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Entrevista com o filósofo Mario Sergio Cortella concedida à Revista Crescer onde ele deixou claro que o grande desafio da atualidade é acompanhar as transformações para não ficar para trás. Sim, estamos vivendo um tempo de reviravoltas sem precedentes: na tecnologia, no trabalho, nas relações. Nesse contexto, mudar não é apenas imprescindível, mas inevitável. Principalmente quando se fala em educação. Como essa mudança tão veloz de paradigmas tem afetado a forma como os pais criam os filhos?
“Uma parte das famílias acabou perdendo um pouco a referência dada à velocidade das mudanças e à rarefação do tempo de convivência com as crianças. Isso fez com que muitas acabassem terceirizando o contato com os filhos e delegando à escola aquilo que é originalmente de sua responsabilidade. Só que isso perturba a formação das novas gerações. É claro que criar pessoas dá trabalho e exige esforço. Acontece que, no meio de todas essas mudanças, alguns pais e mães ficam desorientados. Por isso, é necessário que eles encontrem apoio, em livros, revistas, grupos de discussão. Não é só a educação dos filhos que é necessária, mas a dos pais também”. Ao mesmo tempo que muitas famílias terceirizam os cuidados, há um movimento de mães e pais largando a carreira para se dedicar exclusivamente aos filhos, não?“Claro. Uma das coisas mais importantes na vida é entender que a palavra prioridade não tem “s”. Não tem plural. Se você disser: “tenho duas prioridades” é porque não tem nenhuma. Então, deve estabelecer qual é a sua prioridade. Sua prioridade é o convívio familiar? Então dê força a isso. É a sustentação econômica? Vá fundo. Só que, ao escolher, não sofra. É evidente que ninguém precisa abandonar a carreira em função da família, mas é necessário buscar o equilíbrio – da mesma forma como se faz para andar de bicicleta: só há equilíbrio em movimento. Se você parar, desaba. Tenha em mente que haverá momentos em que a família é o foco. Em outros, a carreira. Mas lembre-se de que a vida é mais como maratona do que como uma corrida de 100 metros rasos: você não sai disparado feito um louco. Tem horas que vai mais rápido, outras em que desacelera. O segredo é ir dosando”. Você diz que, em um mundo de mudanças, nem tudo o que é antigo é velho. Como saber o que está ultrapassado na criação dos filhos?“No convívio familiar, uma coisa que é antiga, mas não é velha, é o respeito recíproco. Outra é a capacidade de o adulto saber que a criança é “subordinada” a ele, ou seja, que está sob as suas ordens. O pai não pode se tornar refém de alguém que ele orienta e cria. Agora, uma coisa que é velha e que deve ser descartada é o autoritarismo, a agressão física, o modo de ação que acaba produzindo algum tipo de crueldade. Isso é velho e é necessário, sim, mudar. Na relação de convivência em família é preciso modificar aquilo que é arcaico. O que não dá para perder é a honestidade, a afetividade e a gratidão. Tudo isso vem do passado e tem que continuar”. E como os pais podem construir essa autoridade sem autoritarismo?“O pai e a mãe têm que saber que ele ou ela é a autoridade. Ao abrir mão disso, há um custo. Quem se subordina a crianças e jovens, e têm sobre eles alguma responsabilidade, está sendo leviano”. Mas você acha que dá para ser amigo dos filhos?“Claro. O que não pode é ser íntimo no sentido de perder a sua autoridade. Eu tenho amizade com os meus alunos, mas isso não retira a autoridade nem a responsabilidade que eu tenho sobre eles como professor. Há uma frase que precisa ser deixada de lado que diz que ‘o amor aceita tudo’. Isso é uma tolice. O amor inteligente, o amor responsável é capaz de negar o que deve ser negado. A frase certa é: ‘Porque eu te amo é que eu não aceito isso de você’. O amor que tudo aceita é leviano, irresponsável”. Atualmente, se joga muita responsabilidade na escola. Qual é o limite entre os deveres dos pais e dos professores na educação das crianças?“É uma coisa estranha: a escola fica quatro ou cinco horas com as crianças, em um dia que tem 24 horas, com 30 alunos juntos. É um estabelecimento que deve ensinar a educação para o trabalho, educação para o trânsito, educação sexual, educação física, artística, religiosa, ecológica e ainda português, matemática, história, geografia e língua estrangeira moderna. Supor que uma instituição com essa carga de atividade seja capaz de dar conta daquilo que uma mãe ou um pai é que tem que ensinar a um filho ou dois é não entender direito o que está acontecendo. A função da escola é a escolarização: é o ensino, a formação social, a construção de cidadania, a experiência científica e a responsabilidade social. Mas quem faz a educação é a família. A escolarização é apenas uma parte do educar, não é tudo. Já tem personal trainer, personal stylist, agora querem personal father, personal mother. Não dá, é inaceitável”. Por outro lado, os pais interferem demais na escola?“Há uma diferença entre interferir e participar. A escola tem que ser aberta à participação. Quando há uma interferência é sinal de que está mal organizado. O que acontece nas escolas particulares, que são minoria e representam apenas 13% do total, é que muita gente não lida mais com a relação família versus escola como parceria. É mais como se fosse um relacionamento regido pelo Código do Consumidor, como um cliente, como se o ensino fosse o mesmo que a aquisição de um carro. Essa relação é estranha e precisa ser rompida”. A educação de gênero tem gerado repercussão no meio escolar. Como você acha que as escolas devem abordar esse tema?“Uma sociedade que não é capaz de atender à diversidade que a vida coloca é uma sociedade tola. É preciso lembrar que a natureza daquilo que é macho e fêmea está na base biológica, mas o gênero se constrói na convivência social. O macho e a fêmea vêm da biologia. Mas o que define masculino e feminino é aquilo que vai se construindo no dia a dia. Por isso a escola tem que trazer o tema. É claro que não vai incentivar uma discussão que seja precoce para crianças de 8, 9, 10 anos. Mas também não vai fazer com que aquele que é diferente seja entendido como estranho. Aquele que é diferente é apenas diferente, não é estranho. Nessa hora, é tarefa da escola acolher. Se a família não concorda e a escola é privada, mude a criança de escola. Agora, se for uma instituição pública, é um dever constitucional e republicano admitir a diversidade”. Portal Raízes - Naíma Saleh «http://www.portalraizes.com/educar-tambem-os-pais-mario-sergio-cortella/»
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Há um lugar onde se misturam crianças e adultos para folhear livros e ouvir contar histórias. Era uma vez um capuchinho na barriga do lobo... E um monstro pouco assustador. Era uma vez um quadrado que não conseguia entrar pela porta redonda. Outra vez era um sapo… Não! Era um pinguim. Afinal, eram dois! Era uma vez uma livraria envidraçada onde o sol batia até ser noite. E onde as crianças entravam, depois da escola, de mãos dadas com os avós. PÁRA! (lê. escuta. conta.) Assim se chama esse lugar. Não é magia. Existe mesmo! As portas deixam entrar os adultos acompanhados por crianças. Lá dentro há de tudo, como na mercearia.
Sessões de contos, teatro e música. Os mais corajosos podem ousar aprender a narrar histórias. Os outros podem ouvi-las contar por quem sabe. Quem “perde” cinco minutos para entrar, ganha sem gastar um tostão dois sorrisos. Um de Teresa Cunha, outro de Clara Haddad. As anfitriãs do espaço literário e cultural, que torna a Rua de António Patrício, no Porto, um local de paragem obrigatória para miúdos e mais crescidos. Prateleiras baixinhas, mesmo à mão de semear, com livros a pedirem para serem tocados. O contacto com a livraria foi pensado para ser uma experiência tátil. “As crianças entram e vão pegando”, explica Clara, a mulher dos sete instrumentos. Formadora na área da narração, contadora de histórias, atriz e amiga da “engenheira” Teresa que trocou o diploma pela literatura e fundou a livraria “Salta Folhinhas” que, agora, faz parte do PÁRA. Voltando ao início, porque é assim que as histórias começam… Quando Teresa quis abrir a livraria, no ano de 2004, falou com outros livreiros que lhe diziam que as crianças estragavam tudo. Mas a verdade é que não é como lhe diziam: “Estragam se os adultos deixarem.” Vai daí, Teresa reconhece às crianças o direito de folhear: “Todos temos necessidade de tocar. Ninguém vê só com os olhos!” Além de vender livros, as “donas” da livraria são peritas em dá-los a conhecer. Fazem o mesmo com as histórias. Por trás do balcão, bem camuflado, há um palco. Quem sobe tem de encantar miúdos e graúdos. A “Sexta dos Contos” é dirigida aos adultos e acontece por volta das 22h00, na segunda sexta-feira de cada mês. As crianças têm as tardes de sábado e domingo para sentar e ouvir. Isto, se a narração lhes interessar. Sendo um “público muito mais exigente” do que os adultos, explica Clara, o desafio para as manter “coladas” é bem maior. “Para as crianças não há o politicamente correto, se não gostam vão demonstrar…” Os pais podem aproveitar a hora do conto para outros fins. “Assistir a um espetáculo é uma forma de ensinar as crianças a se comportarem”, explica Clara. “Às vezes os pais têm receio de trazer as crianças por estas se portarem mal, mas enganam-se, normalmente portam-se bem”, completa Teresa. Para evitar dramas, os espetáculos são adequados ao tempo que, em cada idade, a criança aguenta estar sentada ou quieta. Contadores profissionais Paixão de contar histórias e dedicação são ingredientes que fazem a magia do contador de histórias. Sem esquecer as técnicas de comunicação. Como Clara Haddad não se cansa de dizer, “o jeito não salva o espetáculo”! Quem quiser aprender tem sempre vaga na Escola de Narração Itinerante. No Porto, as aulas acontecem no PÁRA. Mas ninguém para a Clara, que percorre o país, em vários momentos do ano, a ministrar todos os tipos de cursos de narração. Uns mais breves, em que os alunos ficam com a ideia do que é a narração tradicional. E das opções literárias: quem são os autores e como os trabalhar? Outros mais longos, em que a abordagem passa por ajudar a pessoa a perceber que tipo de narrador é. Ou que histórias gosta de contar. E como se pode trabalhar o conto dando um cunho pessoal. “Contar histórias não é repeti-las como o papagaio”, explica Clara, é antes descobrir tempos de fala e fazer uma boa seleção das histórias consoante o público. “Uma má seleção pode ser o princípio do fim do espetáculo.” Outro ingrediente para o sucesso é conseguir narrar num ritmo que mantenha o público atento. “Isso é o mais difícil de conseguir”, avisa Teresa Cunha, no entanto, “qualquer pessoa pode aprender”, tranquiliza Clara. Os contos entretêm. E até podem ter uma função terapêutica. Clara acredita no seu potencial para ajudar crianças e adultos a lidarem com algumas situações da vida real. “Não se trata de usar o conto para mostrar a moral da história, mas simplesmente deixar as metáforas da história atuar como um bálsamo.” Quando as histórias emocionam a plateia reage. As mães choram. Os pais tossem. As crianças dão risos matreiros. E se a história meter medo? Há que contá-la, sem receios, defende Teresa. “Ter medo não é mau. O medo protege, alerta-nos. Só não nos pode é tolher!” Pinceladas de eufemismos O Lobo mau já não come a Avozinha. Agora é quase vegetariano. Muitos contos vendem-se em edições retocadas com pinceladas de eufemismos. Mas há boas histórias sem brilhos e maravilhas. A morte e a pobreza fazem parte dos contos tradicionais, tantas vezes censurados pelos adultos. Que receiam macular a infância às crianças. Como contadora de histórias, Clara Haddad vê boa literatura infantil ser banida por falar de temas “menos cor-de-rosa” e fica furiosa. “Atualmente a nossa sociedade põe um filtro em certos contos com a ideia de que está a proteger as crianças, mas ninguém as protege das notícias horrendas que passam na televisão.” Sim, há temas difíceis de contar. Talvez porque retratam realidades. Histórias sobre crianças abandonadas, como a de Hansel e Gretel, fizeram parte do imaginário de muitos adultos. Poucos são os que se atrevem a contá-las. “Se deixarmos as crianças perceberem que há pais que abandonam os filhos, elas vão criar a ideia do que não deve nunca ser feito”, defende Teresa Cunha. “Um conto é muito mais forte do que qualquer conceito que os pais queiram transmitir em forma de lição de moral ou de conversa muito séria.” “Fast-food da literatura infantil” A dieta literária é tão importante como a alimentar. Zero gordura. Zero açúcar. O critério pode ser aplicado na escolha de livros para as crianças. As duas nutricionistas das letras aconselham os pais a “evitar o fast-food da literatura para crianças”. “Normalmente os brilhos não estão nos melhores livros, mas atraem as crianças”, reflete Teresa Cunha. Ainda assim, se esta for a primeira escolha há que respeitar. Não vale entrar na livraria, dizer à criança escolhe o que quiseres e depois vetar a escolha com um simples: “Esse não presta!” “Ao ouvir uma história sem pés nem cabeça a criança também vai sentir que aquilo não é assim tão interessante”, diz Teresa que recomenda, por isso, aos pais que confiem no gosto dos mais pequenos. Depois de uma história “mal contada”, gera-se a oportunidade de levar para casa boas histórias para contar. Quando a história é “a tal”, os pais podem esperar ter de a repetir vezes sem fim. Quem faz de contar histórias um modo de vida, como Clara Haddad, sabe que noite após noite a ler o mesmo livro é um quase um castigo. “Muitos pais chegam à livraria e pedem outros livros. Reclamam que estão fartos de ler a mesma coisa. Mas se a criança pede a história, uma, duas, três vezes, é porque gosta mesmo!” Periodicamente, a Escola de Narração Itinerante transforma o PÁRA num espaço para workshops, dirigidos a pais, avós e tios, sobre como escolher os livros mais indicados e contar tantas histórias quantas os mais pequenos pedirem. Todos os domingos, Clara fica ligada na sua página da Internet www.clarahaddad.com e em direto entrevista escritores, ilustradores, conversa sobre livros... E dá conselhos sobre como contar histórias. O mais importante deles, garante Clara, é o compromisso assumido com a criança. Que ninguém falte com a promessa de que vai ler um livro. “Às vezes é complicado. Os pais chegam cansados do trabalho… Mas contar uma história é dar afeto,” lembra Clara. E, afinal, é só pegar no livro e pôr a criança no colo. Andreia Lobo - EDUCARE «http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=116787&langid=1» |