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Nas famílias Falar de Sexo... Estar informado sobre sexo, sobre sexualidade ou sobre saúde sexual e reprodutiva é antes de mais um Direito! Um Direito de mulheres e homens, raparigas e rapazes... um Direito de todos e de todas! Uma das perguntas mais comuns dos pais, mães e educadores em contexto familiar é "o que devem as crianças e adolescentes saber acerca da sexualidade e em que idade o devem saber?" É frequente existir algum receio de dizer “coisas a mais” e demasiado cedo, havendo o receio de isso poder ferir e/ou encorajar as crianças e adolescentes a tornarem-se sexualmente ativos e ativas prematuramente. A informação e a educação não encorajam os jovens a serem sexualmente ativos. De facto, as crianças e jovens tomam decisões mais conscientes sobre o sexo quando têm a informação que necessitam e quando não se encorajam assuntos tabu (sobre os quais não se “deve” conversar em casa). Apesar de existir informação adaptada às diferentes idades, genericamente pode dizer-se que as repostas devem ir ao encontro das necessidades de informação e, por isso, às perguntas formuladas em cada fase de desenvolvimento. Por exemplo, uma criança de cinco anos pode querer saber corretamente os nomes das partes do seu corpo, incluindo os seus órgãos genitais. Falar de sexo e de sexualidade é importante porque...
...com crianças e adolescentes Quando começar a falar com as nossas crianças e adolescentes sobre sexualidade? "Lá em casa", no contexto familiar, onde existe proximidade e intimidade com a criança ou adolescente, é um contexto privilegiado para se começar a falar sobre sexualidade. É possível aproveitar momentos do quotidiano para estimular a curiosidade sobre o assunto como, por exemplo, falar com a criança ou adolescente ao se avistar uma mulher grávida na rua, ver uma cena amorosa na televisão, ou observar uma caixa de preservativos na farmácia. É importante estar-se atento e disponível para as dúvidas e procurar esclarecê-las. Para isso, é importante responder, sem que isso implique ir além da necessidade de esclarecimento percebida a cada momento, observando-se a forma como a criança ou adolescente vai reagindo à informação. Não vale a pena “florear” e evitar os factos. Mais cedo ou mais tarde, as crianças e adolescentes vão saber mais sobre a verdade; e, se não for em casa, será através de outra fonte de informação (pelas amizades, revistas, televisão, etc.). Algumas sugestões:
Os Valores e as crenças Os valores afectam as escolhas e os comportamentos. No seu desenvolvimento, as crianças e jovens desenvolvem a capacidade de tomar decisões e definem os seus próprios valores. Nesse caminho, os adultos devem ser claros acerca das suas escolhas, sabendo partilhá-las com respeito e sem impor. É importante compreender a diferença entre factos e crenças pessoais. Se alguém considerar, por exemplo, que um/a jovem não deve iniciar as relações sexuais antes da uma dada fase, isso não significa que essa seja uma verdade única para todas as pessoas, mesmo que muitas sigam opções semelhantes. É, por isso, muito importante ajudar as crianças e jovens a compreender a diferença entre os seus valores e a informação factual. Até porque algumas vezes, estas crenças pessoais são dissonantes com o que se observa nos diferentes contextos em redor. O uso de conceitos-chave pode contribuir para esclarecer:
Quando a religião tem um papel importante na vida de uma pessoa adulta, pode também ter um papel na discussão dos valores em relação à sexualidade. Independentemente disto, é sempre importante deixar espaço para que cada um desenvolva as suas próprias crenças e valores, e ter a consciência de que é importante que cada pessoa faça as suas aquisições e faça as suas escolhas. O que lhes dizer sobre… Infeções Sexualmente Transmissíveis Normalmente, quando as crianças ou jovens ouvem falar sobre Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST) pensam em VIH/SIDA. Existem, no entanto, muitas outras. O que é, então, importante saber sobre IST?
Uma das IST, o VIH/SIDA, pode ser um assunto particularmente sensível para jovens. Ouvem muita informação e muita dela é assustadora e ameaçadora. Os/as jovens precisam de saber o que é a SIDA e como a evitar. Estes são alguns factos básicos que pode partilhar:
O que lhes dizer sobre... abuso sexual O abuso sexual acontece sempre que a privacidade sexual de alguém é desrespeitada. Forçar alguém a ter relações sexuais chama-se violação. Mas a violação é só um dos tipos de abuso sexual. O toque não desejado, as carícias não desejadas, a observação não desejada, a conversação não desejada ou ser forçado a olhar para os órgãos sexuais de outra pessoa, são outras formas de abuso sexual. Embora a maioria das pessoas que praticam o abuso sexual sejam homens, os perpetradores podem ser homens ou mulheres, amigos/amigas ou até membros da família. De facto, a maior parte dos casos de abuso sexual são cometidos por pessoas conhecidas ou familiares. O abuso sexual, a violação e o incesto são crimes graves punidos pela lei. No entanto, são ainda seriamente omitidos. Muitas vezes, as vítimas sentem-se demasiado embaraçadas e envergonhadas para contar o que lhes aconteceu. Sentem-se, muitas vezes - ou fazem-nas sentir -, que o abuso ou a violação foi culpa sua. É importante assegurar que as crianças e os jovens sabem que:
...com as pessoas adultas da família Da mesma forma que falar com as crianças e adolescentes sobre sexualidade é complexo, também para eles e elas pode ser difícil falar com as pessoas adultas. No entanto, conversar sobre sexualidade ajuda a estruturar as relações e a criar o contexto para a aquisição de competências e segurança, próprias das relações de intimidade. Algumas sugestões:
...com a parceira ou parceiro Uma comunicação aberta e honesta com a pessoa com quem nos relacionamos sexualmente é um passo fundamental para ter uma vida sexual mais satisfatória e mais saudável. Uma conversa deste tipo merece um ambiente e um espaço confortável para ambos, sendo importante identificar com clareza os assuntos a conversar: contraceção, emoções, prazer, saúde, etc. Algumas sugestões:
...com profissionais de saúde Por vezes, falar com profissionais de saúde pode levantar alguns bloqueios. É possível que o receio seja sobretudo pessoal, por se achar que não é suposto falar da intimidade, por se recear que a outra pessoa fique a pensar mal de nós, por se achar que se corre o risco de exposição e possível perda de sigilo. Apesar destes possíveis receios, a abordagem destas temáticas com profissionais de saúde é muito importante, pois para além de permitir identificar alguma possível patologia, é também um contexto de neutralidade que permite uma abordagem franca e descomprometida. ...com a Escola A Escola tem uma papel importante na educação de crianças e jovens sobre as temáticas da sexualidade. No entanto, não é o único agente na Educação Sexual. Família e Escola têm um trabalho complementar nesta educação, que será tanto mais rica quanto mais feita em sintonia. Neste sentido, a participação de familiares e educadores/as na Escola é uma mais-valia, para que se encontrem estratégias eficazes de melhoria da qualidade da educação. Na perspetiva da Escola, também é importante perceber que a Família tem preocupações e está atenta ao desenvolvimento individual. Referências Pontos nos is - A Educação Sexual lá em casa A brochura “ Pontos nos is: a Educação Sexual lá em casa” destina-se a pais, mães e educadores/as em geral. O que se espera dos pais e das mães e dos/as educadores/as em contexto familiar? O que devem saber sobre sexualidade juvenil para poderem conversar com as crianças e adolescentes? Quais as questões mais frequentemente abordadas? Ditos e Não Ditos - Educação Sexual e Parentalidade“Ditos e Não Ditos - Educação Sexual e Parentalidade” foi um projeto desenvolvido pela APF no ano de 2009, dirigido a pais/mães e encarregados/as de educação de crianças e jovens em idade Escolar, como o objectivo de promover a parentalidade positiva e a formação parental, melhorando a comunicação intrafamiliar e reforçando as capacidades dos educadores nas suas funções parentais. No âmbito deste Projeto, desenhou-se um referencial de formação parental, cuja matriz pode ser consultada aqui. APF - Associação para o Planeamento da Família «http://www.apf.pt/educacao-sexual/nas-familias»
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Como é escrever um livro infantil sobre a Carolina, que é surda e cega? Ou fazer as ilustrações sobre o Tiago, que tem paralisia cerebral? É difícil. E é fácil. É o que dizem escritores e ilustradores que foram chamados a contribuir para a colecção “Meninos Especiais”. Vasco Gargalo, ilustrador, pegou num pau de giz e desenhou ao desafio com Martim, num quadro de ardósia. Paula Delecave, designer, pousou a máquina fotográfica, sentou-se no chão e tocou nas mãos e no rosto de Matilde. Luísa Ducla Soares, escritora, passou a tarde numa esplanada a comer gelados e a beber coca-cola com Carolina. Tinham-lhes pedido que usassem o seu talento para construir pontes entre as crianças ditas normais e aqueles meninos com deficiências, mas todos eles descobriram que, primeiro, também eles tinham de as atravessar. “Talvez tenha sido a coisa mais difícil que já fiz”, reflecte a autora de livros infantis e juvenis Alice Vieira.A Alice Vieira costumam perguntar: “Por que é que não escreves sobre o campo?” E ela responde aquilo que considera “ óbvio”: que o que conhece bem é a cidade e não gosta de escrever sobre o que não domina. Fala desta sua “mania” para explicar que tinha boas razões para rejeitar o desafio que lhe foi lançado pela presidente da associação Pais em Rede, Luísa Beltrão. E para sublinhar que, apesar disso, não conseguiu dizer que não ao convite para se reencontrar com João, um menino autista com quem contactara numa outra iniciativa da associação. Objectivo: conhecê-lo melhor e escrever uma história de que ele fosse o protagonista. O livro de Alice Vieira – como os restantes oito, publicados ao ritmo de três por ano – é para crianças. E até à contracapa, em que aparece a fotografia do João e um texto sobre ele sobre o que é o autismo, parece um livro vulgar. “Parece, mas não é. Implicou muito tempo, muito cuidado, o receio de fazer mal, de perturbar os pais, de não conseguir fazer chegar o João aos leitores”, enumera a escritora. A ideia de Luísa Beltrão foi usar as histórias e as ilustrações de pessoas conceituadas para trazer para a luz estas crianças. “Costuma ver pessoas com deficiências no parque infantil? E na esplanada ou no cinema? Mesmo na escola, que agora é obrigatória – estes meninos estão com os seus pares?” A presidente da associação Pais em Rede, ela própria mãe de uma mulher com deficiência, diz que, “salvo raríssimas excepções”, as respostas às suas perguntas são “não”, “não”, “não” e “não”: “Geralmente estas crianças, estes adultos, estão escondidos, vivem escondidos, são invisíveis”. Tornar estes meninos protagonistas de livros de histórias que podem ser lidos pelos alunos das escolas, pelos pais dos colegas de crianças com os mesmos problemas, pelos educadores e professores e até pelos próprios pais das crianças com deficiência, pelos seus familiares e pelos seus amigos, é mais importante do que pode parecer, diz Luísa Beltrão. “É criar pontes para que as pessoas cheguem até elas, e é “revelá-los” “dá-los a ver” sem os preconceitos habituais. “É permitir que todos – mesmos os pais, que muitas vezes vivem numa ilha, demasiado sós com os seus filhos – olhem estas crianças com olhos lavados e limpos, que os vejam como as pessoas que são, com limitações e capacidades, que podem e devem ter amigos e projectos de vida”, explica. Não é um processo fácil. Um ilustrador chegou a conhecer uma das crianças e depois desistiu, sentiu-se incapaz de participar no projecto. Uma mãe aceitou receber o escritor e o ilustrador e depois não deixou que o filho fosse identificado no livro. Não quis que a imagem da criança fosse associada à deficiência. Ao contrário, há quem veja no livro uma espécie de libertação, como Cláudia Mendes, ex-dirigente da Pais em Rede e mãe de Matilde, uma menina que do ponto de vista administrativo acompanha a turma do 4.º ano desde o jardim-de-infância mas na realidade ocupa um espaço especial na escola, a sala de apoio à multideficiência. “Todos os meninos da escola leram o livro e puderam depois visitar e brincar com a Matilde e fazer um desenho sobre o que tinham aprendido sobre ela. De repente os colegas da minha filha começaram a vir ter comigo – um disse que era fã da Matilde, outro que finalmente tinha percebido por que é que ela não fala. Mas, principalmente, todos perceberam que nos dias bons – porque há dias maus – podem brincar com a Matilde”, diz Cláudia.
Matilde, de 9 anos, tem a síndrome de Pitt-Hopkins, uma das doenças designadas como “raríssimas”. “As crianças com esta doença têm dificuldade em aprender. Mas podem ser felizes e sorrir muito. Também podem, no entanto, ter surtos de angústia e outras perturbações de comportamento. É uma vida difícil, mas que nem por isso deixa de poder ser feliz”. É isto que se lê na contracapa do livro de Rui Zink, que Paula Delecave ilustrou. “Foi uma experiência de vida. Tudo, desde o início. Um pouco de medo do que você desconhece, primeiro. E depois aproximar-se. Entrar no quarto dela, o seu mundo. Tirar algumas fotos, perceber que antes de continuar tinha de largar a máquina fotográfica, tocá-la e deixá-la tocar-me, para nos conhecermos”, descreve a designer e ilustradora. No livro usou fotomontagens e colagens “sem paternalismos, mostrando Matilde tal como a viu: “uma menina alegre, com uma relação intrincada com a mãe, que adora o baloiço e para quem ser Matilde, como escreveu o Rui [Zink] é uma aventura”, diz Paula Delecave. Aquele encontro foi tão marcante que a ilustradora colocou-se, literalmente, no livro. Está na página onde Rui Zink dá voz a Matilde: “Essa doença torna difíceis, para mim, coisas que para ti são fáceis. Correr, saltar, brincar no pátio. Até aprender. E falar. Dizer o meu nome. Ou o teu”. A ilustrar, quatro crianças: uma sentada (Matilde), outra a fazer o pino, uma terceira a andar de bicicleta e a última a velejar. Os rostos daqueles corpos de meninos irrequietos são fotografias – uma da própria Paula e as outras de seus familiares em crianças. Ana Ferreira, designer gráfica, também polvilhou o livro escrito por Luísa Ducla Soares com as suas próprias referências. Neste caso, traçando o mapa da viagem que ela própria fez até chegar a Tiago, um menino com paralisia cerebral. "Um exemplo: desenhei uma estante com livros que têm escrito nas lombadas os nomes das estações de metro de Milão. Porque foi lá que me cruzei com a pessoa que me levou até à Luísa Beltrão, que por sua vez me permitiu encontrar o Tiago e viver esta experiência marcante”. Paula Ferreira transformou o lenço com que o pai limpa a boca a Tiago num adorno à cowboy e desenhou o menino tal como o vê e o conhece – “Um rapazinho que está numa cadeira de rodas mas consegue voar – a cavalo ou mesmo sobre uma prancha de surf”. Mas a história é outra. Luísa Ducla Soares ainda falou com a mãe de Tiago, mas acabou por decidir concentrar na personagem várias pessoas com paralisia cerebral que conheceu ao longo da vida. “Cada escritor tem as suas particularidades, as suas vivências, a sua maneira de responder a este desafio”, comenta Luísa Beltrão. Alice Vieira, por exemplo, teve muita dificuldade em comunicar com João, uma criança autista. E se se esforçou. “Convidou-nos a ir a casa dela e ficámos a conversar, enquanto o João andava por ali, a mexer nas coisas e a pô-las a rodopiar”, conta a mãe da criança, Helena Sabino. E Alice Vieira diz: “Eu estava a ouvir a mãe, a vê-lo a brincar, no seu mundo, e a pensar: como é que eu chego até ele? Até que a mãe disse que ele gostava de chapinhar nas poças de água e eu me lembrei de um encontro anterior com o João, também numa acção da Pais em Rede, em que o objectivo era tirar uma fotografia. Estava a ser igualmente difícil, até que passou um avião, eu apontei, ele olhou e por uns momentos – apenas aqueles momentos, uns segundos – eu senti que nos tínhamos encontrado”. Na história, João, por uns segundos apenas, comunica com uma menina que como ele gosta de saltar nas poças de água da chuva. “Não aconteceu e ainda assim é, de alguma forma, verdade – podia ter acontecido”, diz a mãe. Em todos os casos há uma forma de aproximação e em cada uma delas o caminho é diferente e resulta em histórias com diferentes graus de comprometimento com a criança real. Teolinda Gersão, escritora, e Carolina Arbués Moreira, designer, conheceram a mesma Carolina, uma criança surda e cega. Ambas viram como uma heroína aquela menina inteligente que comunica com a mãe através de toques nas mãos, que escolhe a roupa para cada ocasião e a veste sozinha e que participa na vida familiar de forma plena, ajudando, inclusivamente, nas tarefas domésticas. Carolina Arbués Moreira retratou-a como “uma heroína, que é o que ela é”, uma menina de olhos fechados e braços longos, longos, capazes de abarcar o mundo e de o tornar seu. Teolinda Gersão procurou transmitir o que viu de outra forma, mais convencional e também, acredita, mais acessível aos pequeninos leitores. Na história, a menina também uma heroína, acorda com a casa em chamas e dá o alerta que permite que toda a família se salve. Vasco Gargalo, que ilustrou o livro Martim, um menino assim, escrito por José Luís Peixoto, hesitou antes de decidir ser fiel às características físicas das crianças com síndroma de Cornélia Lange, que têm pestanas longas, sobrancelhas tão compridas que tocam uma na outra e o narizinho arrebitado. Depois, ainda mandou o esboço à mãe de Martim. “Disse que faltava ali a vivacidade, o brilho e a alegria do olhar de Martim. E tinha razão. Voltei a desenhar e ela ficou encantada”, conta o ilustrador. Aquela dúvida só chegou depois de se ter encontrado com o rapazinho e de ter desfeito muitas outras. Como agir? Descobriu fazendo. Pegando num pedaço de giz e cobrindo de traços o quadro de ardósia que Martim não distingue das paredes quando desenha “os seus mundos encantados”; e dançando como um louco as músicas que Martim cria na própria cabeça. "Nunca um livro me provocou tantas emoções como este”, diz Vasco Gargalo. Os livros da colecção Meninos Especiais, cuja edição é patrocinada por diversas instituições, não são best-sellers. Não chegam às livrarias, só podem ser adquiridos por encomenda directa (através do endereço electrónico [email protected]) – ainda assim, diz Luísa Beltrão, “já se venderam” 10 mil exemplares. São considerados importantes, mas não menos que os próprios escritores e ilustradores, a quem a experiência modifica e transforma numa espécie de embaixadores da inclusão. É que, no fim, depois de ser difícil, o encontro torna-se fácil, explicam alguns. Vasco costuma estar com Martim, que brinca com o seu filho, Henrique. Ana Ferreira não descansou enquanto não soube se Tiago tinha gostado de se ver com o lenço à cowboy – e gostou, soube pela mãe, com quem fala ao telefone. Carolina Arbués Moreira moveu mundos e fundos para que a menina surda e cega, não fosse a única a não poder “ler e ver” o livro, e conseguiu que o Centro Helen Keller produzisse dois exemplares em braille, com ilustrações em relevo, uma para ela própria, outro para Carolina – “De repente, isso para mim tornou-se essencial. E foi possível devido à generosidade de muitas pessoas. É um feito, o destas crianças: têm a capacidade de juntar as pessoas, de as envolver de as fazer mexer”, descreve Carolina Arbués. Diz que só sabe disso quem as conhece – cada vez mais gente. Graça Barbosa Ribeiro - PÚBLICO «https://www.publico.pt/sociedade/noticia/era-uma-vez-nove-meninos-reais-1721516» O Agrupamento de Escolas Coimbra Centro apresentou hoje seis postais com imagens icónicas da cidade, legendados em língua gestual por cinco crianças surdas do Jardim de Infância de São Bartolomeu. As ilustrações dos postais foram concebidas pelo artista plástico Victor Costa e são acompanhadas por fotografias das crianças a traduzirem para língua gestual portuguesa o nome dos locais retratados.
Os postais (com 100 exemplares de cada um) foram realizados no âmbito do projeto "À Descoberta da Cidade - Coimbra em LGP [língua gestual portuguesa]", que decorre no Jardim de Infância de São Bartolomeu. As cinco crianças surdas do grupo bilingue do jardim-de-infância "visitaram os locais" retratados nos postais, por forma a conseguirem associar o local à sua denominação, explanou a educadora responsável, Lídia Oliveira, que falava aos jornalistas à margem da apresentação das ilustrações, que decorreu hoje à tarde no Café de Santa Cruz. "A memória auditiva [nas crianças surdas] não existe ou é muito ténue. Por outro lado, desenvolvem a memória visual. Portanto, era fundamental ensinar os gestos no local, de forma a reconhecerem o espaço", afirmou. Para isso, as visitas contaram também com uma explicação do contexto e das histórias por detrás dos espaços, para facilitar a associar a imagem ao gesto, referiu Lídia Oliveira. Nos postais, estão retratadas a Tricana, no Quebra Costas, o Café Santa Cruz, a Torre "A Cabra" da Universidade de Coimbra, uma paisagem da cidade, o Mosteiro de Santa Clara a Velha e o Portugal dos Pequenitos. "Como são crianças muito especiais, a leitura do mundo é mais literal e é necessário levá-las aos sítios para entenderem os seus elementos", reforçou Manuela Carvalho, da direção do agrupamento. Segundo Manuela Carvalho, o objetivo passa por fazer mais postais de Coimbra legendados em LGP, bem como disponibilizá-los em diferentes locais da cidade (de momento, apenas estão disponíveis no jardim-de-infância e na sede de agrupamento). Um conjunto de seis postais custa cinco euros e o valor reverte para a realização de mais atividades no exterior das crianças surdas do agrupamento. A impressão dos postais foi financiada pela União de Freguesias de Coimbra. Nuno Noronha - LIFESTYLE/SAPO «http://lifestyle.sapo.pt/familia/noticias-familia/artigos/escolas-de-coimbra-lancam-postais-legendados-em-lingua-gestual» O professor português Carlos Neto não foge a temas polémicos relacionados ao desenvolvimento infantil. Em entrevista por email à Gazeta do Povo, ele fala sobre a importância das brincadeiras de luta entre crianças, vistas como nocivas por pais e especialistas. Professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, o português Carlos Neto não foge a temas polémicos relacionados com o desenvolvimento infantil. Em entrevista por email à Gazeta do Povo, ele fala sobre diversos temas, em cinco capítulos que iremos publicar em nosso site, um por semana, relacionados com os desafios da formação das crianças de hoje. Neste primeiro trecho da entrevista, ele fala da importância das brincadeiras de luta entre crianças, ainda hoje vistas como nocivas por pais e especialistas:
Como os jogos influenciam a formação das crianças? O processo de desenvolvimento humano ocorre entre duas dinâmicas opostas e complementares: a procura de proximidade (segurança) e a necessidade progressiva de distanciamento (autonomia). As crianças menores procuram afeto e as mais velhas independência. Este é um fenómeno que acontece em quase todas as espécies animais. Trata-se de uma questão de sobrevivência e de aquisição de ferramentas muito úteis para se tornar adulto. Este mecanismo adaptativo é ainda mais particular no ser humano por ter uma infância relativamente longa e necessitar assegurar a sua sobrevivência através de uma relação muito complexa entre mudanças que ocorrem no seu corpo e no seu ambiente. O desenvolvimento do jogo e da motricidade permite uma conquista progressiva de autonomia do homem através de referências biológicas e culturais. As brincadeiras de luta também são importantes na infância? Elas são uma das mais fascinantes linguagens do corpo numa perspectiva evolutiva. Os comportamentos de jogo de luta a brincar (play-fighting), jogo de perseguição e caça (play-chasing) e jogo de luta a sério (real-fighting) têm sido largamente estudados no comportamento animal e humano. Todas as crianças saudáveis têm necessidade de brincar às lutas ou a jogos de perseguição. São atividades ancestrais que devem fazer parte das culturas lúdicas na infância. É correto os pais proibirem as lutas? O contacto físico através dessas brincadeiras e a consequente perseguição, são comportamentos que não devem ser proibidos. Pelo contrário, devem ser implementados entre pais e filhos em casa, entre as crianças no recreio ou em jogo livre nos espaços exteriores. Reprimir este tipo de brincadeira é um erro estratégico do ponto de vista educativo e terapêutico. No entanto, devemos ter atenção quando assistimos a lutas a sério de forma repetida em crianças (principalmente nos recreios escolares), porque isso pode denotar comportamentos de “bullying”. Como os brinquedos bélicos podem interferir no desenvolvimento? Se as famílias e as escolas não fornecerem brinquedos bélicos às crianças, elas terão a ocasião de encontrar objetos que imitarão esse tipo de brincadeira. Estes brinquedos bélicos naturais, artesanais ou industriais (como a maior parte dos jogos de guerra eletrónicos) são fundamentais para o desenvolvimento motor, cognitivo e social da criança. Elas brincam à guerra (faz-de-conta) de forma simbólica e adquirem várias competências muito importantes: noção de ataque, defesa, território, fuga, simulação, sobreviver, morrer. As lutas não estimulariam comportamentos agressivos? Estas formas de brincar são muito importantes durante a infância e uma estratégia decisiva em interiorizar e humanizar os impulsos agressivos que fazem parte da natureza humana. As nossas pesquisas têm vindo a demonstrar que os jogos de luta e a utilização de brinquedos bélicos têm um estereótipo predominantemente masculino e não se verificaram nas crianças estudadas alterações ou aumento de comportamentos antissociais ou agressivos entre pares. Devemos ainda lembrar que os brinquedos bélicos têm uma existência muito significativa em todos os estudos realizados em pesquisas etnográficas sobre jogos tradicionais na infância, em diversos continentes e culturas. Existem muitos benefícios no desenvolvimento da criança na utilização destes objetos lúdicos, apesar da polémica científica e pedagógica ainda existente sobre o papel nocivo dos brinquedos bélicos. Adriano Justino exclusivo para Gazeta do Povo «https://criancasatortoeadireitos.wordpress.com/2016/01/01/criancas-devem-lutar-entrevista-carlos-neto/» Além das complicações na vida dos filhos, como dificuldade de socialização e insegurança, deixar a criança comandar a dinâmica familiar pode prejudicar – e muito – o casal As atividades da família são definidas em função dos filhos, assim como o cardápio de qualquer refeição. As músicas ouvidas no carro e os programas assistidos na televisão precisam acompanhar o gosto dos pequenos, nunca dos adultos. Em resumo, são as crianças que comandam o que acontece e o que deixa de acontecer em casa. Quando isso acontece e elas já têm mais de dois anos de idade, é hora de acender uma luz de alerta. Eis aí um caso de infantolatria.
“O processo de mudança nos conceitos de família iniciado no século 18 por Jean-Jacques Rousseau [filósofo suíço, um dos principais nomes do Iluminismo] chegou ao século 20 com a ‘religião da maternidade’, em que o bebê é um deus e a mãe, uma santa. Instituiu-se o que é uma boa mãe sob a crença de que ela é responsável e culpada por tudo que acontece na vida do filho, tudo que ele faz e fará. Muitos afirmam que a mulher venceu, pois emancipou-se e foi para o mercado de trabalho, mas não: é a criança que entra no século 21 como a vitoriosa. Esta é a semente da infantolatria”, explica a psicanalista Marcia Neder, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Psicanálise e Educação da Universidade de São Paulo (Nuppe-USP) e autora do livro “Déspotas Mirins – O Poder nas Novas Famílias”, da editora Zagodoni. Em poucas palavras, Marcia define infantolatria como “a instituição da mãe como súdita do filho e o adulto se colocando absolutamente disponível para a criança”. E exime os pequenos de qualquer responsabilidade sobre o quadro: “Um bebê não tem poder para determinar como será a dinâmica familiar. Se isso acontece, é porque os pais promovem”. Reinado curto A verdade é que existe um período em que os filhos podem reinar na família, mas ele é curto. “Quando o bebê nasce e chega em casa, precisa ser colocado no centro das ações, pois precisa ser decifrado, entendido. Ele deve perder o trono no final do primeiro, no máximo ao longo do segundo ano de vida, para entender que existe o outro, com necessidades e vontades diferentes das dele”, esclarece Vera Blondina Zimmermann, psicóloga do Centro de Referência da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A infantolatria ganha espaço quando os pais não sabem ou não conseguem fazer essa adequação da criança à realidade que a cerca e a mantêm no centro das atenções por tempo indefinido. “Em uma família com relacionamento saudável, o filho entra e tem que ser adaptado à dinâmica da casa, à rotina dos adultos”, afirma a psicóloga. Segurança ou insegurança? Na casa da analista contábil Paula Torres, é ao redor de Luigi, de cinco anos, que tudo acontece. Entre os privilégios do garoto estão definir o canal em que a TV fica ligada e o dia do fim de semana em que será servida pizza no jantar. “Acho importante a criança se sentir amada e saber que suas vontades são relevantes para a família”, opina. Ela conta que seu marido, o também analista contábil Luiz André Torres, não gosta muito disso e constantemente reclama que o filho é mimado demais. “Mas bato o pé e defendo essa proteção. Quando o Luigi crescer, será mais seguro para lidar com os adultos, já que suas opiniões são levadas em consideração pelos adultos com quem ele convive desde já”, acredita. Não é o que as especialistas dizem. “Se o filho fica no nível dos pais, acaba criando para si uma falsa sensação de poder e autonomia que, em um momento mais adiante, se traduzirá em uma profunda insegurança. Ele sentirá a falta de uma referência forte de segurança de um adulto em sua formação”, explica Vera. Marcia diz ainda que, ao chegar à idade adulta, esse filho cobrará os pais. “Ele olhará ao redor e verá outras pessoas se realizando independentemente dele. A criança que acha que o mundo tem que parar para ela passar não consegue imaginar isso acontecendo e não está preparada para lidar com a mínima das frustrações. Em algum ponto, acusará os pais de terem sido omissos”. Para Vera, supervalorizar os pequenos e nivelá-los aos adultos “é o resultado de uma projeção narcísica dos pais nos filhos, que se veem nas qualidades que enxergam em suas crianças”. Marcia concorda: “Isso tudo tem a ver com a vaidade da mãe, que considera aquele filho uma parte melhorada dela própria e, por isso, a criatura mais importante do mundo”. Os alertas do dia a dia Muitas vezes, os pais não se dão conta de que estão tratando os filhos como reis ou rainhas, então precisam levar uns chacoalhões da realidade fora de suas casas. “Eles geralmente caem em si quando começa a sociabilização. A escola reclama porque o aluno não respeita as regras, a criança tem dificuldade para fazer amiguinhos porque as outras, com autoestima positiva, não querem ficar perto de alguém que ache que manda em todos”, aponta Vera. “Em um futuro bem imediato, as reações dos colegas podem fazer a criança perceber que precisa mudar. Ela se comportará com eles como faz com a família e receberá a não-aceitação como resposta. Terá de lidar com isso para ter amigos”, afirma Marcia. Mesmo assim, ela ainda correrá o risco de não conseguir rever seus comportamentos devido a uma superproteção parental, adverte Vera: “Em alguns casos dá para ela se salvar, mas muitos pais preferem culpar o ‘mundo injusto com seu filho perfeito’, o que impede que ela entenda as necessidades dos outros e reforça seus problemas de inadequação para a adaptação social”. E como fica o casal? Além de todas as complicações causadas pela infantolatria na vida dos filhos, ela prejudica – e muito – o casal que a promove. “Na relação saudável, o casal continua sendo o mais importante na família mesmo com a chegada da criança. Se os pais mantêm o filho no centro por mais tempo do que o necessário, acabarão se afastando”, alerta Vera. “Some o casal. O ‘marido’ e a ‘mulher’ passam a ser o ‘pai’ e a ‘mãe’. E se em uma casa a mãe é a santa e o filho é o deus, onde fica o espaço do pai?”, questiona Marcia. “Muitos tentam entrar, reconquistar seu espaço, mas outros simplesmente caem fora”, constata. O futuro da infantolatria Sabendo disso tudo, os pais têm condições de se preparar para evitar os estragos na criação dos filhos. Marcia conta que percebe que as pessoas têm encontrado em sua análise uma saída para a tirania infantil. “Não sou adivinha, mas creio que o novo arranjo familiar, em que os pais também assumem funções na criação dos filhos e as mães seguem carreiras por prazer, vá ajudar a mudar o panorama, assim como os arranjos homoparentais que começam a ser mais comuns”, diz, para complementar: “Creio que todos os comportamentos continuarão existindo, mas temos a obrigação de trabalhar para reverter esse quadro. O filho não é o centro porque quer, mas porque o adulto permite”. Vera enxerga o futuro da situação de forma um pouco diferente. “Nossa sociedade é muito apressada e, no geral, não dá espaço para a preocupação com o outro. Isso tende a potencializar esse tipo de problema, a naturalizar para a criança o fato de que ela é o que mais importa, como aprendeu em casa com o comportamento dos pais em relação a ela”, finaliza. Raquel Paulino - especial para o IG S. Paulo «https://criancasatortoeadireitos.wordpress.com/2015/07/30/infantolatria-as-consequencias-de-deixar-a-crianca-ser-o-centro-da-familia/» |