Entrevista a Pepe Menéndez, diretor adjunto da Fundació Jesuïtes Educació, da Catalunha Fazer uma entrevista recheada de gargalhadas sobre uma reforma da educação é coisa que não nos tinha passado pela cabeça. Mas foi assim, e a gravação prova-o. Josep ["chamem-me Pepe"] Menéndez, ex-jornalista, professor de Literatura Espanhola, tem essa energia contagiante de quem põe toda a gente a trabalhar, mesmo os mais céticos e preguiçosos. Lidera a profunda mudança que os colégios jesuítas da Catalunha estão a pôr em prática e traz os primeiros resultados. Esclarece que não é padre, é casado e tem filhos adultos. Participou, em Lisboa, na Conferên-cia sobre Educação Comparada, da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, nos dias 25 a 27 de janeiro. Explique-se desde já: a Ratio Studiorum é a cartilha pela qual o ensino se rege desde que os jesuítas a criaram, no final do século XVI. Esse é o modelo que ainda hoje é aplicado e que muitos pedagogos consideram esgotado e desadaptado da vida atual. Pepe nunca usa a palavra reforma, é sempre de mudança que fala. Qual é a diferença essencial entre o modelo que estão a criar e o tradicional? O provincial dos jesuítas pediu-nos há sete anos que fizéssemos a Ratio Studiorum do século XXI: se os jesuítas foram o motor de um modelo educativo, então agora mudem-no em profundidade. Pareceu-nos um desafio muito motivador. Pode parecer um pouco naïf, mas o modelo é mudar o olhar. Em vez de ver as coisas de perto, abrir os olhos e tentar ver o que no século XXI pode fazer crescer uma pessoa num ambiente de globalização, tecnologia, com tanta incerteza. O filósofo [Zygmunt] Bauman fala de um mundo líquido. Neste contexto, como posso ligar-me ao coração dos alunos, à sua motivação? Sentiam dificuldade com o modelo anterior? A dificuldade essencial era o aborrecimento, a falta de ligação. "Isto não me interessa." A escola é uma obrigação, não é um sítio que me apaixone. Os adolescentes não têm de estar sempre a divertir-se, mas a escola estava a tornar-se uma prisão. Eu ainda fiz o serviço militar obrigatório e digo que a escola obrigatória é igual. Igual! Todos têm de ir porque os pais trabalham, porque a lei obriga, mas o direito à educação não é fechar os miúdos numa escola. É provocar as suas emoções, as suas paixões, potenciar os seus talentos tão diferentes... os talentos dos alunos são muito maiores do que o currículo. Um miúdo ou uma miúda podem pensar - "não presto". Costumo perguntar aos professores onde estão os cantores ou os cozinheiros que um dia vão ser ótimos. E alguns respondem - estão no corredor, foram expulsos. A mudança está em olhar para as coisas de forma diferente: o que queremos? Nós, jesuítas, dizemos: queremos alunos competentes, compassivos, conscientes, comprometidos e criativos. Que sejam capazes de construir o seu projeto de vida, é esse o centro do nosso projeto educativo. É preciso fazer coisas no colégio para que o aluno se vá construindo, e todos os conhecimentos têm de ser metidos dentro do projeto. Não é: "A minha vida é isto e os meus conhecimentos estão noutro lado." Tenho de integrá-los. Estão a trabalhar num universo fechado, dos colégios jesuítas catalães. É possível transpor para uma rede nacional de educação? Cremos que sim. Mas não existe só um modelo. Em Barcelona, na Catalunha, há muita efervescência tanto nas escolas públicas como nas privadas. Em Espanha, e em especial na Catalunha, há muita tradição de a escola privada fazer um acordo com o Estado e receber financiamento. Neste ecossistema, há muitas escolas que estão a fazer coisas. Há inquietação, há desejo de fazer. É importante construir um modelo. Uma pessoa não deve atirar-se: "Segunda-feira vou começar a mudar coisas." Espera aí! Constrói um modelo, um projeto. A nós custou-nos quatro ou cinco anos de trabalho no back-office, e então sim, agora tenho uma ideia e vou começar a pô-la em prática, pouco a pouco. Não estão a fazer tudo ao mesmo tempo? Começámos com os alunos de 3 e 4 anos, e com os de 10, 11, 12 e 13. Porque sobretudo os de 10 a 14 estão numa etapa crítica de desconexão, de tédio. E um aluno quando se aborrece porta-se mal. A disciplina e a motivação são duas faces da mesma moeda: se está motivado, aprenderá, se não, porta-se mal. Em Barcelona, temos escolas em todos os níveis socioeconómicos. Temos escolas com muita imigração, em meios operários, de classe média e média alta. É diferente de Portugal. Não são todos colégios de elites? O acordo de financiamento com o governo permite-nos chegar a todos os estratos sociais. É a vantagem do financiamento do Estado. Em Itália, os jesuítas tinham escolas em bairros pobres mas fecharam-nas, porque sem financiamento é insustentável. Quando nós fazemos trabalho em rede, é igual em todas. É um pequeno sistema educativo. Quantos alunos têm? Temos 13 mil alunos em toda a Catalunha, em oito grandes escolas. E temos 1400 educadores, professores e pessoal administrativo. É quase um país. Temos mais alunos do que Andorra... Trabalhamos muito em conjunto com eles, porque o governo andorrano, que só tem quatro mil alunos, está muito interessado, é muito inovador. Respondendo à pergunta sobre se seria possível transpor o modelo para um sistema nacional, o que acontece é que requer muita energia. Não com os alunos, com os pais um bocadinho, mas com os professores muita energia. Muitos professores querem que haja mudanças mas nunca trabalharam juntos. Um dos elementos estratégicos é ter grupos de alunos de 50 ou 60, com três professores na aula, de diferentes disciplinas, trabalhando em equipa - não é cada um na sua área. Isto agrada aos professores mas exige mais deles. Nunca trabalhámos assim. Eu nunca dei uma aula com outro professor. Como chegaram a este modelo e porquê escolher este e não outro? É uma tradição dos jesuítas. O nosso delegado mundial de educação disse: nós vamos ao supermercado da pedagogia, apanhamos o que nos agrada e com isso fazemos um modelo. O nosso modelo é sincrético. A Ratio Studiorum já foi assim, um pouco daqui, um pouco dali. Fomos conhecendo modelos diferentes, vimos escolas e fomos agarrando o que nos agradou. Fomos construindo um puzzle, mas as peças têm de encaixar, não podem ser... ... incompatíveis? Exato. Aplicamos uma parte da [Teoria] das Inteligências Múltiplas (Howard Gardner, 1985, Harvard), uma parte da aprendizagem baseada em problemas, uma parte do trabalho colaborativo, e fazemos um ecossistema. O nosso modelo baseia-se muito no trabalho interdisciplinar por projetos. Como escolhem os projetos? Primeiro houve uma fase de pegar na tesoura e no currículo e começar a cortar. O currículo é excessivo, demasiado grande, mas não podes perder os elementos essenciais, tens de garantir que o aluno os aprende. Juntámos um grupo de professores e dissemos: têm de estabelecer prioridades nos conteúdos do currículo. Esse trabalho durou dois anos. Não foram dois meses, foram dois anos. Porque começam a priorizar e só cortam uma parte, e é preciso reduzir mais. O mais importante é garantir que os alunos aprendem os conteúdos. Precisamos de mais tempo, porque precisamos de uma metodologia muito mais construtivista. Pode dar-nos exemplos? Estamos a falar de miúdos de 10 anos, do 5.º ano, que têm de aprender os acidentes geográficos - o cabo, o golfo, a península, a ilha. Tradicionalmente, é assim: "Uma ilha é um pedaço de terra..." ... rodeado de água por todos os lados... Exato. Neste modelo, o professor reúne-os em grupos e diz: vamos aprender acidentes geográficos, a ilha, a península. Aos 10 anos, eles já ouviram estas palavras, já as viram muitas vezes. Dizemos: em grupo, vão escrever uma ilha por palavras vossas, sem ir ver a lado nenhum. Uma menina dizia - não sei explicar o que é uma montanha. E fazia um gesto que ilustrava a ideia de montanha. Escreve isso. Uma coisa que sobe. Uma coisa, não, terra. Terra que sobe. A certa altura estão apaixonados, não se aborrecem, falam uns com os outros. Quando o professor diz: vamos saber o que os livros dizem, os alunos já estão a trabalhar mentalmente com a imaginação. É mais lento mas é mais profundo. Pode dar mais exemplos? A volta ao mundo em 80 imagens. Este grupo fica com a América, aquele com a Europa, outro com a África. O que queremos saber? A língua que falam, se têm religião, como é o país - é montanhoso, tem mar, tem rios? Vão dizendo coisas e o professor vai escrevendo no quadro. O professor está ali para o caso de eles se esquecerem de alguma coisa. Por exemplo, um grupo não falava da língua - não seria interessante saber como falam? Mas os alunos já estão a trabalhar. O que significa um país, de que vive? Eles não vão dizer "que economia têm", e se não pensaram nisso, se achavam que o que comem cai do céu, vão ter de pensar como se ganha a vida. Em vez de explicar tudo, em vez de ser o professor que fala, fala, fala, são os alunos que falam, que partilham. A dada altura, o professor diz: procurem na internet - têm computadores à disposição, pesquisem. Quantos quilómetros quadrados, quantos habitantes? E descobrem: não tínhamos pensado nisto, não tínhamos pensado que é importante saber quantas pessoas ali vivem, e se os que lá vivem são todos desse país ou se têm muita imigração. Tudo vai sendo construindo em volta disto. Aprendem também a pensar, é isso? Vejam terceiro exemplo, para mim essencial porque, como disse, o que interessa é o projeto de vida. Os alunos começam o dia sentados na sala, nuns estrados em degraus, como se fosse uma praça pública. Sentam-se todos juntos, os 50 ou 60, e partilham como começamos o dia. Todos têm cadernos iguais, o caderno do projeto de vida. O caderno é de cada um e de mais ninguém, dizemos aos pais que não o podem ler, e não os podem mostrar aos companheiros. Eles vão escrevendo sobre o que lhes chama a atenção. Por vezes começam com uma oração, mas muitas vezes escrevem sobre o que se passou, se houve uma notícia sobre refugiados, ou alguma notícia desportiva, por exemplo se o Barça perdeu, o que nunca acontece... se o Barça perdeu há de haver alguém que pergunta mas o que é isso, a derrota, o que significa? Ao fim do dia, a mesma coisa. Qual é o objetivo? Vamos pôr os alunos mais tranquilos, mais predispostos a aprender. Quando a semana começa, muitas vezes o professor diz: vamos fazer isto. Porque os alunos não sabem o que se vai passar na semana. Não há horários, não há um plano obrigatório. Isto tem uma utilidade: a um aluno de 10 ou 11 anos, situá-lo para lá de uma semana é muito tempo. O próximo mês parece-lhe o próximo século. Como dizia Santo Inácio [de Loyola], é preciso apelar às emoções de uma pessoa para que ela aprenda, para que tenha predisposição para aprender. No fim de contas, todas as atividades estão viradas para o efeito que queremos ter. Um aluno que dos 10 aos 18 anos começou e terminou cada dia no colégio pensando, interiorizando, no futuro, sem se dar conta, na sua vida pessoal vai pensar, vai dizer - como vou começar hoje o dia, como o acabo? No final, é adquirir um hábito, o que é muito educativo. Esta é a nossa atitude. Há projetos de trabalho para lá de um ou dois dias, de uma semana? Não damos aos professores projetos fechados, mas antes um quadro geral. Esta é a ideia geral, agora desenvolvam-na. Porque se o professor não se apropria, não funciona. Imaginamos diferentes tipos de projetos. Os projetos ocupam 60% do tempo. Treze por cento é dedicado à reflexão, ao fim da semana, ao fim do dia. E o resto, 20 e tal por cento, é dedicado a algumas tarefas que não se fazem por projetos. Por exemplo, alguns conceitos de matemática são muito complexos. Então o professor dá-os em meia hora, três quartos de hora. Os professores de Inglês disseram-nos que os verbos irregulares de inglês têm de ser memorizados. Há áreas que não podem ser trabalhadas em projetos, e estão nesse caso a segunda língua estrangeira - todos estudam Francês ou Alemão - a música e a educação física. Não estamos satisfeitos por termos separado estas áreas, mas estamos a começar. Por vezes a música integra-se. Há projetos que duram, no máximo, duas semanas, outros uma semana ou três dias. Depende. Os mais fortes duram duas a três semanas. Por exemplo, a volta ao mundo em 80 imagens dura duas semanas. E temos o Projeto Leitor, para promover a leitura livre. Como fazem isso? Este Projeto Leitor é muito bonito. O que diz o currículo oficial é que a escola deve promover o gosto pela leitura. Não é ler três livros e fazer um teste. Como fazer? Dando-lhes mais liberdade e ampliando o número de livros. Os alunos têm 100 livros, e têm de ir lendo. Há alunos que leem 10, 12, 14. Outros leem quatro ou cinco, é o mínimo por ano. Num ambiente digital, os alunos partilham o que leem. Escrevem: li isto, gostei por isto ou aquilo, e isso é partilhado entre três colégios. Temos alunos de um colégio que influem muito nos alunos de outro. Todos os alunos têm de ir escrevendo sobre o que leem. Como o professor não dedica tanto tempo a explicar, o que faz é observar e ler o que eles escrevem. Um professor consegue sempre intuir - estás a copiar tudo, tudo o que escreveste foi copiado, porque eu conheço-te e sei que isto não tem nada a ver contigo. Tem tempo para lhe dizer - vamos lá... Ou tem tempo para dizer a um companheiro - vamos tentar que fulano leia mais. O resultado que observamos é que os alunos leem, uns na sala de aula, outros no chão, outros no sofá, outros no salão. E leem. Não há disciplina para ler, não estão todos sentados. Os alunos vão lendo e escrevendo e os professores não fazem exames sobre os livros, fazem debates. Vamos falar sobre este livro. Ou sobre este quadro. E fazem debates. Como avaliam essa evolução? Primeiro, observamos quantos livros leem. E depois quando terminam as férias e regressamos à escola, fazemos uma espécie de focus group: quantos livros leram no verão? No verão não é obrigatório. Eu, nenhum. Eu, dois. Eu, quatro. Ao fim de três anos, saberemos se há alguma relação entre o que fazemos e o que leem no verão. Se lerem mais é porque gostam de ler. É uma aposta de longo prazo. O currículo nacional é uma ferramenta ou um obstáculo? O currículo é um elemento muito importante de referência. Queixamo-nos de que o currículo é demasiado extenso, mas muitas das partes estão bem selecionadas. E os alunos têm de ser avaliados segundo as competências nacionais. Mas é muito importante estabelecer prioridades e evitar as repetições. Quando os professores trabalham sozinhos, há coisas que acontecem naturalmente. Um gosta muito de um tema e repete-o de ano para ano. Pelo contrário, há um tema do currículo que nunca foi tratado. Tentamos ter um olhar transversal do currículo, dos seis aos 16 anos, e garantirmos que adquirem os conhecimentos das competências. O currículo é um obstáculo se eu quiser cumpri-lo todo, se não for capaz de criar prioridades e trabalhar com os outros professores. Fazem exames, provas finais?
Não há provas finais. Há testes pequenos durante a avaliação, até porque os currículos dizem que tem de haver avaliação contínua. Substituímos a ideia de um exame final escrito pela apresentação e defesa de projetos. Se estive três semanas a trabalhar num projeto em que adquiri algumas competências, em que assimilei alguns conceitos, tenho de ser capaz de defendê-los quando o apresento diante de um professor. O professor faz testes, por exemplo sobre os verbos irregulares de inglês... Há testes de problemas de matemática. O que não há é um exame no fim da avaliação que determina a nota. O boletim que se baseia nas oito competências do currículo nacional - matemática, linguística, âmbito social, aprender a aprender, digital, social e cidadã, trabalho em equipa. Ao aluno, mostramos a avaliação com o símbolo da bateria do telemóvel - quanto mais cheia está a bateria, mais ele conseguiu. E depois há as notas oficiais - os professores traduzam a avaliação em notas. E como calculam as notas? Pela observação. Há uns gráficos onde vão tomando notas, fazem algumas provas, há a apresentação dos projetos. Os projetos são uma fonte de informação. Se o professor não dedica tanto tempo a falar, tem mais tempo para dizer: construíste muito bem o problema mas enganas-te muito nas operações de cálculo, ou és desorganizado a trabalhar; ou esta equipa - há avaliação individual e da equipa - não se estrutura bem. Os alunos têm papeis - de secretário, de diretor - e quem está no papel de diretor pode não estar a dirigir. E isso vai mudando? Os grupos não são sempre os mesmos? Claro. Nem os grupos são sempre com os mesmos alunos, nem os papeis são sempre os mesmos. Não têm exames nacionais? Na Catalunha, os exames são feitos pelo Governo Autónomo e fazemos. Mas esses exames são cada vez mais por competências e menos de memória. Isso ajuda-nos a levar os alunos às competências. Ainda tem pouco tempo de aplicação do vosso modelo, já o podem avaliar? Estamos no segundo ano e trabalhamos com duas avaliações. A nossa, interna, de uma equipa onde não estão os professores envolvidos. Esta avaliação está feita, temos um documento de 150 páginas. Fizemos um acordo com duas universidades, uma catalã e outra latino-americana - a FLACSO - para termos uma avaliação externa. Em outubro teremos a primeira avaliação. Da observação que temos, podemos concluir que o elemento que mais mudou é a atitude dos alunos. A atitude é muito mais proativa, interessada, alegre. Reduziu-se a conflitualidade, os problemas dentro da aula, os alunos que tinham diagnóstico de TDA (distúrbio de défice de atenção), hiperatividade, estão muito mais confortáveis. Os mais tímidos também, porque o olhar não é do professor sobre os alunos, é mais global. O professor pode captar de imediato se há bullying, está a observar. É tudo mais transparente. E como estão a reagir os professores, depois destes dois anos? Os professores dizem: exigiu-me muito esforço, intensidade, energia, mas não voltaria atrás. Há um que diz: podia ter-me reformado e teria ficado feliz, mas agora que encontrei esta nova maneira de trabalhar reencontrei a minha vocação educativa, aquilo que tinha sonhado afinal é possível. Esta é uma das ideias fundamentais: é possível. Tínhamos muitos anos de debate, sabia-se que era preciso mudar, mas não havia uma mudança global, sistémica. Quando vão generalizar a mudança ao conjunto dos oito colégios e em todos os anos? No próximo ano, outros colégios vão aplicar e em 2020 teremos a mudança em todos os cursos de alguns colégios. Na totalidade dos colégios será lá para 2025 Alguns colégios terão mudado tudo em 2020, outros metade, mas nos próximos dois anos todos os colégios terão começado. As famílias estão na expectativa. Há um elevado nível de confiança nos jesuítas. É curioso, porque por vezes há mais confiança por parte dos níveis mais altos da sociedade, e nos colégios de zonas mais populares há mais desconfiança - será que os jesuítas estão a fazer a experiência para nos pôr à prova, como se fossemos cobaias? Mas nós estamos a fazer num colegio de Lleida e noutro de Barcelona, de classe média, média-alta, e num colégio de classe operária. Se se sabe há tanto tempo que o modelo tradicional está esgotado, por que demora tanto a decisão de mudar? Porque a mudança mete medo. Sou professor e vejo que não funciona, vejo que se chateiam na aula, mas o que posso fazer diferente? Os sindicatos também têm medo. Isto não afeta as condições laborais mas leva-as ao limite, porque tens de meter muita energia e intensidade. Quando explicamos isto, há gente de outros países que nos diz: foram muito corajosos. Nós temos pequenos conflitos, mas há que liderar. Não com autoritarismo mas com sedução. A educação é uma arma política, e creio que acontece o mesmo em Portugal, como dizia o professor Joaquim Azevedo há dias no vosso jornal. Um partido conservador muda a lei, vem o outro e muda tudo, e quando o conservador regressa, volta a mudar. Em Espanha tem sido assim, entre os socialistas e o PP. A educação é uma arma política mais no sul da Europa e não no norte. A política procura sempre resultados a curto prazo, e a educação é uma questão de longo prazo. Temos de ser generosos. Ana Sousa Dias e Ana Bela Ferreira - DN «http://www.dn.pt/portugal/interior/o-problema-do-ensino-e-que-e-muito-aborrecido-nos-mudamos-o-olhar-5007655.html»
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Encontro de Literatura Infanto-Juvenil da Lusofonia da Fundação “O Século” termina este sábado em Lisboa. Professores bibliotecários desmultiplicam-se em actividades de promoção da leitura. Fazem-no junto dos alunos, mas também dos outros professores, que lêem pouco. Definem um tema para o ano lectivo que se enquadre no projecto educativo da escola, seleccionam um conjunto de livros segundo critérios literários e estéticos de qualidade, planificam leitura orientada, articulam as actividades com a família e no final tentam que um escritor visite a escola.
Um breve resumo da experiência de dez anos da professora bibliotecária Lúcia Barros, do agrupamento de escolas António Feijó, em Ponte de Lima, partilhada no 2.º Encontro de Literatura Infanto-Juvenil da Lusofonia da Fundação “O Século”, que terminou neste sábado e levou escritores, ilustradores e narradores a 20 escolas da Grande Lisboa, abrangendo cerca de 2200 alunos. “A promoção não vive do improviso”, disse a também investigadora na Escola Superior de Educação de Viana do Castelo (em promoção da leitura em família), lembrando que a Rede de Bibliotecas Escolares já tem 20 anos e afirmando que o trabalho junto dos professores continua fundamental, para que também eles leiam mais. “Quando dou formação aos meus colegas, a primeira reacção que obtenho é a surpresa que mostram por haver tantos livros e de boa qualidade para crianças”, conta ao PÚBLICO, depois de apresentar a sua comunicação no painel “Os escritores, a promoção da leitura e as bibliotecas escolares”, que partilhou com os autores António Mota, Clovis Levi e José António Gomes. Durante o encontro houve vários escritores que manifestaram o seu descontentamento por se aperceberem de que nalgumas escolas os professores estão impreparados para os receber, não conhecendo os livros nem os autores. Uma situação caricata contada por António Mota. “Numa escola, estava eu a autografar os livros aos miúdos e a professora, que não tinha livro, pediu-me para pôr o autógrafo numa folha de papel…” Cinco minutos por dia Lúcia Barros sabe que os professores são solicitados para inúmeras tarefas burocráticas que os esgotam e por isso compreende que, quando o professor bibliotecário se lhes dirige com um projecto de leitura, a reacção seja: “Mais trabalho?” Mas não é disso que se trata, “a ideia é optimizar o trabalho do professor, é isso que nós fazemos”, diz. No caso do agrupamento em que trabalha (com 2200 alunos, oito estabelecimentos de ensino, sete bibliotecas escolares e duas professoras bibliotecárias), essa recusa inicial está praticamente ultrapassada, “os meus colegas quando estão a preparar o ano lectivo seguinte já vêm perguntar qual o tema escolhido para as actividades de leitura”. Sublinha que veio ao encontro da lusofonia partilhar a sua experiência e não “dar uma receita”. Uma das práticas que deu a conhecer foi a da “leitura gratuita”, para o pré-escolar e 1.º ciclo. A saber: na sala de professores há uma caixa com livros, cada professor escolhe um e leva para a sala de aula. Nos cinco minutos iniciais, lêem um texto, um poema ou um capítulo. Não perguntam nada. “No fim de um ano lectivo, os meninos ouviram 150 textos ‘à borla’, ninguém lhes pediu uma ficha de trabalho no fim. Ao fim dos quatro anos do 1.º ciclo, foram 600 textos que entraram na enciclopédia literária dos alunos”, conclui satisfeita. “Ao criarmos leitores de literatura, estamos a contribuir para a formação completa do indivíduo e do cidadão. Não é essa a missão da escola?" Lúcia Barros alerta as escolas para o “bombardeamento editorial e autoral”. Conta que no início “rara era a semana em que não fosse à biblioteca um autor que precisava de divulgação ou uma editora que queria levar alguém à força”. Ao PÚBLICO disse que por vezes aparecem editoras com “três livros a dez euros e já com os papelinhos prontos para os alunos mostrarem aos pais”. Pagar ao escritor A professora de Português e de Francês recebe os escritores na escola depois de os alunos já estarem familiarizados com a sua obra e, usando as palavras de José António Gomes, diz que “os encontros com escritores devem culminar projectos de leitura”, mas admite que haja outras formas de trabalhar. O que não admite é “as escolas acharem que os escritores têm a obrigação de lá ir de borla”, no pressuposto de que “é uma oportunidade de divulgarem os livros”, diz. E acrescenta: “Ele nesse dia não produz e a escrita é a vida dele. É quase uma falta de respeito considerar-se que o escritor não deve ser pago.” Rita Pimenta - PÚBLICO «http://www.publico.pt/sociedade/noticia/bibliotecas-escolares-fazem-leitores-de-literatura-1724620» Talvez mesmo o mais seguro seja assegurar a educação de melhor qualidade que pudermos e soubermos neste presente. A educação do futuro é hoje. A educação é certamente a área da nossa vida coletiva que mais intimamente se relaciona com o futuro. Não admira, a educação trabalha com as crianças e os jovens que inexoravelmente irão estar nos lugares de trabalho, de decisão, de poder que hoje são ocupados pelos mais velhos. E logo a relação se estabelece: a educação moldará as pessoas que por sua vez moldarão o mundo de amanhã. Temos de confessar que é uma perspetiva assustadora. Então, nós, que estamos cheios de dúvidas sobre quais os melhores modelos, sobre os conteúdos mais adequados, sobre as experiências determinantes para incentivar a nossa Educação, estamos a jogar, assim tão definitivamente, o futuro dos nossos jovens, o futuro do nosso país, do nosso planeta? É este medo que leva a que se tracem tantos diagnósticos aterradores, tantos cenários devastadores sobre o futuro que seriam resultado de uma educação negligente, que não preparou os jovens para enfrentar, para lidar com os desafios futuros. É este medo que leva a ouvir falar tantas vezes em “facilitismo”, a ouvir que “os nossos alunos são verdadeiros analfabetos”, afirmar que “eles” não são capazes de seguir regras, não sabem interpretar o que leem, não têm persistência para ler um livro até ao fim ou sequer para seguir uma aula inteira com atenção. E percebe-se onde levam estas catastróficas opiniões: a educação se não se endireitar (esta expressão “endireitar” significa frequentemente regressar aos modelos da educação tradicional), o mundo estará irremediavelmente perdido. Estaríamos — segundo estes profetas da desgraça — a ser passivos e até coniventes com o esboroamento do conhecimento e com a deseducação que conduziria a males inenarráveis.
Pensamos que não é possível retirar importância a este debate: a educação está certamente num dos períodos mais dramáticos da sua história, num tempo em que a desadequação do modelo de escola criado no século XIX se mostra eloquentemente desajustado para educar jovens criados em ambientes de tecnologias digitais que implicam todo um conceito de conhecimento, de trabalho, de atenção completamente distinto do anterior. Não é possível ignorar a importância deste debate, mas. As previsões do futuro deram quase sempre para o disparate. Este disparate deriva de um erro básico: imaginamos que o futuro é só um exacerbamento das condições do presente. A evolução das sociedades tem-nos mostrado, no entanto, que o futuro é muito mais do que isto: é rutura, é crise, é revolução, é o inesperado e não só o engordar de vestígios do presente. Daí que seja demasiado arriscado criticar a evolução da educação de hoje em nome do que imaginamos que ela vai ser no futuro. Os exemplos são numerosos: quem poderia há 20 anos (não são cem anos, nem sequer 50!) prever o impacto que teria na nossa vida a Internet, as redes sociais e os smartphones? Dizer que a educação do presente compromete o futuro só seria correto se alguém nos conseguisse descrever o futuro. E isso (in) felizmente não é possível. Outra questão interessante é que todas as pessoas que agora opinam sobre as mudanças ou valores na educação não formaram estas opiniões a partir do que aprenderam no seu percurso educativo. Todos nós somos muito mais do que o que aprendemos na escola. Isto não quer dizer que não nos lembremos (umas vezes com mais saudades, outras com menos) do que vivemos na escola; o certo é que superamos, ultrapassamos e modificamos radicalmente o que vivemos e aprendemos na escola. Os exemplos aqui seriam também numerosos, mas quantas pessoas mais velhas andaram em escolas que educavam separadamente rapazes e raparigas e hoje nem lhes passa pela cabeça que isso fosse um modelo correto ou justo? Quantas pessoas se lembram que a escola em que andaram era uma escola profundamente promotora de desigualdades e injustiças sociais e isso não os impediu de serem militantes fiéis pelos valores da equidade educativa? Assim, os valores que a escola transmite não são automaticamente plasmados e assumidos por quem neles foi educado. (In)Felizmente a evolução das pessoas não se cristaliza depois de terminarem a sua frequência escolar. Existe ainda outro fator que vale a pena considerar: o descrédito (ou menos crédito) nas novas gerações é endémico. As gerações que estão no usufruto pleno do poder e da vida acham que o que vem a seguir “já não vai ser igual”. Lembro que um dia, ao falar com alunos do 4.º ano de um curso universitário, eles se referiam aos colegas do 1.º ano com sendo muito mais irresponsáveis, terem a vida mais facilitada, não terem “passado o que nós passamos” e sendo, portanto, pessoas muito diferentes deles. Isto com uma diferença de menos de três anos e na mesma escola. Há um erro consistente de apreciação e de avaliação das gerações “do futuro” que é contumazmente cometido pelas gerações “do presente”. Felizmente não temos evidência de que as gerações estejam cada vez piores. Regressamos ao ponto que assinalamos acima: estamos, sem dúvida, numa encruzilhada da educação que nos exige medidas estruturais, reformas urgentes e profundas na maneira como organizar o ensino para quem aprende de formas tão diferentes de antes. Sem dúvida. Mas vamos pensar nesta mudança com a humildade de que quem não consegue prever o futuro, com a crença de que a escola não determina todos os valores e toda a vida das pessoas. Vamos também confiar nos jovens, pessoas que dispõem de um arsenal de informação e mesmo de acesso ao conhecimento improvável para qualquer um de nós com mais de 35 anos. Talvez mesmo o mais seguro seja assegurar a educação de melhor qualidade que pudermos e soubermos neste presente, no hoje em que é preciso ter informação, ter conhecimento, entender o mundo, ser cidadão, ser solidário, abraçar valores que nos tornem úteis e que nos tornem felizes. A educação do futuro é hoje. Davide Rodrigues - PÚBLICO «http://www.publico.pt/sociedade/noticia/a-educacao-do-futuro-1724388?page=-1» Se há mais de 20 anos se concluiu, a nível internacional, que o modelo escolar está esgotado, por que não se faz uma reforma profunda em vez de mudar pormenores, instabilizando alunos, professores e famílias? O especialista cita os exemplos do ensino na Finlândia e nos jesuítas catalães. Tem havido discussão à volta da questão dos anos dos exames. Essa questão é central na educação?
A questão central da educação, de facto, não é essa, não passa por aí. É ser capaz de fazer que as novas gerações adquiram o conhecimento codificado que vem do passado e ajudá-las a desenvolver-se e a tomar conta do seu destino e da comunidade. Hoje, isso é feito cada vez com mais dificuldades, não cá em Portugal mas em todo o mundo. O modelo escolar vem do século XVIII - até vem de antes, mas desenvolveu-se mais a partir de então - e tem imensas dificuldades em adaptar-se à nova realidade. O mundo mudou muito. Porque é global e todos temos acesso a informações de todos os lados? Exatamente. E um acesso a conhecimento muito mais organizado, por causa de todo o investimento em inteligência artificial. É um mundo onde a tecnologia permite às crianças manipularem artefactos técnicos muito evoluídos, desenvolvendo uma capacidade mental diferente da das gerações anteriores. Mas quando se chega ao 1.º ano, a escola age mais ou menos como há 30 ou 40 anos. A cabeça com que as crianças vêm está moldada segundo outros modelos, já não é a mesma coisa. As dificuldades de ensino e aprendizagem são muito mais vastas do que as do passado. Há uma inadaptação da escola ao novo. Trabalho muito com escolas e no dia-a-dia. Até recentemente, os professores atribuíam o insucesso às famílias. Ainda ocorre muito essa justificação. E é verdade? Isso é uma premissa. O trabalho da escola tem de ser feito a partir daí, seja lá qual for o contexto. E isso é difícil, claro. Agora as queixas são sobre a desmotivação e a indisciplina, dois aspetos que estão associados. Por outro lado, revelam que a capacidade de captação da atenção que a escola antes produzia hoje é muito difícil. Os miúdos estão profundamente dispersos, com a atenção captada por realidades fora do contexto escolar que os motivam mais. A motivação, que é uma função escolar por excelência, tornou-se um pré-requisito. E isso é revelador da dificuldade da educação escolar em lidar com os tempos novos. Se esse pré-requisito existisse, a desigualdade social ainda seria maior. Se as crianças têm de chegar motivadas à escola para poderem aprender, se isso não é um trabalho escolar... Que tipo de decisão é necessário que o Ministério da Educação tome para combater esse problema? Não estamos a falar de decisores e professores que não têm o mesmo tipo de "cabeça" que os alunos trazem? Sim. O que significa que é preciso intervir, primeiro, nos professores? Sim. É preciso fazer uma reforma a sério em vez de alterações pontuais? Rever todo o modelo? Como, não sei, mas que o modelo precisa de revisão profunda, isso está claro. Nos anos 1990, quando representei Portugal num organismo da OCDE que trata da inovação e educação, ano após ano dávamo-nos conta de que o caminho não pode ser este. Este modelo está esgotado. Há um bloqueio, não avança. Como nós - de 31 ou 32 países - nos dedicávamos à inovação e educação, percebíamos que no mundo iam surgindo dinâmicas de mudança. Ao fim dos cinco anos em que lá estive, uma das perguntas que mais me fazia era: se toda a gente percebe, por que é que isto não muda? E porquê? Vivemos ambientes democráticos e é muito difícil que um partido se disponha a propor mudar o modelo escolar. Ninguém aceitaria, seria uma ótima forma de perder as eleições dizer, por exemplo, que queria mudar as disciplinas, os horários, os grupos de turma e os professores e a forma de trabalhar dos professores. Porque o que está em causa é que todo o modelo de organização pedagógica da escola tem de ser mudado. E isso não sei se vem de cima ou se vem de baixo. É necessário um acordo de regime? Sim. Pelo menos um entendimento entre algumas forças sociais e políticas. Aliás, o que revela esta geringonça da avaliação, por exemplo - para usar um termo na moda - é que tem muito que ver com isso. Vamos às escolas, trabalhamos com as famílias e o que mais pedem é: "Entendam-se, por favor!" O povo quer que os dirigentes políticos se entendam e os dirigentes políticos preferem fazer da educação um campo de batalha política. Isto é dramático! É pôr pensos rápidos nos sítios onde a pessoa tem uma doença grave? Exatamente. Há um sintoma. Mas nunca se ataca a doença. As experiências inovadoras, na Finlândia e na Catalunha, mudam o quê? Mudam a forma de organizar o ensino e a aprendizagem. O modelo escolar tradicional é alterado. É muito importante o passo que está a ser dado na Finlândia. Por ser aplicado a nível nacional? Por isso e porque é fruto de uma decisão política nacional. É a primeira vez. Há um país que dá o primeiro passo para aquilo por que há 20 anos ansiávamos. No caso da Catalunha, não é o ensino do Estado, é particular. O Estado tem mais dificuldade, pela necessidade de um acordo entre os vários partidos? Exatamente. Mas a Finlândia veio abrir caminho, já é possível recorrer a uma externalização para justificar. É a Finlândia, o centro do mundo neste campo, que faz a mudança, e isso faz toda a diferença. E na Fundación Jesuitas Educación, uma rede de colégios da Catalunha? Ainda não estão todos os colégios envolvidos, porque tiveram de fazer alterações físicas brutais. A dinâmica que está em curso na Catalunha demorou 15 anos a ser preparada. Desde a primeira reflexão, a primeira estruturação, até à questão dos recursos. Criaram um fundo entre as escolas todas para construir. E é seguro? É muito seguro porque já está a ser experimentado. Como o modelo é muito descentralizado e municipalizado, a cidade de Helsínquia já o tem aplicado em larga escala. Quando a decisão foi tomada já estava trabalhada e consensualizada, em termos políticos. As instâncias que refletem sobre estes temas já produziram muitos documentos. Quando, no próximo ano letivo, o modelo tiver aplicação nacional, já há muito trabalho feito e há segurança. É um passo importantíssimo. Tenho um texto sobre os casos da Catalunha e da Finlândia, que se chama Há uma brecha no dique. Essa brecha só pode alargar. É irreversível? Nunca mais se vai voltar para trás. O que é diferente no novo modelo? Na Finlândia, a mudança é ao nível da organização do trabalho escolar, que tem repercussões muito idênticas à Catalunha. O ensino passa a ser organizado por projetos... chamam-lhes fenómenos ou temas. Os professores, antes do início do ano letivo, organizam-se e estruturam uma boa parte do currículo - não é necessariamente a totalidade do currículo, porque é muito difícil fazer isso. Mas, por exemplo, 60% do currículo, é estruturado em torno de grandes temas agregadores, tendo em conta os interesses dos miúdos nas idades respetivas e a experiência que os professores têm com eles. E que tipo de tema pode ser esse? Por exemplo, há um problema da comunidade, uma necessidade que é preciso estudar, ou um tema que interessa aos alunos, ou um assunto em torno da natureza que mobilize conhecimentos nesses domínios. Os saberes de todos os anos letivos, organizados por pequenas unidades curriculares - de ciências, de língua materna, de matemática, de inglês - são mobilizados para os projetos. E há conteúdos que são dados em aulas tradicionais. Isto permite que os pro- fessores trabalhem interdisciplinarmente e em equipa. Há diferenças entre os dois modelos, o finlandês e o jesuíta? Os jesuítas da Catalunha vão mais longe porque agregam duas a três turmas. Isto obriga a deitar abaixo as paredes das escolas. As nossas escolas, incluindo as acabadas de construir pela Parque Escolar, onde se investiram centenas de milhões de euros, são para a educação escolar do século XVIII. Ninguém pensou em perguntar: "O futuro é este?" Estamos a construir hoje escolas que dentro de 5, 10, 15, 20 anos vão ter de ser alteradas, porque não é possível mais lecionar e organizar a escola em termos de grupos de 25 ou 30 alunos. Organizam-se grupos de 75, por exemplo, há dois ou três professores na sala que exploram os temas com diferentes grupos, com diferentes dinâmicas. E há uma mudança profunda na organização dos horários. Porque os alunos, numa parte importante da sua vida, vêm para a escola para continuar a pesquisa para o projeto. Até desse ponto de vista o vir à escola ganha outra... ...motivação? Exato. E assim estamos a responder às questões de fundo: motivação, interesse, ser capaz de captar a atenção dos miúdos. Os professores queixam-se imenso, hoje, da dificuldade de ter os miúdos concentrados no que estão a fazer. Há um grande medo da mudança. É preciso preparar um país para uma reforma destas? Cada escola tem de ir criando condições para dar este salto. Aí temos muito a percorrer, porque pode haver também redes de escolas a fazer cooperativamente as mudanças. Em Portugal, temos uma grande experiência de trabalhar com projetos integradores, sobretudo nas escolas profissionais do ensino secundário em imensos sítios. São casos exemplares. Nós já fazemos o que a Finlândia quer fazer. Constroem mesmo um projeto integrador. Por exemplo, existe um problema para resolver na comunidade e os professores juntam-se. O ensino aí funciona por módulos. E então os professores verificam que módulos podem ser mobilizados. Desenvolvem o projeto em conjunto e aplicam--no. Na minha universidade, vamos fazer um um e-book só com exemplos destes. Trabalha-se muito bem a esse nível, em Portugal. Portanto, é perfeitamente possível? É possível em qualquer sítio. Porque é que, no ensino básico, as pessoas têm medo? Mas também têm no secundário. Isto faz-se minoritariamente. Têm medo porque este passo não é simples. Estamos a tentar fazer isso no interior norte do país, numa escola TEIP [programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária] com muitas dificuldades e está a ser muito difícil. Há muita resistência porque é uma nova metodologia que obriga os professores a trabalhar mais cooperativamente. Para uns é pacífico, para outros não. Implica, um modo de ensinar e uma forma de aprender que não são tradicionais. No contexto de algumas escolas profissionais, desde a raiz, isso conseguiu-se, mas é mais difícil passar à generalidade do sistema, porque nunca houve uma perspetiva integradora e flexível para trabalhar em projetos. A questão é passar de um sistema rígido a um sistema flexível. E não há nada na lei que diga que isso não pode ser feito. Com a nossa legislação, seria possível começar? Perfeitamente possível! É uma questão de organizar a escola. A principal dificuldade que encontramos, no caso que referi, é nos professores, na capacidade de formular a nova maneira de trabalhar. "Como vou integrar este saber com aquele?" Também há mil problemas com o facto de trabalharem em conjunto uns com os outros. Propomos esta dinâmica e muitos professores ficam motivados, porque sabem que isto vai motivar imenso os alunos. Mas depois: "Como avalio? Numa dinâmica de grupo, como traduzo isto em avaliação individual?" São estas as questões que emperram... E como se faz a avaliação nesse novo modelo? A avaliação pode ser mobilizada quer em termos individuais, quer em termos de equipa. Isso tem é de ser clarificado antes. Na formulação do projeto, têm de estar os objetivos a atingir, a maneira de lá chegar e as regras de avaliação: como é que cada um deles vai ser avaliado. E há imensas formas de fazer isso numa dinâmica formativa e não só. Para produzir a classificação, é mais simples. Mas é uma lógica de avaliação formativa: "aprendeste, não aprendeste", "se não aprendeste, porquê? Como dar a volta?" Essa dinâmica, como implica o processo de avaliação formativa, mexe mais com os professores. Diz-se muito agora: "Nós não queremos exames, queremos é avaliação formativa." Eu trabalho nas escolas, os professores classificam. Os professores sabem é classificar. O governo pode dizer que vai, sobretudo, haver avaliação formativa, mas isso não diz nada. O grande trabalho a fazer em Portugal é escola a escola, a tentar dar estes passos com consistência, com tempo. Isto demora muito a mudar. Na escola de que falei, estamos a caminhar há meses e há uma vontade enorme de fazer melhor. Os professores têm uma dedicação que, em muitos casos, é desmesuradíssima. Por vezes estão a fazer o que está provado que não resulta, mas trabalham loucamente, do ponto de vista profissional. É preciso parar para olhar? Pois. Refletir. Isto não pode ser assim. As escolas superiores de educação não devem também espelhar isto tudo? Deviam. Uma das coisas mais em causa é a formação inicial dos professores e a formação contínua, porque uma grande parte dos professores já está no sistema. Dentro de 10 ou 15 anos haverá uma grande oportunidade porque vão sair muitos milhares. Vem aí uma nova vaga que já devia chegar à esco-la com esta nova mentalidade. É também um problema político, porque está em causa o acesso à profissão. Eu tenho-me batido por isso e publicado pequenas coisas: é preciso dignificar mais a profissão docente, do ponto de vista da sociedade em geral. Tenho sugerido que a média de acesso aos cursos de formação inicial de professores tenha o mínimo de 16. E isto é uma decisão política. Para que os melhores sejam professores? É uma medida política! Não custa nada! É só publicar um decreto-lei, não tem interferência em coisa nenhuma a não ser nos cálculos para o acesso, que se podem colocar no computador. E pode dizer imenso. Se fizéssemos isso e revíssemos as regras de acesso à profissão docente e a formação inicial e contínua, podíamos estar a preparar os verdadeiros alicerces de uma educação diferente daqui a 20, 30 anos. Era isso que devíamos fazer. O que é que estamos a verificar? Nos últimos 20, 30 anos, acede à profissão docente um número razoável de jovens competentes mas também um número enorme de jovens que têm péssimas notas. E são professores. Entram com médias de 10, 11 ou 12... são pessoas com muitas dificuldades. A disputa que aqui se faz em torno da medicina, na Finlândia é em torno de ser professor, e o acesso à medicina fica a anos-luz do acesso à profissão docente. Isso é estruturante? É um trabalho que a Finlândia faz há 30 anos. Começou a investir na profissão docente, a mudar a formação inicial, a mudar as regras de funcionamento da profissão. E a pedir muito em troca. Por cada coisa que se dá, tem de se pedir muito em troca, do ponto de vista profissional e de exercício de responsabilidade: muita autonomia, mas muita responsabilidade. A realidade da Finlândia é essa. Nós temos agora essa oportunidade. Como temos um nível etário muito elevado, uma média de mais de 40 anos, dentro de 15 anos, no máximo, vamos ter a possibilidade de substituir um volume muito importante da geração dos professores. A questão não se coloca, como dizem muitas pessoas, entre a permissividade e a disciplina? Isso é uma conversa estafada. Essas tensões existem mas o problema não é esse. É uma mistificação, porque um sistema com exames pode ser altamente permissivo. Ficam bem os que ficam bem no exame. E os outros? Em Portugal, aumentou imenso, nos últimos anos, a retenção no 2.º ano. Porquê? Pelo efeito do exame. Mas aprende-se melhor? Temos de ir um bocadinho mais atrás, mais longe. Esse tipo de discussão cansa-me, não conduz a nada. Vivemos num mundo de faz de conta: faz de conta que escola funciona bem; faz de conta que os exames são bons para os alunos aprenderem; faz de conta que os professores ensinam bem; faz de conta que a legislação que o ministério põe cá fora é eficaz e que os professores e as escolas a seguem, faz de conta que existe avaliação formativa. E depois trata-se o ranking das escolas como se fosse o grande objetivo? Ou como se fosse tudo. E não é. Eu coordenei a equipa que pôs os exames em Portugal no 12.º, em 1993. Pela primeira vez, depois do 25 de Abril, criámos exames. Duvidámos e discutimos muito se se devia fazer. Porque sabemos o lado positivo e o lado negativo dos exames. Mas no caso do 12.º ano, creio que era mais ou menos inevitável. E tinha que ver também com o modelo da certificação e com a desigualdade de critérios de avaliação, porque havia escolas que davam notas inflacionadas internas. Foi preciso calibrar para ter a certificação final do percurso escolar antes do ensino superior. No 9.º ano, pode fazer sentido ter exames para avaliar o percurso de todo o ensino básico. Mas o investimento tem de ser no processo do ensino e aprendizagem. O problema está ali. Em educação, o processo é o produto, é o processo que conta. A avaliação externa e os exames são importantes, têm o seu papel. Mas isso não invalida que a questão central tenha de ser outra. Ter mais uma prova disto ou daquilo é irrelevante. Qual é o caminho, então? Nas escolas onde trabalho, a minha preocupação é se os professores estão a perceber os processos pedagógicos que eles próprios mobilizam. Refletem sobre isso? Sabem os que são eficazes e os que não são? Otimizam os que são eficazes? Estes é que são os núcleos. "Então sugerem-nos metodologias novas?" "Sim, com certeza. Há estas, estas, estas, vamos por este caminho, vamos por aquele". E as escolas mudam. E as pessoas, depois, agarram-se e prendem-se. Há aqui um problema de software, claramente. Hoje o problema é de software. Ana Sousa Dias - DIÁRIO NOTÍCIAS «http://www.dn.pt/portugal/interior/o-nosso-modelo-escolar-e-do-sec-xviii-e-nao-esta-adaptado-a-realidade-4997445.html» «É possível prepará-los para as provas ou para a vida. Escolhemos a segunda opção» A terra do Pai Natal e das boas escolas. Esta é a Finlândia. Há pouco tempo, parte de nossa equipa esteve por lá para ver com seus próprios olhos como funciona o sistema educacional, considerado um dos melhores do mundo. Sem preguiça, nem perder tempo, reuniram o maior número de informações sobre esta questão. O que descobrimos deixou-nos a todos, no Incrivel.club, boquiabertos. Eis os factos:
Segundo pesquisas internacionais realizadas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), três vezes ao ano as escolas finlandesas apresentam os índices de desempenho mais altos do mundo. Seus alunos (que são os que mais lêm no planeta) ocuparam o segundo lugar em ciências naturais e o quinto em matemática. Porém, o que mais surpreende a comunidade pedagógica não é isso, mas sim que os alunos finlandeses são os que, por dia, passam menos tempo estudando. O ensino básico na Finlândia possui dois níveis: — Primário (alokoulu), do 1º ao 6º ano — Secundário (yläkoulu), do 7º ao 9º ano Há ainda um 10º ano complementar no qual os alunos podem melhorar as suas qualificações, depois eles vão ou para escolas técnicas ou continuar os estudos nos liceus (lukio) — que são um tipo de escolas preparatórias. Os 7 princípios da etapa média da educação finlandesa:1. Igualdade...
Lá não existe a ’escola de elite’. A maior das escolas acolhe 960 alunos, e a menor, 11, mas todas possuem as mesmas qualidades, recursos e financiamento, proporcionalmente ao seu tamanho. Quase todas as escolas são estatais, embora meia-dúzia delas sejam em parte privadas. O diferencial dessas escolas particulares, além das mensalidades, é que os alunos levam um ritmo mais pesado; em geral são colégios de formação especial que seguem modelos pedagógicos específicos: o de Montessori, de Freinet, de Morton ou de Waldorf. Escolas de línguas, como de inglês, francês e alemão, também são particulares. E, seguindo esse mesmo princípio de igualdade, na Finlândia existe um sistema paralelo de ensino da língua finlandesa que vai do jardim de infância à universidade. E também, no norte do país, na Lapônia, onde vive o povo lapão (e o Pai Natal), há o ensino da sua língua nativa. Antes, os finlandeses eram proibidos de escolher em que escola os seus filhos deveriam estudar e tinham de levá-los à que estivesse mais perto de casa. Hoje revogou-se essa proibição, mas a maioria dos pais continua levando seus filhos às escolas que ficam nos seus bairros, já que todas são igualmente boas.
2. Gratuitidade Além da educação, também são gratuitos:
3. Individualidade Para cada aluno estipula-se um plano individual de estudo e desenvolvimento. Essa individualização tem a ver com o conteúdo dos livros didáticos, dos exercícios, quantidade de trabalhos de case, de casa etc, e com o tempo que se planifica para realizá-los. O mesmo acontece com o material que os professores necessitam: quais os alunos que recebem o conteúdo mais complexo e quais o mais simples. Na mesma turma os alunos realizam exercícios de diferentes níveis de dificuldade e a nota final varia de acordo com as diferentes capacidades de cada um. Se hoje, por exemplo, um aluno consegue fazer os exercícios básicos satisfatoriamente, amanhã ser-lhe-à dado um exercício mais complexo. Se ele não conseguir, não há problema... serão dados exercícios com o nível de dificuldade de ontem. Nas escolas finlandesas, além da formação-base, há duas peculiaridades no processo educativo:
4. Educação Prática Os finlandeses dizem: «É possível prepará-los ou para as provas ou para a vida. Escolhemos a segunda opção». É por isso que não há testes nas escolas da Finlândia, apesar de que, se o professor quiser, ele pode fazer testes de avaliação. Só existe uma prova obrigatória, no fim do período médio, mas ela pouco interfere na avaliação feita pelos professores, e não afeta a nota final dos alunos. E o mais interessante é que os alunos não são preparados para essa prova; eles fazem-na utilizando tudo o que aprenderam até essa altura. Nada de passar um mês antes do teste a estudar intensivamente! Na escola só se ensina o que pode vir a ser útil na vida. Saber como funciona a caldeira da metalúrgica não tem utilidade. Os alunos finlandeses desde crianças que sabem o que é um portfólio, um contrato, um livro de cheques, sabem calcular a percentagem do imposto sobre heranças ou o ordenado pessoal, como criar um site, como calcular descontos nos produtos, desenhar a Rosa dos Ventos e localizar o lugar onde vivem etc... 5. Confiança Primeiro, não se supervisiona o trabalho de funcionários e professores, nem lhes é dito como devem trabalhar ou como e o que devem ensinar. Existe um sistema centralizado de educação no país, mas só propõe uma diretiva básica e recomendações gerais. Deste modo, cada pedagogo aplica aos seus alunos o método de ensino que lhe parecer melhor. Segundo, a confiança nos alunos: durante as aulas é permitido fazer qualquer coisa. Se, por exemplo, durante a aula de literatura apresentam um vídeo educativo, e um aluno não estiver interessado, ele pode ir ler um livro se quiser. Há a percepção de que é a própria pessoa quem deve escolher o que é importante para sua vida. 6. Voluntarismo Estuda quem quiser estudar. Os professores tentarão atrair a atenção dos alunos, mas, se algum não quiser prestar atenção, não tiver interesse ou não for capaz de entender a aula, será orientado depois a que procure uma profissão prática, porém útil. Um trabalho fácil. A ideia é não ficar preenchendo a caderneta do aluno com zeros e pontos negativos. Claro... saber construir aviões e reatores nucleares não é para todos... alguém vai ter de ser um bom motorista de autocarros! Tendo isso presente, os finlandeses dão valor também à escola secundária e técnica: deve-se saber se vale mesmo a pena um aluno continuar o estudo académico até ao secundário, ou se deve ser encaminhado para as escolas profissionais. Na Finlândia ambas as opções são dignas. As competências de cada aluno são avaliadas através de exames e consultas feitos por orientadores vocacionais nas escolas. À primeira vista, o sistema educativo finlandês parece suave e simplista, mas isso não quer dizer que não seja sério. Por exemplo, existe um rígido controle do horário de aulas, todas as faltas devem ser ’repostas’. Se um aluno do 6º ano faltar à aula, o seu professor tentará encaixá-lo num outro horário de outra turma do 6º ano, para que este reponha a aula... como se lhe dissessem: «Senta-te aí e repensa a tua vida». E se esse aluno começar a perturbar os colegas na aula de reposição, o tempo que passou ali deixará de ser contado; se ele não quiser fazer os exercícios na aula de reposição, ninguém vai chamar os pais, nem ameaçá-lo, repreendê-lo, gritar com ele... nada disso. uma vez que os pais desse aluno são descuidados com a educação familiar do seu filho ou filha, o que vai acontecer é uma reprovação no fim do ano. Simples! E repetir de ano na Finlândia não é nenhuma vergonha, especialmente depois do 9º ano, pois é necessária uma preparação séria para a vida adulta e por isso mesmo é que as escolas lá têm o 10º ano — que, como dissemos no início, é opcional. 7. Independência Os finlandeses acreditam que a escola deve ensinar ao aluno algo muito importante: ter uma vida independente no futuro! Por isso se ensina a pensar e a adquirir conhecimento por conta própria. Os professores não precisam anunciar os temas de estudo já que tudo está escrito nos livros didáticos. Não é importante decorar fórmulas, mas sim saber procurar nas bibliografias, na Internet, usar a calculadora, ou seja, deixar à disposição dos alunos os recursos necessários para que aprendam a solucionar os seus próprios problemas. E outra coisa... os pedagogos nas escolas não interferem nos conflitos entre alunos, dando-lhes assim a oportunidade de se prepararem para as diferentes situações da vida e de desenvolverem a sua capacidade de se defenderem corretamente. O sistema educativo finlandês nas escolas ’iguais’ é organizado de formas ’diferentes’. Quando estudar, e quanto? O ano letivo na Finlândia começa entre 8 e 16 de agosto — não há um dia específico para todas as escolas — e termina em meados de maio. Na metade do ano letivo, há 3 ou 4 dias de férias e duas semanas de descanso por causa do Natal. No semestre da primavera há outras duas semanas para as ’férias de esqui’, pois as famílias finlandesas costumam sair para esquiar. Por fim, as férias da Páscoa. Estuda-se 5 dias por semana numa jornada única, diurna, e na sexta-feira apenas meio período. O que se aprende?
No 7º ano começa Biologia, Geografia, Física, Química e História. Do 1º ao 6º ano existe apenas um professor que dá aula. As aulas de Educação Física consistem em quaisquer jogos que envolvam esforço físico, 1 a 3 vezes por semana; depois da sua prática, é obrigatório tomar banho. As aulas de Literatura não são como imaginamos, mas há um período dedicado à leitura; somente no 7º ano é que um professor se dedicará especificamente desse período.
Quem precisa de notas? No país adotou-se o sistema de notas de 0 a 10, porém, até ao 7º anousa-se ainda o sistema de letras: Regular, Aceitável, Bom e Excelente. Do 1º ao 3º ano não há qualificação ou notas. Todas as escolas fazem parte da rede eletrónica «Wilma», que funciona como um diário escolar online a que os pais dos alunos podem aceder com as suas senhas pessoais. Os professores escrevem nesse diário as notas (caso haja), anotam as faltas e informam do comportamento do aluno na escola. O psicólogo da escola, o assistente social, o orientador vocacional e até a enfermeira podem aí postar mensagens aos pais sobre o seu filho. Na Finlândia as notas não têm todo esse peso terrível. Elas são usadas apenas para que o aluno as veja e entenda o seu desempenho, e se motive a melhorá-lo se assim o desejar. Notas não afetam de modo algum sua classificação, a classificação do professor, nem da escola. Nada disso. Detalhes da vida escolar
Bem, este foi apenas um pequeno resumo do sistema educacional finlandês. Pode ser que alguém considere tudo errado, mas os finlandeses não pretendem ser perfeitos, nem gabar-se daquilo que conquistaram. Pois até mesmo nas coisas perfeitas se pode encontrar erros, não é? Eles querem saber até que ponto o seu sistema educacional é útil à sociedade moderna. Por exemplo, atualmente pretendem dividir a Matemática em duas matérias, Álgebra e Geometria, e aumentar o tempo de aula dessas duas novas matérias. Também pretendem separar a Literatura das Ciências Sociais, que até hoje eram apenas teóricas. Mas o que interessa é que as escolas finlandesas estão fazer o que é mais importante: os seus alunos não sofrem de stresse noturno nem têm pesadelos com os testes, não pensam crescer rápido para se livrarem dos deveres e nem odeiam a escola! Essas escolas não fazem as famílias sofrerem com os filhos os martírios da vida escolar; lá essas coisas não existem. As crianças são tranquilas, sensatas e felizes, lêm muitos livros, jogam no computador, andam de patins, de bicicleta, compõem músicas, fazem obras de arte, cantam e vivem bem... além de aprenderem coisas novas diariamente num dos lugares mais interessantes do mundo! Autora: Natalia K. «http://incrivel.club/inspiracao-psicologia/7-principios-da-educacao-finlandesa-16705/» De que Som Sou Feito? é um projecto de musicoterapia para alunos do 5.º ao 12.º ano com necessidades educativas especiais. Canções, melodias, danças, instrumentos são veículos que trazem à tona alegrias e tristezas, problemas e capacidades, medos e sonhos em nove agrupamentos de Santa Maria da Feira Inês Silva entra na sala com ar envergonhado. Dali a pouco estará a cantar e a dançar, mas não perderá uma natural timidez. Escolherá a Mala Cor-de-Rosa de Xana Toc Toc para cantar com os colegas em mais uma sessão de musicoterapia na Escola Básica e Secundária Coelho e Castro, em Fiães, um dos nove agrupamentos do concelho de Santa Maria da Feira em que o projecto De que Som Sou Feito? acontece todas as semanas desde o início do ano lectivo. São momentos exclusivamente dedicados a alunos do 5.º ao 12º ano com necessidades educativas especiais. Quatro musicoterapeutas procuram os sons que crianças e jovens trazem dentro de si e exteriorizam para contar o que mexe lá dentro. Tudo importa para trabalhar competências, evidenciar capacidades, desenvolver a concentração e a atenção, procurar o bem-estar dos mais novos.
Inês tem 15 anos, está no 7.º ano, tem síndrome de Down. Chove lá fora e está frio. Inês coloca as mãos na cara de Cristina Castro, a musicoterapeuta que conduzirá a sessão de hora e meia – assistimos a 20 minutos porque gente estranha condiciona comportamentos. “Estão quentinhas, vamos ver se a guitarra também está quentinha”, diz a musicoterapeuta. A canção de boas-vindas começa para dizer olá e perguntar à Inês, ao Pedro, ao João Pedro e à Inês Mota como estão. Os quatro alunos estão sentados em cadeiras que formam uma roda apertada. Estão juntinhos. A guitarra sai de cena e entra o instrumento-rei do projecto, ou seja, o ocean drum, o tambor do mar. É um tambor muito bonito, tem peixes desenhados de várias cores e feitios e pequenas esferas no interior que produzem sons semelhantes aos das ondas do mar quando quebram na areia da praia. As mãos pousam em cima do tambor, fazem-se ritmos, batem-se palmas. Um de cada vez porque é preciso saber esperar. “Que som vocês hoje trazem?”, pergunta a musicoterapeuta. O tambor é a caixa-de-ressonância desses sons que entram naquela sala. Uns mais calmos, outros mais fortes. Inês, por vezes, tapa os ouvidos. Por vezes, quer abraçar o tambor para que seja só dela por uns instantes. Continua envergonhada e com ar bem-disposto. A dada altura pede para dançar. E dança. “Gosto de cantar, desenhar, dançar, pintar”, conta-nos. Há outra Inês no grupo dos quatro alunos de turmas diferentes, todos referenciados pelos professores de Educação Especial. Inês não pára, a hiperactividade salta à vista. Quer cantar kuduro, Cristina dá-lhe uma pandeireta e pede aos colegas que a acompanhem nas melodias. Os ritmos que as suas mãos deixam no tambor do mar são os mais fortes, os mais frenéticos. Quer pegar na viola para cantar kizomba, ficará mais calma à medida que os minutos avançam. Inês Mota tem 13 anos, está no 7.º ano, e quer ser polícia, ou médica, ainda não sabe bem. Confessa que gosta de fazer desenhos, de pintar palavras, e de relaxar no final das sessões de musicoterapia. “Ouvimos música e fazemos de conta que estamos a apanhar gomas, balões, borboletas”. É assim que descreve o momento final das sessões. Pedro Duarte tem 14 anos e está no 9.º ano. É o roqueiro do pequeno mas heterogéneo grupo em que as dificuldades de aprendizagem são um denominador comum. Pedro adora Bon Jovi, ouve heavy metal, aprecia o que sai da guitarra eléctrica, diz que a musicoterapia “é um espectáculo”. E já sabe o que quer ser quando for grande. “Quero ser pasteleiro. Para o ano, vou para o Porto para ser pasteleiro”, informa. A música soa-lhe bem aos ouvidos e naquela hora e meia não há matéria para meter na cabeça. O colega João Pedro tem 14 anos, é tímido, mostra o seu ar envergonhado quando diz que está no 7.º ano. “Já devia estar no 9.º, não era?”, pergunta sem esperar uma resposta. É sossegado, parece calmo, está apaixonado, escolhe David Carreira para cantar e muda logo depois para a canção Como Ela é Bela do Agir. Todos cantam, mesmo quando não sabem a letra. A improvisação é sempre bem-vinda porque tem sempre muito para contar. Comunicar sem palavras Nas escolas públicas do concelho de Santa Maria da Feira, cerca de 350 crianças e jovens do 2.º ciclo ao 12.º ano do secundário têm necessidades educativas especiais. O projecto De que Som Sou Feito?, apoiado pela Fundação Gulbenkian, abrange cerca de 100 alunos. Nestas sessões, em que o limite é de oito alunos na mesma sala, não há receitas. É preciso estar disponível e atento ao que acontece a cada segundo. “É um espaço de partilha. Falamos dos amores e desamores, situações de casa, improvisamos letras e vem ao de cima o que se pensa. A música é um veículo que permite essa exposição emocional”, adianta Cristina Castro, licenciada em Psicologia, pós-graduada em Musicoterapia, presidente da Mutpet – Associação Nacional de Musicoterapeutas, criada em Abril do ano passado. É também instrumentista na banda folk Pé na Terra. Até pode haver guião ou fio condutor para cada sessão, mas tudo depende de quem se tem à frente. O currículo de cada um foi devidamente analisado antes de se entrar na sala. “Temos de conhecer o grupo como ele é. As sessões têm um carácter dinâmico e muito livre e é nessa liberdade que os meninos trazem muita coisa”, explica. É preciso, portanto, muita atenção para decidir o que fazer. “Olhar, sentir o grupo, ver como as coisas estão e dar seguimento consoante as necessidades. Temos de pensar no bem-estar deles”, diz Cristina Castro. |