-comunicação em que o professor usa mais de três quartos do tempo da aula para falar sem que os alunos participem ou estejam envolvidos. Assim não há diálogo possível. Poderá algum jovem ou criança suportar isto?
Não é a melhor metodologia para aprender, certo? Hoje, graças à investigação, sabemos que se aprende dialogando, falando e escrevendo o conhecimento científico e cultural que se estuda na escola. Devemos contar com a inteligência, os saberes e a colaboração dos alunos e os currículos não devem ser um segredo, devem ser eles a geri-los em conjunto com os professores. Persistir neste modelo de não-comunicação equivale a continuar a encarcerar alunos e a impedir a sociedade e as pessoas de se aproximarem da escola. A escola não está adaptada à sociedade do século XXI? Nenhuma outra organização humana resistiu a tanta história e a tanta mudança como a escola, que funciona do mesmo modo há séculos. Hoje temos mais consciência de que a escola, como instrumento ao serviço do desenvolvimento humano, da sociedade, da economia e da cultura, já não serve. Portugal está ao mesmo nível dos países europeus ou pior? A nossa desgraça é que estamos sempre muito atrasados. Quando implementamos políticas que foram experimentadas noutros países, fazemo-lo fora do tempo. A escola portuguesa está esclerosada, está desfasada do tempo histórico. Não corresponde às vivências, necessidades e esperanças dos alunos e das pessoas em geral. Em suma, qual é a sua maior preocupação com a escola portuguesa? Não temos uma escola democrática, os alunos não participam na organização das aprendizagens e no ensino. Quatro décadas depois do 25 de Abril, lamento que os governantes não tenham aprendido que a melhor maneira de competir é pela cooperação – os desportistas de equipa, por exemplo os futebolistas, sabem-no bem. Ao invés, nós pusemos os alunos a competir com os colegas e os professores uns com os outros, o que empobrece o trabalho realizado. Esta ideia de transformar a escola, que deve ser um centro vivo de cultura, numa empresa é uma ilusão perigosa. E o sistema de vigilância e punição que está a montar-se para alunos e professores vai tornar a escola ainda mais desumana do que já é. A escola está a formatar crianças e jovens? Completamente. A escola não perde tempo a fazer aprender. Cada vez mais, o que se sugere aos professores é que debitem a matéria, que vigiem e que penalizem os alunos que não aprendem por si ou com as famílias procedendo à sua retenção ou sujeitando-os a fileiras secundárias de ensino precário, como acontece com a introdução do ensino vocacional, que poderá por lei vir a atingir alunos do primeiro e segundo ciclos, o que é desde já sentido por todos como uma nova via de castigo ou de discriminação. Mas do professor o que se espera é que transforme alunos com dificuldades em alunos tão bem sucedidos como os outros… As famílias e a sociedade deviam pressionar os professores para que assim fosse. Mas as políticas atuais parecem preconizar que o modo tradicional de trabalhar é que é bom. E assim as crianças e jovens que têm dificuldades vão continuar a ser excluídos. Da escola e da sociedade. E, no entanto, a Direção-Geral da Educação acabou de fazer um estudo sobre os percursos curriculares alternativos e concluiu que a inserção dos alunos nessas turmas especiais não se traduz numa recuperação das aprendizagens e que são residuais os casos de reingresso no ensino regular. Ora, eu pergunto: se é assim, porque se continua a apostar no mesmo? Sabem o que vai acontecer a estes jovens? Vão perder-se em outros percursos igualmente alternativos e vão continuar a ser tratados como portugueses de segunda. Porque é que os professores não mudam as práticas dentro da sala de aula? Os professores foram ensinados de determinada maneira e tendem a replicar o modelo que conhecem. Por outro lado, esta forma de estar na escola tornou-se tão natural que alguns professores até pensam que é a única. Mas não. Temos de ter consciência do que se passa na generalidade das escolas para perceber porque fracassámos e querer mudar. Porque há soluções. Quais são? Temos de substituir as soluções únicas da velha escola tradicional, reforçada agora por soluções de empobrecimento cultural inspiradas na América dos anos de 1980, por uma gestão comparticipada dos programas, pela entreajuda entre alunos, pela individualização de contratos de aprendizagem e uma forte colaboração que forme para a cidadania democrática. Alguns professores já o fazem hoje e devem continuar até que respeitem os seus direitos profissionais. Os bons professores estão acomodados? Chegámos a um ponto em que até os bons professores que se mantêm no ensino temem ficar desempregados e o país corre o risco de que se tornem uns cordeirinhos, que obedecem cegamente às manipulações da administração. Os professores estão muito ansiosos, já não querem gastar tempo a falar de estratégias de ensino que melhorem as aprendizagens porque também eles estão obcecados com a avaliação. A que têm de fazer constantemente aos alunos e a avaliação final de ciclo, externa às escolas. Além disso, eles também vão ser examinados através dos resultados dos alunos, por via da avaliação do desempenho. É um inferno ser professor neste contexto. Discorda da avaliação do trabalho dos professores? Não, o trabalho dos professores é pago por todos nós e deve ser avaliado. Mas uma coisa é avaliar o conjunto do trabalho do professor, incluindo a sua atitude no seio de uma equipa pedagógica, outra coisa é avaliar o professor como se faz com qualquer outro funcionário público. É que a natureza do trabalho dos professores é muito particular por ser crucial para o desenvolvimento humano, a preservação e a renovação da herança cultural. Foram publicadas as metas curriculares para o ensino básico. É caso para dizer que finalmente haverá objetivos de aprendizagem claros e autonomia para os professores? Nem pensar. As metas servem a atual espinha dorsal da escola, que passou a ser o seu controlo. Não têm nada de novo, apenas servem para examinar e vigiar. As metas desviam-se dos programas em vigor mas isso é indiferente para o ministério pois os professores sabem que para alcançar resultados têm de olhar para as metas tendo-as em conta como o novo currículo. As novas metas não servem os interesses dos alunos nem dos professores? O discurso oficial é que sim, que servem. Mas não é verdade, não servem porque empobrecem o curriculum, o trabalho intelectual dos professores e dos alunos. Estas metas não trazem uma vantagem cultural e de socialização acrescida às aprendizagens, à escola e à sociedade. Que apreciação faz do trabalho do ministro Nuno Crato? Este ministro aparenta estar absolutamente convencido de que está a fazer o melhor, mas ele não é um homem da educação. Até presumo que tenha sido escolhido por ser um bom comunicador político – ele tinha uma receita conservadora de reforço do ensino tradicional, e conseguiu passá-la nos media – e é economista com especialização em estatística – o que é importante para fazer contas e tornar a educação mais barata. Infelizmente, o senhor ministro não tem uma cultura acrescentada sobre a escola nem um conhecimento, para além do senso comum, sobre educação. QUEM É SÉRGIO NIZA? Sérgio Niza foi professor do ensino primário, de educação especial e universitário. O trabalho de investigação e o seu pensamento como pedagogo é reconhecido no país e no estrangeiro. Fundou o Movimento da Escola Moderna portuguesa e já foi membro do Conselho Nacional de Educação. Célia Rosa - MAGAZINE notícias «http://www.noticiasmagazine.pt/2014/ser-professor-e-um-inferno/»
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Somos aquilo que somos mais o contágio daquilo que os outros são. Colhi de maravilhosas criaturas extraordinários ensinamentos. Com eles me identifiquei e, antropofagicamente, deles absorvi valores. E se a lealdade, como qualquer outro valor, com gente leal e no exercício da lealdade, aprende-se no quotidiano das escolas, cultivei-a. Somos aquilo que somos mais o contágio daquilo que os outros são. Colhi de maravilhosas criaturas extraordinários ensinamentos. Com eles me identifiquei e, antropofagicamente, deles absorvi valores. E se a lealdade, como qualquer outro valor, com gente leal e no exercício da lealdade, aprende-se no quotidiano das escolas, cultivei-a.
Quando criança, eu inquiria o porquê das coisas e escutava a inevitável resposta: Um dia, hás de perceber por que razão aprendes estas coisas. Já sexagenário, continuo sem saber quando chegará esse dia. Continuo sem perceber o porquê de muitas coisas com as quais “me prepararam para a vida”. Contudo, sei que o essencial é aprendido com aqueles que partilham o nosso viver. Somos aquilo que somos mais o contágio daquilo que os outros são. Colhi de maravilhosas criaturas extraordinários ensinamentos. Com eles me identifiquei e, antropofagicamente, deles absorvi valores. E se a lealdade, como qualquer outro valor, com gente leal e no exercício da lealdade, aprende-se no quotidiano das escolas, cultivei-a. Diz-nos o dicionário que lealdade é qualidade, ação ou procedimento de quem é leal, honesto, fiel a compromissos. Se os jovens estão sempre atentos ao exemplo de vida dos adultos e aos valores que eles traduzem, se, através do exemplo, não formos leais, abriremos espaço para o desenvolvimento de contravalores. Em que vida estamos a educar os nossos jovens? Numa vida feita de lealdade a princípios e a gentes? Que virtudes são ensinadas aos nossos jovens, aprendidas pelos nossos jovens? Não nascemos reflexivos; aprendemos a refletir. Não nascemos com virtudes; aprendemos virtudes. Em secretas, mas extraordinárias escolas, venho aprendendo a lealdade a ideários. Com outros educadores, busco assumir o princípio básico de Santo Agostinho: quando não se pode fazer tudo o que se deve, deve-se fazer tudo o que se pode, sendo leal a si. No Brasil, reaprendi a lealdade a novos companheiros de projeto. Na história recente deste país, creio que Nise da Silveira terá sido um dos símbolos maiores da lealdade, de uma lealdade entendida como fidelidade a princípios. Nela, reconheço o seu exemplo e inspiração. A sua figura emerge de um tempo conturbado e no contexto de uma sociedade alienada e alienante, uma civilização desviada para um abismo de si mesma. Nise sofreu a repressão, a discriminação, mas manteve-se leal a si mesma e àqueles que, nos asilos de então, recebiam o seu eletrochoque diário. Quando o médico-chefe lhe ordenou que executasse a eletroconvulsoterapia, Nise recusou-se a apertar o botão do eletrochoque. Com esse ousado gesto, mudou de forma definitiva o tratamento psiquiátrico que se fazia no Brasil e influenciou, em definitivo, a psiquiatria do país. E precipitou a sua prisão (ainda que, como bem disse Clarice Lispector, “prisão seria seguir um destino que não fosse o próprio”). Assim foi que outro escritor, Graciliano Ramos, companheiro de cárcere de Nise, a ela se referiu: “a sua presença benfazeja afugentava lembranças ruins; pobre moça esquecia os próprios males e ocupava-se dos meus”. Lealdade! Lealdade a princípios, lealdade aos seus “loucos”, enfrentando a loucura de fora de asilo. Salomão avisou-nos: “o homem instruído que se separa das virtudes é como uma joia preciosa em focinho de porco”. E Séneca disse-nos que “não se deve ensinar para a escola, mas para a vida” (non scholae, sed vitae est docendum). Com toda a ousadia que o meu gesto pressupõe, acrescentaria ao preceito desse contemporâneo de Jesus, o exemplo cristão de não ensinar “para”, mas ensinar “com” – é “na vida” e não “para a vida”. É com os outros (discípulos, adeptos, companheiros…), no hic et nunc da humana existência, que a educação acontece. José Pacheco - EDUCARE «http://www.educare.pt/testemunhos/artigo/ver/?id=110383&langid=1» As organizações funcionam com pessoas. A chave do (in)sucesso de qualquer organização depende das capacidades e competências dos seus agentes. E é dessas melhores ou piores qualidades dos Professores que dependem os alunos. Num dos seus inúmeros exemplos bem-humorados, Sir Ken Robinson, um dos mais reconhecidos especialistas da criatividade, conta que uma professora de desenho perguntou a uma aluna de seis anos o que estava a desenhar. “Deus!” — respondeu a menina. A educadora retorquiu que ninguém sabia como ele é. E a menina respondeu: “Vão saber dentro de um minuto.” Esta capacidade de imaginar é a janela para a criatividade que, por consequência, traz a inovação. Aquela professora já não se permite abrir-se à imaginação, deixando-se conduzir apenas pela norma ou padrões já estabelecidos. Porém, a aluna, tal como qualquer outra criança, possui o dom da imaginação, da invenção, pelo que tudo é possível e não há lugar ao erro, porque não tem medo de errar. Para que a criatividade se desenvolva, se mantenha e se torne um hábito no quotidiano das crianças e jovens, é fundamental criar esses contextos, desafios constantes que proporcionem a busca e a descoberta de alternativas frescas, de novas perspectivas que fujam ao convencional. O grande entrave à implementação de tais contextos em sala de aula é, precisamente, o professor. Ele habita num sistema que não permite o erro, onde tudo deve ser controlado e sancionado, dado que o erro, o questionamento não são aceitáveis e são alvo de punição, seja com a caneta vermelha, uma nota negativa, uma repreensão diante de toda a turma que culminam na reprovação.
Por outro lado, há um péssimo hábito de se associar à criatividade a indisciplina e a ausência de controlo, quando, em boa verdade, o que se verifica é a incapacidade do professor em lidar com o desafio da criatividade. É um repto elevado para ele, dado que envolve competências e conhecimentos sobre dinâmicas de trabalho criativo, algo que raros professores dominam ou são capazes de implementar. Permitir que a criatividade seja usada permanentemente é um risco para o professor. Por um lado, obriga-o a afastar-se de métodos de ensino confortavelmente bolorentos e, por outro, exige dele um elevado domínio de conhecimentos, técnicas, processos tanto ao nível da comunicação como ao nível das dinâmicas de grupo, da organização do espaço de aula e da orientação individual e personalizada de cada aluno. A estes entraves, soma-se o baixo ou fraco nível de domínio dos professores no uso das diversas tecnologias educativas, que podem proporcionar aos alunos estender o seu pensamento criativo. Os smartphones, os tabletes, os quadros ou mesas interativos, as milhares de aplicações ou software educativos são ferramentas que poderiam auxiliar alunos e professores. Porém, é fundamental que o professor as conheça, as domine, as use na sua prática pessoal e profissional e as relacione adequadamente aos contextos de aprendizagem e conteúdos. Desafiar os alunos a procurar, a usar e a criar novas ferramentas digitais, potencia, estimula e desenvolve o pensamento criativo, conferindo às aulas novas dinâmicas individuais e em grupo. Os conteúdos ganham uma nova vida, quando os alunos são os protagonistas. Cabe ao professor proporcionar tais contextos e liberdades de interacção e colaboração dentro e fora da sala de aula, envolvendo até novas personagens, tais como outros professores, pais, outras escolas, comunidades nacionais e internacionais. É preciso saltar as muralhas da escola e ambicionar outros horizontes… Vamos parar de estigmatizar as crianças e os jovens na Escola e na Educação, afastando-as das suas capacidades criadoras. Penalizamos, sancionamos, humilhamos quem não sabe, quem erra? Não deveríamos, na sala de aula, na escola, procurar oferecer novos desafios, novos estímulos, novos problemas para que os mais diversos talentos escondidos possam emergir? Esta função cabe única e exclusivamente ao professor. A criatividade pode não morrer na Escola se ele for capaz de a ressuscitar. José Paulo Santos - Jornal i «http://ionline.pt/501972?source=social» |