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Na última reportagem sobre as escolas de referência em Portugal fomos saber o que privilegiar na hora de escolher a escola para os filhos? Para muitos pais, a única opção é inscrever as crianças no estabelecimento de ensino mais próximo de casa, mas há quem tenha em conta outros fatores. Joana Cascais, que matriculou a filha no pré-escolar, guiou-se pelas boas referências que tinha do Centro Social e Paroquial da Vera Cruz, em Aveiro. Já Ana Tavares, escolheu as escolas de 1.º ciclo mais pequenas e com ATL na zona de Albufeira. Alzira Cavaca e Sofia Canas optaram por manter os filhos nas mesmas escolas, perto dos amigos dos estudantes e onde também podem contar com o suporte familiar. No pré-escolar, o que importa são as pessoas Aveiro. Francisca, de 3 anos, mudou-se há duas semanas de uma creche em Esgueira, que frequentava desde os 4 meses, para a do Centro Social Paroquial Vera Cruz (CSPVC), em Aveiro, a fim de assegurar vaga no pré-escolar daquela instituição. Ainda está na fase de adaptação. "Hoje chorou, mas já tinha passado três ou quatro dias sem chorar. Não contava fazer a mudança já, mas é importante para ela sair da sua zona de conforto", diz ao DN a mãe. Na altura de decidir se a filha continuava ou não em Esgueira, Joana Cascais optou por seguir os conselhos de amigos e de outras pessoas conhecidas. "Tinha muito boas referências da Vera Cruz no que diz respeito à parte humana. Guio-me mais por isso do que pelas instalações." Não existiam vagas, mas houve uma desistência. Joana agradece. "Fiz uma pesquisa sobre a oferta pública, mas sei que há muita dificuldade de entrada e também não tinha referências. Da Vera Cruz, que é uma IPSS, tinha muito boas referências." São as educadoras e auxiliares que vão passar grande parte do dia com a Francisca. "Vão ajudar--me na educação e na formação dela, na transmissão de valores, regras de cidadania, de vivência em grupo, na parte da alimentação e no desenvolvimento de toda a parte cognitiva", destaca. O pré-escolar do CSPVC funciona num edifício de origem senhorial, no centro da cidade de Aveiro. Joana conhece a creche, mas ainda não visitou a valência do pré--escolar. "Tenho noção de que terá condições, mas vou sempre pela parte humana. O que importa é se são pessoas cuidadas, com vontade de ensinar, com gosto pela profissão." A expectativa, adianta, é que haja "muita ajuda e uma boa comunicação entre os pais e a comunidade educativa". A ideia de que a componente humana é a mais importante é partilhada pela psicóloga Ana Gomes. No pré-escolar, a docente da Universidade Autónoma de Lisboa considera que a escola deve ter "boas condições físicas, boas salas, com luz, bom espaço e materiais necessários" e as turmas não devem ter um número excessivo de crianças. Mas, tal como Joana, a investigadora considera que o mais importante "são as características humanas da escola, as competências relacionais da educadora e das auxiliares". São estas que "fazem com que a criança goste e sinta a escola como um espaço positivo, emocionalmente seguro, apelativo, interessante e que fazem que o gostar de "ir à escola" se comece a desenvolver e a intensificar-se". Quando a prioridade é uma escola pequena Algarve. Escolher a escola mais próxima de casa pode ser uma prioridade para muitos pais, mas a distância nunca foi uma preocupação para Ana Tavares. "A minha prioridade era que fosse uma escola pequena e que tivesse ATL, porque o horário da escola primária não costuma ser compatível com o nosso", explicou ao DN a jornalista, de 40 anos, que inscreveu o filho, Afonso, no 1.º ano do 1.º ciclo. No momento da matrícula, Ana teve de escolher três escolas. Se o filho entrar na primeira, Albufeira 1, fica a dois quilómetros de casa. "Neste momento, está numa escola que tem primária, mas o funcionamento não me agrada muito, daí a mudança", justifica. Afonso é uma criança "muito esperta e muito curiosa", pelo que a mãe não via vantagens em "misturá-lo com miúdos mais velhos", como acontece nas escolas básicas integradas. Procurou uma escola "que se parecesse com a primária do nosso tempo". Também prefere um espaço que não tenha muitas salas e muitos alunos. "Não é pelo edifício em si, mas depois colocam-se os problemas da falta de pessoal e da supervisão nos recreios, o que aumenta a probabilidade de as coisas correrem pior." Afonso é uma criança que se adapta facilmente. "Não vai chorar, nem fazer birra. É uma nova fase. Está mortinho por ir para a escola dos grandes." Mas, sublinha, a escolha da escola "é sempre uma decisão que preocupa". Segundo a psicóloga Ana Gomes, "decidir a escola onde o nosso filho inicia o 1.º ciclo é fulcral para o seu desenvolvimento como aluno e essa decisão vai acompanhá-lo nos próximos anos e deixa marcas inquestionáveis". Afonso faz 6 anos a 30 de julho, mas há crianças que só festejam o aniversário depois de 15 de setembro. "Colocar o filho no 1.º ciclo sem que a criança tenha atingido a maturidade necessária pode ter efeitos muito adversos no seu desenvolvimento escolar", explica a investigadora. Embora alguns pais considerem mais vantajoso a criança reprovar, esta "pode desenvolver um autoconceito académico comprometido e que pode acompanhá-la na sua vida escolar". A docente da Universidade Autónoma de Lisboa sublinha que "as características mais determinantes numa escola do 1.º ciclo não são tanto as físicas, mas as humanas, ao fim e ao cabo, da professora. Esta é a figura basilar do mundo escolar da criança e também ela deve assumir características adequadas de prontidão escolar para ensinar". Boa experiência com os irmãos motiva escolha Évora. É como no futebol. "Em equipa que ganha não se mexe." Atendendo à boa experiência que teve com os dois filhos mais velhos na Escola André de Resende, em Évora, Alzira Cavaca decidiu, em conjunto com o filho mais novo, Luís Filipe, mantê-lo na mesma instituição de ensino. Ingressou na escola no 5.º ano e vai continuar agora que se prepara para entrar no 7.º. "O feedback dos irmãos foi excelente. Além disso, fica mesmo em frente à nossa casa, pelo que é muito cómodo", explica ao DN a médica. Na decisão pesou, ainda, um outro fator: "Há seis ou sete colegas que vão mudar de escola, mas a maioria mantém-se. Assim, continua com o mesmo grupo de amigos. Ele também queria ficar." A proximidade é um fator importante para a família: "A logística familiar é fácil. Da janela consigo ver o Luís a ir para a escola, enquanto as outras opções que existem para o 3.º ciclo ficam do outro lado da cidade." Tal como o facto de os dois irmãos terem frequentado a mesma escola. "O que por um lado é excelente, mas por outro é péssimo", graceja a mãe. É que a irmã mais velha sempre foi mais trabalhadora do que os dois irmãos, o que faz que os professores que apanham os mais novos façam comparações e até que exijam mais deles. Como vive e trabalha perto da Escola André de Resende, a médica também conhece o ambiente, o que a tranquiliza. Alzira Cavacas acredita que a passagem para o 3.º ciclo "não será uma mudança violenta", até porque o Luís está "familiarizado com o espaço, com os docentes e auxiliares". "Conhece toda a gente", sublinha, confiante que o filho "vai dar conta do recado". Embora a adaptação não seja um problema, a médica diz que o que a preocupa "é a exigência do 3.º ciclo". Questionada sobre o que é que uma escola de 3.º ciclo deve oferecer, Maria do Céu Taveira, docente da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, destaca "um plano de promoção do desenvolvimento vocacional dos seus alunos", ou seja, "uma estratégia integrada no projeto educativo que permita aos alunos conhecerem-se melhor como trabalhadores e construírem de modo muito progressivo a sua carreira e vida". Para a especialista em psicologia da educação, a escola deve procurar permitir ao estudante, de um modo sistemático, "explorar oportunidades de estudo ou trabalho diferentes, imaginar-se em diferentes futuros possíveis, ganhar confiança em si e preparar-se para lidar com as próximas fases da sua vida". Fazer o secundário com os amigos por perto Oeiras. Desde o 4.º ano que Guilherme Canas é aluno do quadro de honra. "No ano passado, teve cinco a tudo", conta a mãe, Sofia Canas. É um adolescente que nunca deu preocupações aos pais ao nível dos estudos. "A partir do 10.º ano estará a trabalhar para o futuro dele. Tento incutir nele que é para continuar no mesmo registo", afirma. Guilherme frequenta o 9.º ano na Escola Secundária Luís de Freitas Branco, no Agrupamento de Paço de Arcos, e é aí que vai continuar no próximo ano letivo. "O grupo de amigos fica na mesma escola, onde existe a área que eles querem seguir [economia]. Além disso, tem-se dado bem e gosta. Não se ponderou sequer uma mudança."
Destacando que existem "muito boas escolas no concelho", Sofia Canas, diretora de um hotel, considera que é essencial um estabelecimento de ensino secundário oferecer boas "infraestruturas, equipa de docentes e segurança". Para esta mãe, também é importante manter o filho perto dos amigos. Um aspeto que, segundo Maria do Céu Taveira, especialista em psicologia da educação, deve ser ponderado pelos pais. "Sobretudo nos casos em que um amigo/a ou a presença de amigos é encarada como uma espécie de âncora, que ajuda a antecipar menos dificuldades de inserção num novo ambiente escolar e tudo o que este pode trazer de novo, desconhecido e eventualmente mais difícil de lidar", explica a docente da Universidade do Minho. Guilherme deseja vir a trabalhar na gestão de carreiras desportivas, mas quer ter um plano alternativo. Contudo, no 10.º ano, muitos jovens ainda não têm um projeto definido. Por isso, Maria do Céu Taveira sublinha a a importância de a escola oferecer "um plano de promoção do desenvolvimento vocacional dos seus alunos", que permita "conhecerem-se melhor como trabalhadores e construírem de modo muito progressivo a sua carreira e vida". Com o suporte familiar dos avós, que vivem perto da escola, Guilherme movimenta-se facilmente a pé, o que também é importante para os pais. Sofia Canas diz que o facto de o filho ter começado a frequentar as salas de estudo da Explicolândia há cinco anos permitia ocupar o tempo em que não havia aulas, pelo que não se colocava o problema dos períodos mortos. "Aprendeu lá a estudar, gere muito bem o tempo. É muito responsável, tem muito método de trabalho." Joana Capucho - DN «http://www.dn.pt/sociedade/interior/da-proximidade-aos-amigos-o-que-importa-na-escolha-da-escola-8568493.html»
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A escola tem de partir de onde os alunos estão e não de onde ela considera que os alunos deveriam estar. Um dos compromissos mais radicais que se pode assumir em Educação é o de “educar todos”. A escola tal como a conhecemos organizou-se teoricamente neste princípio, mas, na realidade, sempre falhou na sua prática. A escola pública demorou muitos anos até achegar a todas as crianças, isto é, a permitir a todos os alunos o acesso, a entrada. Lembro que não há muitos anos atrás ainda se combatia em Portugal pelo acesso de todos os alunos à escola, sobretudo aos escalões mais altos da escolaridade obrigatória. Garantido o sucesso, levantou-se outra questão que se poderia resumir assim: todos os alunos podem entrar, mas quantos podem sair com sucesso?
A procura da resposta a esta questão iluminou vários obstáculos a este sucesso: muitos alunos não se mostravam capazes de progredir ao ritmo que o sistema lhes exigia e por este motivo reprovavam (ou, usando a metáfora cinegética, “chumbavam”); muitos alunos, desencorajados ou empurrados, saíam da escola sem concluir a escolaridade que se considerava essencial e básica. Em Portugal estamos ainda a lutar esta batalha do sucesso: detemos tristes recordes de reprovações e de reprovações precoces e a nossa taxa de abandono escolar coloca-nos em posições desprestigiantes nos rankings internacionais. A que se deve esta situação? Um dos axiomas que se aprende quando nos começamos a interessar pela análise dos sistemas educativos é que as causas e as consequências dos fenómenos que pretendemos estudar são sempre múltiplas e interrelacionadas. Algumas pessoas mais desprevenidas sonham com o fator “x” que inexoravelmente produzirá o efeito “y”. Frequentemente se designa este sonho impossível por “engenharia social”, dado que se pensa que sistemas humanos complexos se poderiam influenciar e resolver através de medidas simples e singulares. Feliz ou infelizmente não é assim: fenómenos socialmente complexos como os que têm por palco a Educação só se resolvem através de atuações em várias áreas e muitas vezes estendidas no tempo. Feita esta ressalva, retomamos a questão: a que se devem estes pobres resultados no combate ao sucesso e ao abandono escolar? Certamente a múltiplas razões. Por exemplo, recentemente, o Projeto Aqueduto desenvolvido em parceria entre o Conselho Nacional de Educação e a Fundação Francisco Manuel dos Santos estabeleceu uma relação entre o sucesso escolar e a escolaridade dos pais — sobretudo da mãe — das crianças. A estes fatores se podem juntar a desigualdade social, as assimetrias no nosso território, os valores que as famílias dão à escolarização, o apoio dado aos alunos, a forma como se encara na escola o currículo, enfim, uma grande multiplicidade de fatores que, como se disse, interagem e se influenciam mutuamente. De todos estes fatores presentes, um deles parece ter uma importância central em todo este processo: a escola, talvez pela primeira vez na sua curta história de menos de dois séculos, arrisca-se a ver os seus fundamentos de valores e organização serem postos em causa. A escola tal como a conhecemos hoje vê o aluno como um ser inacabado e imperfeito que vai ser corrigido pelo efeito da Educação, organiza-se como se os alunos aprendessem todos e tudo ao mesmo tempo, agrupa os alunos com base em critérios de homogeneidade, assume que a Educação é, sobretudo, um processo de transmissão. Ora os alunos que chegam à escola hoje encontram-se numa situação estruturalmente diferente dos que chegavam há escola há 15 anos atrás. Esta diferença deve muito à popularização das tecnologias digitais que permitem o acesso a fontes de informação e meios de comunicação até agora impossíveis. Os alunos de hoje não encontram na escola a centralidade de motivação e de fonte de conhecimento que encontravam antes. E, perante esta situação, que pode a escola fazer? Antes de mais, a escola tem de partir de onde os alunos estão e não de onde ela considera que os alunos deveriam estar. Não há muito tempo, ao trabalhar com um grupo de professores, eles mostraram-se desanimados por os alunos não estarem onde deveriam estar: atentos, participativos e interessados como deveriam estar nas aulas e nos manuais. A escola, se achar que os alunos estão desadequados, não será capaz de os ensinar. Há muitos anos, um documento da UNESCO afirmava que “não são as escolas que têm direito a certos tipos de alunos, os alunos é que têm direito à Educação”. Em segundo lugar, a escola tem de acabar com a ideia de ensinar grupos homogéneos. Esta homogeneidade é responsável por muita segregação — aberta ou encapotada — que ainda persiste nas nossas escolas. Se os alunos devem ser “normais” e “homogéneos”, aos que não o são resta-lhes o rótulo de “especiais” e “diferentes”. O absurdo da ideia de grupos homogéneos — agora até se fala de “homogeneidade relativa”! — fortalece o valor que informa a má pedagogia: não ver as singularidades dos alunos e valorizar aquilo em que eles são menos interessantes e mais previsíveis. Ironicamente, dizia-me um professor: “Na minha turma tenho de tudo: até alunos — coitados — que são rotulados de normais.” As escolas, e sobretudo os professores, precisam de quem caminhe ao seu lado para os ajudar a quebrar no pensamento e na prática estes mitos dos alunos não serem o que deles esperávamos, nomeadamente não serem “homogéneos”. Estamos em tempo de olhar corajosamente para estas mudanças. DAVID RODRIGUES - PÚBLICO «https://www.publico.pt/2017/06/09/sociedade/noticia/ha-alunos-rotulados-de-normais-1773944» |