Candace Currie, que esteve 20 anos à frente do grande inquérito internacional da OMS sobre a adolescência, diz que é preciso melhorar as perguntas que se fazem aos adolescentes para perceber melhor o que se passa. Com as raparigas. E também com os rapazes. Candace Currie é especialista em Saúde dos Adolescentes, área que lecciona na Universidade de St. Andrews, na Escócia. Nos últimos 20 anos foi a coordenadora internacional do Health Behaviour in School-Aged Children (HBSC), o grande estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) que é feito de quatro em quatro anos, em 40 países e regiões, da Europa e América do Norte, sobre os hábitos e os comportamentos na adolescência. Em Junho, deixou o cargo de coordenadora, mas continua a integrar a equipa internacional de peritos que se dedica a analisar, desde os anos 80, os resultados dos mega-inquéritos do HBSC, que seguem o mesmo protocolo em todos os estados participantes. No início deste mês, vários desses especialistas estiveram reunidos na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, quando na imprensa ainda havia ecos dos resultados do último relatório feito por Candace, na Escócia. A preocupação do momento é as raparigas. Falámos com ela no final da reunião.
Em Outubro divulgou na Escócia os resultados de 2014 sobre a saúde dos adolescentes escoceses, resultados que deverão integrar o próximo relatório internacional Health Behaviour in School-Aged Children (HBSC). Uma das questões mais valorizadas pela imprensa foi a chamada deterioração da saúde mental das raparigas. Elas sentem-se mais ansiosas do que os rapazes, mais nervosas, mais stressadas com a escola... E estão pior do que há quatro anos. O que é que se passa com as raparigas? Não acontece em todos os países. Tenho falado com os colegas da Noruega, por exemplo, e não se passa assim... Mas é assim em muitos outros, como na Escócia. E em Portugal, o relatório divulgado em Dezembro, já com os dados de 2014, mostrou que as meninas portuguesas reportam mais queixas de nervosismo, do que os rapazes, mais queixas de ansiedade, mais sintomas físicos, como dores de cabeça. Nalguns destes indicadores pioraram mais do que eles nos últimos anos. E há três vezes mais meninas que dizem que se magoam fisicamente, de propósito, frequentemente... Há muito que observamos diferenças de género no que diz respeito aos sintomas relacionados com a saúde mental. Os rapazes reportam sempre menos sintomas. Mas nos últimos anos observámos, sobretudo entre as raparigas de 13 e 15 anos, um aumento de queixas relacionadas com dormir mal, ter dores de cabeça, nervosismo, irritabilidade... Estamos a tentar perceber o que pode explicar isto. O que notámos, para já, é que a maneira como [na Escócia] as raparigas percepcionam a escola mudou. Elas sentem-se muito pressionadas pela escola e pelos trabalhos da escola. Nas últimas três sondagens — e fazemo-las de quatro em quatro anos — temos vindo a observar um aumento das queixas. Mas vários estudos internacionais mostram que elas têm em geral melhores resultados escolares do que eles... Sim, e provavelmente continuam a ter melhores resultados. Mas preocupam-se mais. E isso pode estar a contribuir para a deterioração da saúde mental observada no estudo. No ano passado, uma escola secundária, na Escócia, convidou-nos a ir lá, porque tinham tido um suicídio e estavam muito preocupados e promovemos um evento na escola. O que os rapazes nos disseram é que não se preocupam muito, que não stressam muito com os exames, que se estão muito ansiosos vão jogar futebol, ou outro desporto qualquer e que isso funciona como um escape. Não ficam a ruminar no “como é que vai ser o exame”, nem entram na lógica do “trabalhar mais e mais e mais”... mas dizem que é isso que vêem as raparigas fazer... foi muito interessante esse debate. A assistente social do liceu contou-nos como cada vez mais raparigas entravam no seu gabinete a dizer que estão muito preocupadas com a universidade, que receiam não sair-se bem. E uma das alunas dizia: “Os meus pais estão sempre a dizer-me: ‘não te preocupes, dá o teu melhor, isso basta.’” Mas depois quando chega a casa e mostra o teste e tem 80% perguntam-lhe: “Por que é que não tiveste 85%?” Acha que as famílias estão a exigir mais das raparigas do que dos rapazes? Não temos resposta para isso... mas a relação com a família é um aspecto importante... Entrevista ANDREIA SANCHES PÚBLICO «http://www.publico.pt/sociedade/noticia/devemos-preocuparnos-com-as-raparigas-e-com-a-sua-saude-mental-1713708«
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