De que Som Sou Feito? é um projecto de musicoterapia para alunos do 5.º ao 12.º ano com necessidades educativas especiais. Canções, melodias, danças, instrumentos são veículos que trazem à tona alegrias e tristezas, problemas e capacidades, medos e sonhos em nove agrupamentos de Santa Maria da Feira Inês Silva entra na sala com ar envergonhado. Dali a pouco estará a cantar e a dançar, mas não perderá uma natural timidez. Escolherá a Mala Cor-de-Rosa de Xana Toc Toc para cantar com os colegas em mais uma sessão de musicoterapia na Escola Básica e Secundária Coelho e Castro, em Fiães, um dos nove agrupamentos do concelho de Santa Maria da Feira em que o projecto De que Som Sou Feito? acontece todas as semanas desde o início do ano lectivo. São momentos exclusivamente dedicados a alunos do 5.º ao 12º ano com necessidades educativas especiais. Quatro musicoterapeutas procuram os sons que crianças e jovens trazem dentro de si e exteriorizam para contar o que mexe lá dentro. Tudo importa para trabalhar competências, evidenciar capacidades, desenvolver a concentração e a atenção, procurar o bem-estar dos mais novos.
Inês tem 15 anos, está no 7.º ano, tem síndrome de Down. Chove lá fora e está frio. Inês coloca as mãos na cara de Cristina Castro, a musicoterapeuta que conduzirá a sessão de hora e meia – assistimos a 20 minutos porque gente estranha condiciona comportamentos. “Estão quentinhas, vamos ver se a guitarra também está quentinha”, diz a musicoterapeuta. A canção de boas-vindas começa para dizer olá e perguntar à Inês, ao Pedro, ao João Pedro e à Inês Mota como estão. Os quatro alunos estão sentados em cadeiras que formam uma roda apertada. Estão juntinhos. A guitarra sai de cena e entra o instrumento-rei do projecto, ou seja, o ocean drum, o tambor do mar. É um tambor muito bonito, tem peixes desenhados de várias cores e feitios e pequenas esferas no interior que produzem sons semelhantes aos das ondas do mar quando quebram na areia da praia. As mãos pousam em cima do tambor, fazem-se ritmos, batem-se palmas. Um de cada vez porque é preciso saber esperar. “Que som vocês hoje trazem?”, pergunta a musicoterapeuta. O tambor é a caixa-de-ressonância desses sons que entram naquela sala. Uns mais calmos, outros mais fortes. Inês, por vezes, tapa os ouvidos. Por vezes, quer abraçar o tambor para que seja só dela por uns instantes. Continua envergonhada e com ar bem-disposto. A dada altura pede para dançar. E dança. “Gosto de cantar, desenhar, dançar, pintar”, conta-nos. Há outra Inês no grupo dos quatro alunos de turmas diferentes, todos referenciados pelos professores de Educação Especial. Inês não pára, a hiperactividade salta à vista. Quer cantar kuduro, Cristina dá-lhe uma pandeireta e pede aos colegas que a acompanhem nas melodias. Os ritmos que as suas mãos deixam no tambor do mar são os mais fortes, os mais frenéticos. Quer pegar na viola para cantar kizomba, ficará mais calma à medida que os minutos avançam. Inês Mota tem 13 anos, está no 7.º ano, e quer ser polícia, ou médica, ainda não sabe bem. Confessa que gosta de fazer desenhos, de pintar palavras, e de relaxar no final das sessões de musicoterapia. “Ouvimos música e fazemos de conta que estamos a apanhar gomas, balões, borboletas”. É assim que descreve o momento final das sessões. Pedro Duarte tem 14 anos e está no 9.º ano. É o roqueiro do pequeno mas heterogéneo grupo em que as dificuldades de aprendizagem são um denominador comum. Pedro adora Bon Jovi, ouve heavy metal, aprecia o que sai da guitarra eléctrica, diz que a musicoterapia “é um espectáculo”. E já sabe o que quer ser quando for grande. “Quero ser pasteleiro. Para o ano, vou para o Porto para ser pasteleiro”, informa. A música soa-lhe bem aos ouvidos e naquela hora e meia não há matéria para meter na cabeça. O colega João Pedro tem 14 anos, é tímido, mostra o seu ar envergonhado quando diz que está no 7.º ano. “Já devia estar no 9.º, não era?”, pergunta sem esperar uma resposta. É sossegado, parece calmo, está apaixonado, escolhe David Carreira para cantar e muda logo depois para a canção Como Ela é Bela do Agir. Todos cantam, mesmo quando não sabem a letra. A improvisação é sempre bem-vinda porque tem sempre muito para contar. Comunicar sem palavras Nas escolas públicas do concelho de Santa Maria da Feira, cerca de 350 crianças e jovens do 2.º ciclo ao 12.º ano do secundário têm necessidades educativas especiais. O projecto De que Som Sou Feito?, apoiado pela Fundação Gulbenkian, abrange cerca de 100 alunos. Nestas sessões, em que o limite é de oito alunos na mesma sala, não há receitas. É preciso estar disponível e atento ao que acontece a cada segundo. “É um espaço de partilha. Falamos dos amores e desamores, situações de casa, improvisamos letras e vem ao de cima o que se pensa. A música é um veículo que permite essa exposição emocional”, adianta Cristina Castro, licenciada em Psicologia, pós-graduada em Musicoterapia, presidente da Mutpet – Associação Nacional de Musicoterapeutas, criada em Abril do ano passado. É também instrumentista na banda folk Pé na Terra. Até pode haver guião ou fio condutor para cada sessão, mas tudo depende de quem se tem à frente. O currículo de cada um foi devidamente analisado antes de se entrar na sala. “Temos de conhecer o grupo como ele é. As sessões têm um carácter dinâmico e muito livre e é nessa liberdade que os meninos trazem muita coisa”, explica. É preciso, portanto, muita atenção para decidir o que fazer. “Olhar, sentir o grupo, ver como as coisas estão e dar seguimento consoante as necessidades. Temos de pensar no bem-estar deles”, diz Cristina Castro.
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É fundamental que a Escola, sobretudo nos primeiros anos e de uma forma gradual até ao fim do ensino básico, seja o lugar privilegiado da aprendizagem formal. Foi de facto sintomática a espontânea reação das crianças de uma reportagem do Público quando foi anunciado o fim das provas de avaliação externa no final do 1.º ciclo: andámos três anos a treinar para nada! Quanto a mim penso que andámos quatro anos a trabalhar para esse imenso nada que foi uma determinada conceção de Educação, que inverteu o trabalho feito ao longo de 30 anos de Lei de Bases do Sistema Educativo, recuperando ancestrais modelos curriculares e de avaliação e abrindo, com isso, conflitos onde eles não existiam e exacerbando divergências onde elas eram dialogáveis e eventualmente convertíveis em complementares.
É certamente complexa a rede de questões que se cruzam em muitos nós e que, com esses nós, se constrói. Uma rede que deve significar suporte, comunicação, elos que unem, que agregam. Não perceber isto é provocar aqueles outros nós que ensarilham a meada. Começo por defender um período de reflexão e de debate que possa equilibrar (e discernir) aquilo que é urgente mudar e o que carece de um entendimento mais de fundo, global, sobre o que queremos para a Educação em Portugal — que tem muito a ver com o futuro que queremos para o nosso país, as nossas crianças e jovens — e que não pode estar à mercê das ideologias e preconceitos de algumas pessoas. A experiência recente ensinou-nos isso. Mas falemos das mais recentes medidas hoje anunciadas sobre a avaliação no ensino básico — a abolição dos tais “exames” dos 4.º e 6.º anos — refletindo sobre os argumentos que vêm sendo esgrimidos a propósito. Muitos podem, em grande parte, ser identificados na reportagem que comecei por referir e outros começam agora a pulular um pouco por toda a parte. E sejamos objetivos: este tipo de provas não existe, para esta faixa etária, na generalidade dos países com quem partilhamos a mesma cultura e as mesmas grandes opções educativas, não existe em nenhum país da Europa no 4.º ano e, no nosso país, apenas foram retomadas nos últimos três anos, depois de terem sido eliminadas com as reformas educativas realizadas após a queda da ditadura. E não existem porque: são desnecessárias para avaliar os alunos — para isso os professores têm uma variedade de formas e instrumentos de avaliação que, nesta fase devem privilegiar o retorno eficaz e atempado sobre as aprendizagens feitas, as dificuldades detetadas, as potencialidades identificadas, permitindo assim os ajustes e correções a fazer no percurso de cada aluno; são desnecessárias para aferir o sistema já que há outras formas, outros instrumentos, que permitem ir tomando o pulso e validando — ou corrigindo — a adequação de medidas e condições de funcionamento do mesmo. No entanto, mais graves do que a sua “não necessidade”, são os efeitos perversos que induzem e as falhas que encobrem. O primeiro efeito está à vista: andámos a treinar para os exames, como aliás a Associação de Professores de Matemática alertou desde que as provas de 6.º e 4.º ano foram instituídas, quando disse que elas não avaliam as aprendizagens dos alunos de uma forma completa, privilegiando aprendizagens que incidem num conjunto de capacidades e conhecimentos muito restritos e centradas em aspetos mensuráveis e tendem a induzir práticas de trabalho de sala de aula focadas no treino para os exames, com prejuízo de outras aprendizagens mais profundas e estruturantes, chamando também a atenção para outro dos efeitos perversos: distorcem o conjunto do currículo, passando a Matemática e o Português a ter um peso desproporcionado no trabalho em aula e fora dela, sobretudo à medida que se aproxima a realização destas provas (vemos agora que, em muitos casos, o período de preparação para exames já ia muito além disso). E recordando uma vez mais o matemático holandês (e também grande impulsionador de um ensino da Matemática com significado) Hans Freudhental, o exame torna-se um objetivo, o que vem para o exame um programa, o ensino de matéria para o exame um método. Qualquer professor sabe que este é um mau ensino, com profunda falta de rigor, embora muitos se sintam pressionados a segui-lo. Outro conjunto de argumentos parece ter a ver, numa analogia médica, com aquelas medidas que, frente a uma doença, tratam de remediar os sintomas, resolvendo um problema a curto prazo, deixando alastrar o mal para problemas futuros mais graves. E são eles do tipo das tais vantagens indiretas referidas na reportagem como a pressão dos pais (...) para que os filhos não façam má figura... Há também quem argumente com a pressão sobre os professores, como se eles fossem esses “seres irresponsáveis” que precisam da espada de Dâmocles sobre as suas cabeças para trabalharem com seriedade e rigor... Já para não falar do mais básico que verdadeiramente nunca compreendi: eu também os fiz e não me fez mal nenhum... Sim, e depois? Em que é que isso contribui para argumentarmos se esta é, ou não, uma boa medida educativa, como se a escola de hoje fosse a de há quarenta anos (claro que aqui em Portugal a esses quarenta anos teríamos que adicionar um atraso, à época, de cem anos, para os países europeus mais desenvolvidos do ponto de vista educativo)? Como se o que sabemos hoje sobre as aprendizagens fosse igual ao que se (não) sabia então. Como se os alunos de hoje, os pais, a sociedade, fossem os dos anos sessenta, cinquenta, do século passado e os desafios educativos, científicos, tecnológicos e culturais não se tivessem alterado profundamente. Às vezes parece-me que o argumento do rigor e da exigência em defesa dos exames, sobretudo quando chega de sectores ligados ao ensino superior que tão pouco conhece do ensino básico, visa uma autojustificação de práticas letivas desinteressantes que não se mudam há décadas, pese embora os desafios académicos e científicos do presente. Não quero escamotear a existência de dificuldades várias no nosso sistema de ensino, inclusive a existência de alguns profissionais com mais fragilidades. Mas porque é que as medidas legislativas, no nosso país, devem ser feitas a pensar nos prevaricadores (felizmente poucos) e não nos que cumprem? Para quem tanto alardeou o perigo da “incompetência” de alguns professores, não se percebe a forma como desinvestiu na sua formação contínua, nos programas de acompanhamento, sobretudo em níveis de ensino e em áreas disciplinares em que a formação inicial dos docentes possa ter tido lacunas em conhecimentos específicos. É fundamental que a Escola, sobretudo nos primeiros anos e de uma forma gradual até ao fim do ensino básico, seja o lugar privilegiado da aprendizagem formal. Fora da escola, as crianças podem e devem ter tempo livre, fazer outras aprendizagens que completem e reforcem as aprendizagens escolares ou simplesmente brincar. Já não era mau que não se incutisse nas crianças essa fatalidade genética de quem não vai conseguir ter sucesso a disciplinas como a Matemática porque pais, avós e restante família nunca tiveram jeito para o assunto. Mas seria bem mais interessante podermos desenvolver, a partir da escola, tipo de tarefas para os pais poderem fazer em casa no seu quotidiano familiar, sem ser a resolução dos TPC (não estou a dizer que não se devam fazer com conta peso e medida, mas esse tipo de trabalhos é para os alunos, e para eles deve ser adequado, não para os pais ou explicadores). É importante que à Escola e aos professores sejam dadas condições de trabalho e apoios que visem este amplo, rico, diversificado objetivo de uma educação capaz de, transmitir conhecimentos (de forma compreensiva e significativa, coisa que, não só não se opõe à memorização, mas que até a facilita) e com isso, e com a prática letiva, desenvolver capacidades, raciocínios, sentimentos de autoconfiança e de gosto pelo saber. Assim, poderemos combater, a longo prazo, a pouca valorização social da Escola e do Saber. Assim, educaremos para a responsabilidade, para o poder do saber situar-se na sociedade, na profissão, na vida, com competência intrínseca e não só pelo fazer figura ou com incentivos de competição que não parece estar a ter bons frutos nas sociedades hodiernas. Finalmente, vamos ao argumento mais disseminado neste últimos dias: a necessidade de estabilidade, o “não andar sempre a mudar”, como se isso seja de facto o que aconteceu. Pouca gente se pareceu preocupar com as profundas alterações introduzidas nos últimos quatro anos e meio no ensino em Portugal e que foram muito mais do que os tais exames. As alterações curriculares, por exemplo, feitas sem avaliação, de uma forma precipitada: os programas de Matemática e Português do Ensino Básico tinham acabado de ser implementados, para serem liminarmente e integralmente substituídos por outros sem paralelo. E agora eleva-se o coro dos que pedem avaliação das medidas e estabilidade. Ora convenhamos: medidas como a eliminação destas provas não precisam de avaliação. Basta o conhecimento (sim, que também há conhecimento construído sobre estas matérias). Sobre a estabilidade, não podia estar mais de acordo. Ela existia, no fundamental, desde a Lei de Bases de 1986 e a reforma curricular dos anos 90 e resistiu às mudanças de cor política dos diversos governos, em que as alterações provinham essencialmente da identificação de dificuldades ou pontos a melhorar. É certo que alguns ministros deixaram a sua marca, talvez até controversa, mas sem afetar o essencial. Na (pen)última legislatura tudo mudou para pior, com mudanças apenas orientadas por preconceitos ideológicos e por meras “visões”. Por isso, não. Estabilidade à custa desta situação de exceção ao arrepio da investigação especializada e da prática internacional, não quero. Quero reflexão — uma ampla reflexão — compromisso — um alargado compromisso — e melhoria. Por isso, vão-me desculpar, mas já não suporto argumentos simplistas e enviesados dessa enraizada ciência do “achismo” e dos mais pobres lugares comuns carenciados de qualquer fundamentação, entre os quais emerge o mais terrível preconceito de dizer que hoje os alunos nada sabem e que no meu tempo... Hoje é que é o tempo, o nosso tempo. É tempo de encararmos a questão educativa com seriedade e com coragem. E recuperar a capacidade de sonhar e de se entusiasmar com a causa da Educação. Lurdes Figueiral - PÚBLICO Presidente da Associação de Professores de Matemática «http://www.publico.pt/sociedade/noticia/a-treinar-para-nada-1719755?page=-1» Há outras medidas muito urgentes na área da educação. Mas a questão docente é a primeira. As candidaturas ao ensino superior são um precioso campo de observação, revelando que para entrar em medicina, gestão, economia ou direito numa universidade prestigiada, “séria”, são exigidas médias próximas dos 20 valores. Estão em disputa as profissões mais gratificantes e os cursos de maior prestígio, que se mantêm nas universidades. Quem não atinge estas médias tem de contentar-se com o que sobra: ensino superior de segunda categoria, público ou privado, onde se entra com a nota mínima e de onde se sai com o menor esforço. Sem ofensa e com a devida vénia aos talentos e vocações que ainda possam fugir à regra, não será exagerado afirmar que os candidatos a professores são hoje o “refugo” das candidaturas ao ensino superior, são os que não conseguem entrar nos cursos “nobres”. É aqui que se define a qualidade da educação: ou conseguimos recrutar os melhores ou não teremos educação para um estado forte, com uma economia sólida e os melhores índices de qualidade em todos os setores e serviços. Não é possível fazer da escola o motor do desenvolvimento se a entregarmos aos menos qualificados e menos competentes.
Para inverter esta tendência, não basta tornar a profissão de professor mais apelativa em termos de remuneração. É preciso sobretudo dar-lhe estabilidade, segurança, estatuto e dignidade, que é tudo o que não tem. É preciso torná-la atrativa. Há países onde a profissão de professor é das mais prestigiadas e disputadas. É a primeira escolha. Vejamos o caso da Finlândia, tantas vezes referida pelos resultados de excelência que obteve ao longo de décadas nos rankings do PISA. Um analista francês [1] identifica os segredos do sucesso e, no que respeita aos docentes, destaca: a profissão é altamente prestigiada, o recrutamento é muito exigente, a formação inicial muito aprofundada, as condições de trabalho excelentes, a liberdade pedagógica é total e é estreita a ligação à universidade e a uma formação contínua específica e focada. Os professores são verdadeiramente especializados. Como exemplo, o mesmo autor apresenta o modelo de recrutamento de candidatos a professores seguido pela faculdade de educação de Joensuu: de cerca de 1200 processos de candidatura a docentes do ensino básico – carta de apresentação e CV – são selecionados 300 por ano, que se submetem dois dias inteiros a testes, entrevistas e debates observados. Apenas os 80 melhores candidatos são admitidos. No ensino secundário o processo é idêntico: os candidatos a docentes das várias disciplinas passam pelas mesmas provas. O rigor no recrutamento e na formação asseguram altos padrões de qualidade e excelentes resultados, de tal modo que a Finlândia dispensa a pesada máquina da Inspeção da Educação. As escolas têm meios, em ligação com a universidade, para assegurar a formação e a qualidade dos docentes e da educação. Entre nós, o programa do novo governo identifica bem o problema e aponta as três medidas mais urgentes nesta área: “Valorizar a função docente”, “Rever o processo de recrutamento de educadores e professores” e “Relançar programas de formação contínua, em articulação com instituições de ensino superior, integrados numa política ativa de valorização dos professores e educadores”. Se este caminho tivesse sido seguido pelos 20 governos constitucionais e pelos quase 30 ministros da educação posteriores ao 25 de abril, a prometida democratização estaria cumprida. Mas não está. Quando o novo governo fala de um novo impulso, de um novo rumo e de um virar de página nas políticas de educação, é importante não esquecer a história e tantas promessas por cumprir. Mas importa registar e aplaudir o compromisso assumido. É também uma nova esperança. Valorizar a profissão, atrair e recrutar os melhores e requalificar os que já estão em exercício. Este compromisso do novo governo tem de ser também um compromisso assumido pelas escolas e pelos próprios professores. A requalificação e especialização dos professores e educadores parecem hoje mais fáceis. O esvaziamento dos cursos de formação inicial abre espaço para a formação dos docentes em exercício. As instituições de ensino superior vocacionadas para a formação de professores e educadores, nos planos científico e pedagógico ou da formação especializada, reúnem condições para esta requalificação e especialização. O ensino superior pode preencher o espaço vazio da formação inicial pela formação e especialização dos professores em serviço. Por outro lado, as escolas do ensino básico e secundário têm professores experientes, qualificados e especializados para assegurar o acompanhamento e a formação em contexto de trabalho. Articulando com o ensino superior, é possível melhorar a qualidade do serviço educativo de modo a reverter o atraso crónico de que sofremos. Há outras medidas muito urgentes na área da educação. Mas a questão docente é a primeira, porque são os professores que têm de as levar à prática. Não podemos mudar a escola e a educação sem os professores. E sem melhores professores. OPINIÃO José Afonso Baptista - PÚBLICO 1] Robert, Paul (2006), L’éducation en Finlande: Les secrets d’une étonnante réussite. «http://www.publico.pt/sociedade/noticia/a-motivacao-e-o-compromisso-dos-professores-1719204» Enquanto os colegas de turma estudam trigonometria e lêem o Sermão de Santo António aos Peixes estes jovens estão a aprender quanto são “três mais um” e como se escreve um sumário. Com o alargamento da escolaridade obrigatória chegaram às escolas secundárias. Quando o toque de entrada interrompe o bulício próprio de uma escola com 1500 alunos, as portas das salas de aula funcionam como uma espécie de funil para onde escorre a multidão, que em segundos deixa o corredor vazio. Numa dessas salas da secundária Avelar Brotero, em Coimbra, entram apenas cinco adolescentes. O resto da sua turma, do 11.º ano do curso profissional de Multimédia, estará a aprender estatística ou trigonometria. Estes sentam-se, abrem os dossiers e copiam, do quadro, o sumário. Vão corrigir a ficha de avaliação de Matemática e a professora, Ana Janela, aproveita para fazer revisões: “1+1? 2+1? 3+1?”
Para Manuel, Miguel e Áurea, o resultado não é óbvio. Não teriam dificuldades se estivessem a contar maçãs, lápis, pedras – qualquer coisa que pudessem ver e tocar. E é por isso mesmo que a professora insiste: “Manel, 4+1?” Para estes jovens que têm 18, 17 e 16 anos, respectivamente, explorar a capacidade de abstracção representa “um esforço imenso, mas necessário”, explica Paula Baião Constantino, a coordenadora da Educação Especial na escola. “Eles só serão capazes se as pessoas, à volta, acreditarem que são capazes”, diz. Tal como Luís, de 18 anos, e Ana, de 17, Manuel, Miguel e Áurea fazem parte das crianças e jovens com necessidades educativas especiais (NEE) que frequentam as escolas portuguesas – 75.032, em 2013/2014. Mas integram um grupo particular: o daqueles que, devido a défices cognitivos mais ou menos severos, associados ou não a outras doenças, têm, desde o ensino básico, um Currículo Específico Individual (CEI), a medida mais restritiva do universo das que são aplicadas aos alunos com NEE. Há menos de uma década seriam conhecidos como deficientes mentais e estariam confinados às escolas de ensino especial. Hoje estão no ensino regular: são 13.037 e 2158 estão no secundário. “Então? 4+1?” É Miguel que responde: “Cinco”. Como Manuel, Miguel tem Trissomia 21. Sabe ler, escrever, comunica com a mãe por SMS, utiliza o chat do Facebook, tem aulas de música e joga basquetebol fora da escola. Fez parte dos primeiros grupos de crianças a beneficiar da legislação de 2008 que esvaziou as escolas de ensino especial e abriu as portas do ensino básico a crianças com NEE até aos 15 anos ou ao 9.º ano de escolaridade. Mais tarde, há três anos, apanhou o alargamento da escolaridade obrigatória para o 12.º ano ou 18 de idade. Transição sem recursos Nenhuma das transições foi fácil. No ensino básico, os alunos com CEI acompanham a turma do 5.º ano para o 6.º, deste para o 7.º e assim sucessivamente, mas não partilham necessariamente com ela a sala de aula, não fazem testes ou exames e também não têm direito a diploma. Podem estar com a turma em várias disciplinas, em apenas duas, uma ou em nenhuma – depende do que é definido como adequado a cada um deles. Enquanto aos colegas é pedido que aprendam gramática e façam equações, a estas crianças podem ser colocadas metas aparentemente tão simples como escrever o próprio nome, apanhar o autocarro certo para chegar à escola ou saber determinar a quantidade de leite necessária para fazer uma mousse de chocolate. Alguns, não serão capazes de cumprir qualquer uma destas tarefas, outros conseguem fazer muito mais. Nem a todos são dadas as condições desejáveis, como denunciou há pouco mais de um ano o Conselho Nacional de Educação (CNE). “A atitude voluntarista do legislador não encontra respaldo na capacidade de mobilização equitativa de recursos”, pode ler-se no relatório daquele órgão consultivo do Governo, publicado em Julho de 2014. Dois anos antes, já investigadores de Educação Especial e dirigentes de associações de pais e de professores e investigadores tinham alertado para os problemas que surgiriam daí a meses, quando os alunos com défice cognitivo chegassem às escolas do ensino secundário. Escolas “tiveram de reagir” Nessa altura, aquela que à época era própria directora de serviços de Educação Especial do Ministério da Educação e Ciência, Filomena Pereira, admitiu que as escolas pudessem “não estar preparadas". “Mas quando um pai e uma mãe têm um filho deficiente, também não estão e reagem”, comparou, em declarações ao PÚBLICO. Graça Barbosa Ribeiro - PÚBLICO «http://www.publico.pt/sociedade/noticia/o-alunos-especiais-chegaram-ao-secundario--e-gostam-1714369» “Em Bierges as janelas estão abertas a todos os ventos. Estamos atentos e queremos responder a todos os estímulos do futuro. Estamos vivos.” Foi preciso chegar ao centenário de Une école nouvelle en Belgique, para que esta obra maior de Faria de Vasconcelos fosse traduzida para português... Carlos Meireles Coelho oferece-nos não só a tradução de Uma escola nova na Bélgica, mas também um conjunto de anotações e apontamentos, históricos, biográficos e bibliográficos, de grande interesse e utilidade para compreender o pensamento de Faria de Vasconcelos e a experiência pedagógica da escola de Bierges-les-Wavre... A nossa maneira de pensar a infância, a educação e a pedagogia baseia-se, fundamentalmente, neste ideário que aparece claramente exposto, pela primeira vez, no livro de Faria de Vasconcelos. Daí a sua importância, não só para Portugal, mas para a compreensão da pedagogia contemporânea... Faria de Vasconcelos é, sem dúvida, o educador português mais conhecido no estrangeiro. A sua obra constitui uma referência obrigatória para quem quer estudar as dinâmicas da Educação Nova no princípio do século XX. Cem anos depois precisamos de abrir novas janelas, a todos os ventos, para assim responder aos estímulos do futuro. São outros os tempos, são outros os caminhos, mas precisamos de ter a mesma ousadia de pensamento e de ação que este livro de Faria de Vasconcelos revela, pois só assim estaremos à altura das novas soluções que o século XXI nos exige. António Sampaio da Nóvoa OBRA COMPLETA em PDF AQUI, BAIXE OU CONSULTE
A escola está envelhecida, em degeneração profunda e é necessário REGENERÁ-LA. O abandono escolar, porque a escola deixou de dar respostas às exigências do presente e a relevância para o futuro, é uma das consequências e leva os jovens a negar-lhe importância. O território educador, é pois, a resposta para a escola do futuro. Quanto à transparência: começa a ser tempo de exigir às escolas privadas tudo aquilo que é exigido às públicas. Quem fez pressão para que os dados dos resultados dos exames fossem conhecidos publicamente também deveria pressionar para que não fossem apenas as escolas públicas a revelar os dados de contexto desses resultados OPINIÃO
A elaboração e publicação de rankings com os resultados escolares vai abandonando a infância da divulgação de meras ordenações de escolas com base no desempenho dos seus alunos em exames ou provas finais (no ensino básico limitadas a duas disciplinas) e começa a entrar na adolescência e numa fase de crescimento em que a existência de mais informação vai permitindo a obtenção de melhor informação. Não sou dos que acham que os rankings são a panaceia ou o demónio, preferindo encará-los como uma fonte de conhecimento que é necessário alargar, filtrar, contextualizar. E prefiro ter acesso aos seus dados do que não ter, até porque da micro à macro escala eles me dão indicações úteis, mesmo se é inegável que deles são feitos frequentes aproveitamentos demagógicos com base em indicadores truncados. Mas esse é um risco que pode e deve ser desmontado e não um factor que justifique a sua inexistência. Para que os rankings atinjam entre nós uma idade adulta, mais racional e menos vulnerável a devaneios emocionais, parece-me essencial que se invista muito em dois aspectos relacionados com a qualidade da informação: a consistência dos dados analisados ao longo do tempo e a transparência e equidade desses mesmos dados entre todas as escolas classificadas. Comecemos pelo aspecto da consistência: é complicado estabelecerem-se análises significativas do desempenho dos alunos, no seu todo, e de cada escola em particular sem a fixação de um modelo de exames ou provas finais que não seja vulnerável a humores conjunturais de quem coordena a sua elaboração. Ao fim de um determinado número de anos (fiquemo-nos por uma mão-cheia deles) em que se admite que se façam experiências ou acertos, não me parece razoável que alguns dos instrumentos da avaliação externa em disciplinas fundamentais (no básico são apenas duas) vejam a sua estrutura ou grau de dificuldade variar a cada ano ou par de anos. Seja como resultado de alterações dos programas, seja porque alguém acha que é necessário tornar mais fáceis ou difíceis as provas por razões exógenas (leia-se, na maior parte dos casos, “políticas”). Quem acompanha por dentro o que se passa, aplicando as provas e classificando-as sabe que se torna quase impossível definir tendências credíveis em relação aos seus resultados no curto, médio ou mesmo longo prazo, sem entrar com ponderações subjectivas. Enquanto os exames forem usados como instrumento político e ideológico, analisar do ponto de vista diacrónico os seus resultados é um exercício académico pouco útil. Assim como se estarão apenas a analisar desempenhos relativos (quem subiu, quem desceu) e não o desempenho global de todo o sistema de ensino (que não pode basear-se apenas nos testes PISA). Quanto à transparência: começa a ser tempo de exigir às escolas privadas tudo aquilo que é exigido às públicas. Quem fez pressão para que os dados dos resultados dos exames fossem conhecidos publicamente também deveria pressionar para que não fossem apenas as escolas públicas a revelar os dados de contexto desses resultados. Eu gostaria de ter rankings em que não fosse apenas a rede pública a revelar os dados sobre o nível socio-económico dos seus alunos ou as habilitações académicas dos pais, enquanto as escolas privadas os ocultam ou conseguem que não lhes sejam exigidos. O mesmo se passa com a necessidade de conhecermos indicadores como a incidência de alunos com necessidades educativas especiais ou adaptações curriculares em todas as escolas ou ainda o peso relativo de turmas “não regulares”. Ou as condições de acesso e funcionamento de muitas escolas privadas, se são escolas de tendência confessional ou não, que políticas de propinas praticam, quais as escolas privadas com subsídios públicos. Seria mesmo interessante conhecer que modelo de gestão existe. Todos estes elementos são fundamentais para sabermos caracterizar o perfil de cada escola para além da sua posição relativa no ranking. E, a partir daí, termos uma maior qualidade da informação disponibilizada ao público, quando se comparam escolas públicas e privadas ou mesmo cada um desses subsistemas. Tem sido curioso o cruzamento, nos últimos anos, entre a tese de que o factor que mais faz a diferença no desempenho dos alunos são os professores e uma outra que se esforça por demonstrar que o que permite melhores resultados são as práticas pedagógicas e organizacionais das escolas privadas. Há que perceber se, afinal, não será um terceiro factor a ser determinante em tudo isto: as expectativas das famílias dos alunos, o seu perfil académico e a sua capacidade de pressão económica sobre a gestão das escolas. Paulo Guinote - PÚBLICO «http://www.publico.pt/sociedade/noticia/mais-informacao-melhor-informacao-1717001» OPINIÃO
Comemoramos hoje 14 anos de rankings. Em 2001, os rankings iniciaram uma revolução no modo como os portugueses se relacionam com a escola. Catorze anos volvidos, vemos já alguns resultados. Até 2001, pouco sabíamos, de verdade, sobre o que se passava no sistema educativo português. Muita gente opinava sobre as escolas, mas o conhecimento que tinha sobre estas era baseado nas impressões que recolhia junto dos seus filhos, familiares, amigos, professores, colegas de trabalho. Na melhor das hipóteses, havia uns investigadores que faziam estudos de caso em pequenas amostras de escolas. A própria administração educativa (“máquina do ministério”) pouco sabia sobre o que realmente se passava nas escolas. Tinha uma montanha de dados à sua disposição, mas eram pouco coerentes, sem séries históricas relevantes. Muitos dados e pouca informação. As opções de política educativa ao mais alto nível eram tomadas com base em percepções vagas e ideias importadas do bom que se fazia lá fora. Vivíamos no reino do palpite. A partir de 2001 isto começou a mudar. A vitória judicial do jornal PÚBLICO contra o Ministério da Educação deu origem ao primeiro ranking. Era uma lista ordenada de escolas em função dos resultados dos alunos. Foi muito contestada por ser “pobre”. Mas a verdade é que, pela primeira vez na história, soubemos algo sobre o que se passava nas escolas. Era pouco; mas foi um princípio. Hoje, além dos rankings tradicionais, temos indicadores mais robustos que o próprio PÚBLICO desenvolveu (Indicador da Promoção do Sucesso Escolar), temos uma página na Internet alimentada pelo ministério com imensa e importante informação sobre todas as escolas do país, temos muitos e alguns bem robustos estudos, feitos nas nossas melhores universidades, sobre processos e resultados escolares. Mas há mais a fazer. Gostava de deixar duas ideias. Uma sobre o que se passa no fundo da tabela e outra sobre a forma de fazer política educativa. Em primeiro lugar, a obrigação moral que todos os agentes sociais têm de olhar para o fundo da tabela. Fixámos os olhos no topo e discutimos quem lá está e porquê. Mas ninguém está a olhar para o caso das escolas que, consistentemente, estão no fundo da tabela. Não podemos aceitar que nos digam que a culpa é dos alunos e das suas famílias. Não podemos aceitar que nos digam que há crianças que não podem aprender. Nem tão-pouco se trata de dizer que a culpa é das escolas ou dos seus profissionais. É irrelevante de quem é a culpa; o que é relevante é que ninguém faz nada – de verdade – para que se quebre esse ciclo de insucesso. O acesso a uma escola onde se aprende é a mais poderosa ferramenta de desenvolvimento pessoal e social que a sociedade pode oferecer às crianças e jovens. Fingir que nada se passa nestas escolas é negar às crianças que as frequentam o direito fundamental à educação. E isto é inaceitável. Este não é o local nem o momento para discutir as causas desse insucesso. Mas é certamente o local e o momento para denunciar o abandono a que têm sido sujeitas gerações e gerações de portugueses cuja principal característica comum é frequentarem estas escolas. Antes dos rankings, o poder político e a administração educativa disfarçavam a situação; fingiam que o problema não existia. Com o surgimento dos rankings, têm ido atrás da atenção pública nos lugares de topo e na discussão sobre se estar no topo era por ser uma boa escola ou por ter bons alunos. Mas é tempo, repito, de olharem para o fundo da tabela. Aceitar que estar no fundo da tabela resulta das características dos alunos e que nada há a fazer é aceitar que nem todos conseguem aprender, que a escola não faz diferença e que a educação não serve como elevador social. Quem aceitar isto não tem condições para trabalhar em educação. Em segundo lugar, o novo mundo das políticas educativas. Hoje, o Ministério da Educação dispõe de informação (e não só dados) sobre o sistema educativo e cada um dos seus componentes como nunca antes. Não há mais espaço para política do “acho que” ou do sound bite mediático. A educação é demasiado importante para continuar assim. É preciso olhar para a informação existente e avaliar as políticas em vigor; olhar para a informação existente e projectar os resultados previsíveis de novas políticas; olhar para a informação existente e definir instrumentos de monitorização da mudança. É preciso olhar para a informação existente e definir que novos dados são precisos para aumentar e melhorar o conhecimento disponível sobre o ensino e a aprendizagem. Rodrigo Queiroz e Melo - PÚBLICO «http://www.publico.pt/sociedade/noticia/os-rankings-vistos-ao-contrario-o-fundo-da-tabela-e-a-politica-do-palpite-1717132» Na Póvoa de Lanhoso, muitos dos professores já tinham dado aulas aos pais dos actuais alunos. Estabilidade do corpo docente apontada como fundamental nas secundárias onde mais se progride todos os anos. Dina Rei está com quatro alunos numa das salas do bloco C da Escola Secundária de Póvoa de Lanhoso. “Não devias estar na sala de estudo?”, pergunta, descontraído, o director José Ramos. A sala de estudo fica num outro bloco, no topo do estabelecimento de ensino. Era o antigo refeitório, que foi transformado num espaço onde os estudantes podem usar os tempos livres para tirar dúvidas às várias disciplinas. Um espaço que é um dos motivos de entusiasmo do director quando apresenta as estratégias que colocaram esta escola do distrito de Braga entre uma “elite” que, sistematicamente, tem feito os seus alunos progredir mais do que a média nacional ao longo do ensino secundário.
Na porta da sala de estudo há um horário afixado que dá a conhecer os professores e as matérias disponíveis a cada hora do dia. Era ali que Dina Rei devia estar, juntamente com duas colegas de Inglês. “Prefiro vir para esta sala porque tenho quadro se for preciso escrever alguma coisa”, justifica a professora de Matemática – “uma das mais exigentes” da escola, garantem os colegas. A mudança de local decidida pela docente não preocupa o director. Para ele, é a possibilidade de os estudantes poderem ter um professor disponível para rever matéria ou resolver um problema em que tenham maiores dificuldades que importa, mais do que o local em que isso acontece. Mas José Ramos entusiasma-se com a sala de estudo. Tal como se entusiasma quando apresenta os restantes elementos da direcção da escola. São eles que “lêem todas as actas” dos conselhos de turma e “estão atentos” aos primeiros sinais de que pode ser preciso reforçar as aprendizagens a uma ou outra disciplina. No ano passado, a escola de Póvoa de Lanhoso pediu um professor de apoio a Matemática com os créditos horários que lhe foram atribuídos pelo Ministério da Educação como “prémio” por se distinguir em termos de eficácia educativa. Este ano, pondera fazer o mesmo com o Português. “Vamos fazendo o diagnóstico a cada passo e criando as respostas mais adequadas em cada momento”, explica o director. É esta atenção quase personalizada aos problemas de cada uma das turmas que parece estar na base do sucesso desta escola do Minho que, nos últimos quatro anos lectivos, esteve sempre entre as 25% que fizeram os seus alunos progredir mais entre o 9.º e o 12.º ano (ver texto sobre o novo Indicador da progressão dos resultados). O estabelecimento de ensino não é pequeno, há 810 estudantes no ensino secundário, mas tem um certo ambiente familiar que facilita o contacto mais diferenciado com os alunos. Enquanto percorre a escola, José Ramos aborda os alunos no recreio – “não há aulas?”; nas escadas – “então como correu o teste?”; ou no bar. Ter um corpo docente estável conta... A Escola Secundária Daniel Faria, em Baltar, no concelho de Paredes, está no extremo oposto daquele em que se encontra a da Póvoa de Lanhoso: os seus alunos estão sistematicamente entre os que menos progridem a Português e Matemática entre o 9.º e o 12.º ano. O director, António Aguiar, reconhece que a escola “não tem uma imagem positiva”: “Quem vir os rankings nos últimos anos, percebe que a escola não tem tido bons resultados.” Tem estado sempre no último terço da tabela – no ano passado estava em 561.º, este ano subiu ligeiramente para 501.º em quase 600 escolas onde se realizaram pelo menos 50 provas de exame. É preciso “fazer um esforço para que os alunos fiquem na escola”, reconhece. Esse trabalho também é necessário para manter por perto os professores do quadro: a proximidade do Porto faz com que muitos docentes tentem uma colocação numa das escolas da segunda cidade do país, tornando o corpo docente algo instável. A estabilidade dos professores é, precisamente, um dos factores apontados para o sucesso neste novo indicador do trabalho das escolas por dois dos estabelecimentos públicos que mostram maior capacidade de fazer progredir os seus alunos. “Dos 137 docentes que temos, apenas 11 são contratados”, valoriza o director da Secundária de Ponte da Barca, Carlos Louro. Samuel Silva - PÚBLICO «http://www.publico.pt/sociedade/noticia/os-alunos-progridem-mais-numa-escola-que-e-quase-da-familia-1717135» Sou dos que acham que o professorado deve ser e funcionar como uma espécie de reserva moral cívica e um exemplo para os seus alunos. Em todas as gerações há quem se queixe contra o grau imenso de ignorância dos seus tempos. Essa atitude está certa e errada, em simultâneo. Porque é verdade que a ignorância e outros fenómenos equivalentes tendem a aumentar, mas é mentira no sentido em que a ignorância e a estupidez são infinitamente renováveis e acontecem em todas as gerações, bem como as boas vontades e a solidariedade humana. Porque os “bons velhos tempos” apenas o foram porque se era mais novo e não necessariamente porque tudo fosse melhor.
Nas últimas semanas temos sido presenteados de um modo generoso com quantidades absolutamente polifémicas de preconceitos gritados vocalmente ou com muitas maiúsculas nas redes sociais em relação a duas situações: os refugiados — eufemisticamente “migrantes” -- do Médio Oriente e o chamado “momento político”. De modos diferentes, mas com alguma coincidência dos produtores desse discurso, quantas vezes com origem em sectores da sociedade que alegam professar credos de caridade humanitária, viu-se até que ponto a mesquinhez humana pode atingir píncaros de sobranceria preconceituosa. Numa manhã da semana que passou, pelas 8h30, numa rádio que até é pública, uma personalidade radialista e televisiva de notoriedade mediana na melhor das hipóteses insurgia-se em rubrica pretensamente cómica e bem pensante contra o facto de um jornal ter feito um título com referência ao facto de António ter chamado ao Governo “uma cega e um cigano”. E rematou dizendo -- e passo a citar com aproximação muito razoável na ausência de podcast -- que parecia um título feito “por um taxista”. Aparentemente, só ao verbalizar o que escrevera é que percebeu que era igual ao que criticava e tentou remediar tardiamente a situação, o que demonstrou até que ponto não era um exercício de humor seco muito britânico. E é aqui que entra o papel da Educação, familiar, claro, mas também escolar. Porque, quando tudo o mais falha, a Escola com Maiúscula deve tornar-se um espaço não de doutrinação confessional ou política, mas certamente de apresentação de alternativas para o comportamento cívico dos futuros cidadãos. Confesso que me apetecia escrever isto de forma mais curta e directa, mas estou a tentar exercitar alguma contenção na adjectivação. E não me venham com a bizantinice de distinguir “ensino” de “educação” nestes casos. A Escola, enquanto serviço público universal e onde se podem e devem cruzar todas as tonalidades e pensamentos, deve ensinar a conviver em sociedade e a basear as convicções em argumentos válidos e em demonstrações que ultrapassem a ansiedade de um candidato a assessor ministerial (estão a ver um preconceito orgulhoso em prática?) ou a fúria de uma criatura que ontem desancava os sem-abrigo como inúteis e os beneficiários dos rendimentos sociais como parasitas que só dão “despesa”, como hoje desanca os “refugiados estrangeiros” que podem vir para Portugal (atenção, nem sabem se já algum efectivamente chegou) beneficiar daquilo que dizem ser negado àqueles portugueses que antes consideravam não ter rendimentos por não quererem trabalhar. Ao contrário do que se diz, não é um fenómeno nascido nas redes sociais, em blogues ou em caixas de comentários de jornais, é um atavismo que se vai mantendo e que, pela forma intensa e ácida como se manifesta nestes períodos, revela o ponto em que a nossa Educação mais terá falhado, ou seja, a capacidade para ajudar a população a ultrapassar os seus instintos mais básicos de preconceito social e xenofobia. Um ser humano a fugir da guerra é apresentado como alguém que vem “roubar” os nossos recursos e a sua bondade é definida com base na sua posição em relação a uma fronteira. E, mesmo sabendo que entre os professores há gente de todo o tipo, sendo um caldeirão de tudo o que a sociedade tem de bom e mau, fico com aquele travo de desgosto quando vejo quem tem o ofício de ensinar, educar, instruir, o que quer que seja, mas que sabemos bem o que deve ser, a destilar ódios e etno ou sociofobias variadas, equivalentes no seu radicalismo ao multiculturalismo destemperado e relativista de uma outra trincheira. Que não é oposta, mas apenas a continuação da soberba preconceituosa a que a Educação não conseguiu transmitir um mínimo de humanidade – cuja carência se nota mais em tempos magros, de necessidade de partilha e de solidariedade. Mesmo sendo uma minoria que assim age, não deixa de ser algo frustrante. Porque sou dos que acham que o professorado deve ser e funcionar como uma espécie de reserva moral cívica e um exemplo para os seus alunos. Mesmo com todas as suas imperfeições. PAULO GUINOTE - PÚBLICO Professor do 2.º ciclo do ensino básico «http://www.publico.pt/sociedade/noticia/educar-contra-o-preconceito-orgulhoso-1716368» |