A escola do futuro será muito diferente da atual que já tem o modelo de 150 anos, o qual está a chegar ao fim. A ideia, de António Sampaio da Nóvoa, foi sublinhada no passado dia 7, na Escola Superior de Educação de Castelo Branco, no âmbito de um colóquio promovido pela Associação HiscultEduca, sobre "Faria de Vasconcelos nos meandros da educação integral e da escola nova: do passado ao futuro". No entender deste investigador, ex-reitor da Universidade de Lisboa, "a mudança da escola acontece no tempo de vida da geração que hoje está nas universidades. Vão ser os jovens que estão nas universidades que vão estar na transição da escola". À margem da conferência, António Nóvoa abordou esta questão com o Ensino Magazine, numa conversa curta mas objetiva, o professor catedrático da Universidade de Lisboa explicou a sua convicção relativamente à escola e àquilo que ela pode mudar.
Referiu que vão ser os jovens que estão nas universidades que vão fazer a transição para uma nova escola. Como é que os jovens podem mudar a escola? A pergunta é muito interessante. A minha hipótese de reflexão é que pela primeira vez na história vão ser os jovens a mudar a escola. Ou seja ela não vai mudar nem por políticas educativas, nem por decretos, nem por leis, nem por teorias pedagógicas. Vai mudar pelos jovens, no sentido em que os jovens hoje pensam de maneira diferente de nós, têm uma relação com o conhecimento muito diferente - é claro que estamos a falar da revolução digital, da revolução do conhecimento, da conetividade. Isto introduz maneiras de utilização do cérebro e do conhecimento diferentes. E essa diferença vai exigir uma escola diferente. Michel Serres, um filósofo francês, escreveu um livro chamado "Polegarzinha" - a geração que pensa com a ponta dos dedos, onde ele diz que só houve três revoluções: a primeira foi quando inventámos a escrita. E isso mudou tudo. Mudou a na nossa relação, a nossa relação com o conhecimento, com a memória, na nossa utilização do cérebro. A segunda foi a revolução do livro, há 500 anos, com Gutemberg. E a terceira grande revolução é hoje, e está a mudar. Esta mudança vai ter que ser trazida para dentro da escola, ou a escola vai perder sentido. Estamos numa fase de grande transição do ponto de vista da escola e dos modelos escolares. Isso obriga a que também os docentes se adaptem a novas realidades. Muitas vezes os alunos, sobre alguns assuntos, sabem mais que o professor? Sabem coisas diferentes neste caos que é a internet e a «nuvem». Muitas vezes os alunos sabem coisas muito complicadas e não sabem as mais básicas. Às vezes sabem coisas muito abstratas. Ou seja, às vezes parece que isto está ao contrário. Aquela linearidade do conhecimento, do mais simples para o mais complexo, do mais concreto para o mais abstrato. Tudo isso está posto em causa, porque a profusão de conhecimentos e a maneira como os jovens se relacionam com os conhecimentos é totalmente diferente. O professor vai ter um papel importantíssimo no futuro, mas que é diferente. Não terá um papel de dar aulas, de mero transmissor de conhecimento, mas de alguém que trabalha o conhecimento com os alunos. E o conhecimento é sempre o essencial, é a matéria-prima da educação. Mas uma coisa é transmitir o conhecimento a partir de uma sebenta numa aula, outra é trabalhá-lo com os alunos, colocá-los em grupo, dar-lhe temas para estudarem e para pesquisarem, ir construindo com eles. Falo de uma aprendizagem individual, mas também de pequenos grupos. Uma aprendizagem com aulas, de vez em quando, que serão importantes para sistematizar o conhecimento. Pois, aula atrás de aula e atrás de aula é uma coisa que não tem sentido. As crianças e os jovens precisam de outra coisa e os professores têm que se adaptar. E é nessa perspetiva que entra a questão do ensino superior? É, porque é impossível formar professores para esta escola que queremos, nos modelos pedagógicos atuais no ensino superior e nas universidades, os quais são fechados, tradicionais, em que não se respira, em que os alunos são tratados como gente que não sabe nada, quando muitas vezes eles têm acesso ao conhecimento muito superior ao dos professores pela sua facilidade no domínio do digital. Isto é um potencial que deve ser aproveitado. E o professor deve ser capaz de aproveitar esse potencial para depois dar sequência a esse conhecimento. Isso vai obrigar a que escola se abra às novas tecnologias e que os alunos as possam usar? O nosso dia a dia está dominado por isso. Faz parte da vida. Faz parte da escola. Dizem: mas isso é um elemento de distração. Mas pode não ser. Pode ser um instrumento de trabalho, de aprendizagem, de conhecimento. Perguntar se as novas tecnologias têm ou não lugar dentro da escola, é quase uma pergunta que se chegou a fazer há 500 anos atrás, se os livros deveriam entrar na escola ou não. Na altura o ensino era de memorização, e naquela altura diziam que o livro os iria distrair, pois precisavam de memorizar. Que tinha lá as informações e que se podia ir consultar quando se quisesse, pelo que o melhor era o livro não entrar no ensino. Ou seja tudo isto não faz sentido. O digital faz parte da vida. Ele tem que ser utilizado. É um potencial impressionante. Entrevista in ENSINO MAGAZINE «http://ensino.eu/ensino-magazine/dezembro-2016/entrevista/aescoladofuturo.aspx»
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Língua gestual portuguesa pode ser aprendida pelo menos nas escolas de referência para surdos. Deputados votam amanhã vários projetos sobre o assunto. Governo está recetivo Entre os cerca de mil alunos da Escola Artística Soares dos Reis, no Porto, há 15 estudantes surdos distribuídos por sete turmas. Neste momento, os ouvintes não têm qualquer formação para comunicar com os colegas surdos, mas esta realidade pode estar prestes a mudar. Amanhã, o Bloco de Esquerda, o PS, o PCP, o CDS-PP e o PEV levam à Assembleia da República vários projetos de resolução sobre o tema, que visam o ensino de língua gestual portuguesa (LPG) a ouvintes, pelo menos nas 17 escolas de referência para a educação bilingue. Uma medida que já está a ser estudada pelo Ministério da Educação (ME).
Contactado pelo DN, o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues adianta que o ME "recebeu a Federação Portuguesa das Associações de Surdos e disponibilizou-se para, no quadro do trabalho em curso sobre o currículo, estimular que, sobretudo nas escolas de referência para surdos, todos os alunos possam ter de aulas de LGP". Cândida Amorim, responsável pelo grupo de educação especial/ surdez da Soares dos Reis, que é escola de referência, explica ao DN que "há entendimento" entre ouvintes e surdos na escola, "mas de forma experimental." Enquanto os ouvintes "procuram saber como comunicar e perguntam aos interpretes o que têm de fazer, os estudantes surdos aprenderam a fazer leitura labial." Para a responsável, era "muito importante" que a comunidade escolar pudesse aprender a língua. "As escolas de referência são bilingues. Isso só faz sentido quando há uma maior equidade no tratamento das duas línguas." De acordo com os dados do ME, existem 504 alunos surdos em Portugal, distribuídos pelas escolas de referência e por 16 unidades orgânicas onde existem "os recursos necessários". Nas escolas de referência contactadas pelo DN há turmas só de alunos surdos e há casos em que estes estão integrados em turmas com ouvintes. E há escolas onde é ensinada a língua gestual aos ouvintes, mas de forma pontual. É o que acontece no agrupamento de escolas D. Maria II, em Braga, onde existem 81 alunos surdos. "No 1.º ciclo, damos formação de carácter facultativo aos alunos ouvintes e também fazemos ações para pais e funcionários. Mas isso está sempre dependente da sensibilidade e dos recursos das escolas", explica ao DN João Luís Leite, diretor do agrupamento. Já no agrupamento João de Deus, no Algarve, onde estudam 35 alunos surdos, a língua gestual já faz parte da oferta complementar para o 3.º e o 4.º ano. "Sobretudo nos agrupamentos de referência, seria útil que os ouvintes aprendessem a língua gestual, porque tornaria a comunicação mais fácil entre todos os alunos. Além disso, podiam praticar com os colegas", refere Carlos Luís, diretor do agrupamento. No distrito de Coimbra, o agrupamento de escolas Coimbra Centro é o único de referência para a educação bilingue. A diretora, Cristina Ferrão, adianta que está a "pensar seriamente introduzir, no próximo ano, uma atividade de enriquecimento curricular (AEC) de língua gestual". "Acho ótimo que os alunos aprendam. Sempre que possível já o fazemos, mas de forma pontual." A criação de uma AEC de língua gestual é uma das propostas do BE, que também sugere o ensino de língua gestual aos ouvintes nas escolas de referência, aulas à comunidade em geral (já disponibilizadas por algumas escolas) e a integração dos atuais formadores no Estatuto da Carreira Docente, como "Professores de Língua Gestual Portuguesa". Ao DN, o deputado Jorge Falcato explica que o objetivo dos três projetos é "normalizar a existência da língua gestual", que já foi reconhecida há quase 20 anos. "Para haver igualdade de oportunidades, é necessário que haja mais gente a falar língua gestual", afirma. Jorge Falcato diz que é preciso que seja "uma língua de uso normal" para que haja "uma inclusão social efetiva". "Os alunos estão numa escola que se diz inclusiva, mas estão segregados, não comunicam com o resto da comunidade." Segundo o deputado do BE, a ideia é "institucionalizar" as aulas "como uma prática recorrente" para os alunos que queiram aprender. O facto de os profissionais que dão as aulas de língua gestual portuguesa serem considerados técnicos e não professores é uma preocupação partilhada também por diretores de escolas e associações de surdos. Para Pedro Costa, presidente da Federação Portuguesa das Associações de Surdos, um dos desafios "é conseguir o código de recrutamento para os docentes de Língua Gestual Portuguesa como primeira prioridade e depois criar um programa de ensino de Língua Gestual Portuguesa como segunda língua para as crianças/alunos ouvintes". Para disponibilizar a LGP aos ouvintes será necessário, na maioria dos casos, contratar docentes. Na Soares dos Reis, Cândida Amorim revela que os alunos surdos "não têm sequer a totalidade do currículo de LGP" porque a professora partilha o tempo com a Escola Alexandre Herculano. "É difícil gerir a disciplina por falta de colocação de docentes." Joana Capucho - DN «http://www.dn.pt/sociedade/interior/ministerio-quer-alargar-lingua-gestual-a-todos-os-alunos-5553020.html» |