|
|
Há um lugar onde se misturam crianças e adultos para folhear livros e ouvir contar histórias. Era uma vez um capuchinho na barriga do lobo... E um monstro pouco assustador. Era uma vez um quadrado que não conseguia entrar pela porta redonda. Outra vez era um sapo… Não! Era um pinguim. Afinal, eram dois! Era uma vez uma livraria envidraçada onde o sol batia até ser noite. E onde as crianças entravam, depois da escola, de mãos dadas com os avós. PÁRA! (lê. escuta. conta.) Assim se chama esse lugar. Não é magia. Existe mesmo! As portas deixam entrar os adultos acompanhados por crianças. Lá dentro há de tudo, como na mercearia.
Sessões de contos, teatro e música. Os mais corajosos podem ousar aprender a narrar histórias. Os outros podem ouvi-las contar por quem sabe. Quem “perde” cinco minutos para entrar, ganha sem gastar um tostão dois sorrisos. Um de Teresa Cunha, outro de Clara Haddad. As anfitriãs do espaço literário e cultural, que torna a Rua de António Patrício, no Porto, um local de paragem obrigatória para miúdos e mais crescidos. Prateleiras baixinhas, mesmo à mão de semear, com livros a pedirem para serem tocados. O contacto com a livraria foi pensado para ser uma experiência tátil. “As crianças entram e vão pegando”, explica Clara, a mulher dos sete instrumentos. Formadora na área da narração, contadora de histórias, atriz e amiga da “engenheira” Teresa que trocou o diploma pela literatura e fundou a livraria “Salta Folhinhas” que, agora, faz parte do PÁRA. Voltando ao início, porque é assim que as histórias começam… Quando Teresa quis abrir a livraria, no ano de 2004, falou com outros livreiros que lhe diziam que as crianças estragavam tudo. Mas a verdade é que não é como lhe diziam: “Estragam se os adultos deixarem.” Vai daí, Teresa reconhece às crianças o direito de folhear: “Todos temos necessidade de tocar. Ninguém vê só com os olhos!” Além de vender livros, as “donas” da livraria são peritas em dá-los a conhecer. Fazem o mesmo com as histórias. Por trás do balcão, bem camuflado, há um palco. Quem sobe tem de encantar miúdos e graúdos. A “Sexta dos Contos” é dirigida aos adultos e acontece por volta das 22h00, na segunda sexta-feira de cada mês. As crianças têm as tardes de sábado e domingo para sentar e ouvir. Isto, se a narração lhes interessar. Sendo um “público muito mais exigente” do que os adultos, explica Clara, o desafio para as manter “coladas” é bem maior. “Para as crianças não há o politicamente correto, se não gostam vão demonstrar…” Os pais podem aproveitar a hora do conto para outros fins. “Assistir a um espetáculo é uma forma de ensinar as crianças a se comportarem”, explica Clara. “Às vezes os pais têm receio de trazer as crianças por estas se portarem mal, mas enganam-se, normalmente portam-se bem”, completa Teresa. Para evitar dramas, os espetáculos são adequados ao tempo que, em cada idade, a criança aguenta estar sentada ou quieta. Contadores profissionais Paixão de contar histórias e dedicação são ingredientes que fazem a magia do contador de histórias. Sem esquecer as técnicas de comunicação. Como Clara Haddad não se cansa de dizer, “o jeito não salva o espetáculo”! Quem quiser aprender tem sempre vaga na Escola de Narração Itinerante. No Porto, as aulas acontecem no PÁRA. Mas ninguém para a Clara, que percorre o país, em vários momentos do ano, a ministrar todos os tipos de cursos de narração. Uns mais breves, em que os alunos ficam com a ideia do que é a narração tradicional. E das opções literárias: quem são os autores e como os trabalhar? Outros mais longos, em que a abordagem passa por ajudar a pessoa a perceber que tipo de narrador é. Ou que histórias gosta de contar. E como se pode trabalhar o conto dando um cunho pessoal. “Contar histórias não é repeti-las como o papagaio”, explica Clara, é antes descobrir tempos de fala e fazer uma boa seleção das histórias consoante o público. “Uma má seleção pode ser o princípio do fim do espetáculo.” Outro ingrediente para o sucesso é conseguir narrar num ritmo que mantenha o público atento. “Isso é o mais difícil de conseguir”, avisa Teresa Cunha, no entanto, “qualquer pessoa pode aprender”, tranquiliza Clara. Os contos entretêm. E até podem ter uma função terapêutica. Clara acredita no seu potencial para ajudar crianças e adultos a lidarem com algumas situações da vida real. “Não se trata de usar o conto para mostrar a moral da história, mas simplesmente deixar as metáforas da história atuar como um bálsamo.” Quando as histórias emocionam a plateia reage. As mães choram. Os pais tossem. As crianças dão risos matreiros. E se a história meter medo? Há que contá-la, sem receios, defende Teresa. “Ter medo não é mau. O medo protege, alerta-nos. Só não nos pode é tolher!” Pinceladas de eufemismos O Lobo mau já não come a Avozinha. Agora é quase vegetariano. Muitos contos vendem-se em edições retocadas com pinceladas de eufemismos. Mas há boas histórias sem brilhos e maravilhas. A morte e a pobreza fazem parte dos contos tradicionais, tantas vezes censurados pelos adultos. Que receiam macular a infância às crianças. Como contadora de histórias, Clara Haddad vê boa literatura infantil ser banida por falar de temas “menos cor-de-rosa” e fica furiosa. “Atualmente a nossa sociedade põe um filtro em certos contos com a ideia de que está a proteger as crianças, mas ninguém as protege das notícias horrendas que passam na televisão.” Sim, há temas difíceis de contar. Talvez porque retratam realidades. Histórias sobre crianças abandonadas, como a de Hansel e Gretel, fizeram parte do imaginário de muitos adultos. Poucos são os que se atrevem a contá-las. “Se deixarmos as crianças perceberem que há pais que abandonam os filhos, elas vão criar a ideia do que não deve nunca ser feito”, defende Teresa Cunha. “Um conto é muito mais forte do que qualquer conceito que os pais queiram transmitir em forma de lição de moral ou de conversa muito séria.” “Fast-food da literatura infantil” A dieta literária é tão importante como a alimentar. Zero gordura. Zero açúcar. O critério pode ser aplicado na escolha de livros para as crianças. As duas nutricionistas das letras aconselham os pais a “evitar o fast-food da literatura para crianças”. “Normalmente os brilhos não estão nos melhores livros, mas atraem as crianças”, reflete Teresa Cunha. Ainda assim, se esta for a primeira escolha há que respeitar. Não vale entrar na livraria, dizer à criança escolhe o que quiseres e depois vetar a escolha com um simples: “Esse não presta!” “Ao ouvir uma história sem pés nem cabeça a criança também vai sentir que aquilo não é assim tão interessante”, diz Teresa que recomenda, por isso, aos pais que confiem no gosto dos mais pequenos. Depois de uma história “mal contada”, gera-se a oportunidade de levar para casa boas histórias para contar. Quando a história é “a tal”, os pais podem esperar ter de a repetir vezes sem fim. Quem faz de contar histórias um modo de vida, como Clara Haddad, sabe que noite após noite a ler o mesmo livro é um quase um castigo. “Muitos pais chegam à livraria e pedem outros livros. Reclamam que estão fartos de ler a mesma coisa. Mas se a criança pede a história, uma, duas, três vezes, é porque gosta mesmo!” Periodicamente, a Escola de Narração Itinerante transforma o PÁRA num espaço para workshops, dirigidos a pais, avós e tios, sobre como escolher os livros mais indicados e contar tantas histórias quantas os mais pequenos pedirem. Todos os domingos, Clara fica ligada na sua página da Internet www.clarahaddad.com e em direto entrevista escritores, ilustradores, conversa sobre livros... E dá conselhos sobre como contar histórias. O mais importante deles, garante Clara, é o compromisso assumido com a criança. Que ninguém falte com a promessa de que vai ler um livro. “Às vezes é complicado. Os pais chegam cansados do trabalho… Mas contar uma história é dar afeto,” lembra Clara. E, afinal, é só pegar no livro e pôr a criança no colo. Andreia Lobo - EDUCARE «http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=116787&langid=1»
0 Comments
Leave a Reply. |