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Na minha família os animais domésticos não eram cães nem gatos nem pássaros; na minha família os animais domésticos eram pobres. Cada uma das minhas tias tinha o seu pobre, pessoal e intransmissível, que vinha a casa dos meus avós uma vez por semana buscar, com um sorriso agradecido, a ração de roupa e comida. Os pobres, para além de serem obviamente pobres (de preferência descalços, para poderem ser calçados pelos donos; de preferência rotos, para poderem vestir camisas velhas que se salvavam, desse modo, de um destino natural de esfregões; de preferência doentes a fim de receberem uma embalagem de aspirina), deviam possuir outras características imprescindíveis: irem à missa, baptizarem os filhos, não andarem bêbedos, e sobretudo, manterem-se orgulhosamente fiéis a quem pertenciam. Parece que ainda estou a ver um homem de sumptuosos farrapos, parecido com o Tolstoi até na barba, responder, ofendido e soberbo, a uma prima distraída que insistia em oferecer-lhe uma camisola que nenhum de nós queria:
- Eu não sou o seu pobre; eu sou o pobre da minha Teresinha. O plural de pobre não era «pobres». O plural de pobre era «esta gente». No Natal e na Páscoa as tias reuniam-se em bando, armadas de fatias de bolo-rei, saquinhos de amêndoas e outras delícias equivalentes, e deslocavam-se piedosamente ao sítio onde os seus animais domésticos habitavam, isto é, uma bairro de casas de madeira da periferia de Benfica, nas Pedralvas e junto à Estrada Militar, a fim de distribuírem, numa pompa de reis magos, peúgas de lã, cuecas, sandálias que não serviam a ninguém, pagelas de Nossa Senhora de Fátima e outras maravilhas de igual calibre. Os pobres surgiam das suas barracas, alvoraçados e gratos, e as minhas tias preveniam-me logo, enxotando-os com as costas da mão: - Não se chegue muito que esta gente tem piolhos. Nessas alturas, e só nessas alturas, era permitido oferecer aos pobres, presente sempre perigoso por correr o risco de ser gasto (- Esta gente, coitada, não tem noção do dinheiro) de forma de deletéria e irresponsável. O pobre da minha Carlota, por exemplo, foi proibido de entrar na casa dos meus avós porque, quando ela lhe meteu dez tostões na palma recomendando, maternal, preocupada com a saúde do seu animal doméstico - Agora veja lá, não gaste tudo em vinho o atrevido lhe respondeu, malcriadíssimo: - Não, minha senhora, vou comprar um Alfa-Romeu Os filhos dos pobres definiam-se por não irem à escola, serem magrinhos e morrerem muito. Ao perguntar as razões destas características insólitas foi-me dito com um encolher de ombros - O que é que o menino quer, esta gente é assim e eu entendi que ser pobre, mais do que um destino, era uma espécie de vocação, como ter jeito para jogar bridge ou para tocar piano. Ao amor dos pobres presidiam duas criaturas do oratório da minha avó, uma em barro e outra em fotografia, que eram o padre Cruz e a Sãozinha, as quais dirigiam a caridade sob um crucifixo de mogno. O padre Cruz era um sujeito chupado, de batina, e a Sãozinha uma jovem cheia de medalhas, com um sorriso alcoviteiro de actriz de cinema das pastilhas elásticas, que me informaram ter oferecido exemplarmente a vida a Deus em troca da saúde dos pais. A actriz bateu a bota, o pai ficou óptimo e, a partir da altura em que revelaram este milagre, tremia de pânico que a minha mãe, espirrando, me ordenasse - Ora ofereça lá a vida que estou farta de me assoar e eu fosse direitinho para o cemitério a fim de ela não ter de beber chás de limão. Na minha ideia o padre Cruz e a Saõzinha eram casados, tanto mais que num boletim que a minha família assinava, chamado «Almanaque da Sãozinha», se narravam, em comunhão de bens, os milagres de ambos que consistiam geralmente em curas de paralíticos e vigésimos premiados, milagres inacreditavelmente acompanhados de odores dulcíssimos a incenso. Tanto pobre, tanta Sãozinha e tanto cheiro irritavam-me. E creio que foi por essa época que principiei a olhar, com afecto crescente, uma gravura poeirenta atirada para o sótão que mostrava uma jubilosa multidão de pobres em torno da guilhotina onde cortavam a cabeça aos reis". António Lobo Antunes
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A relação entre pais e filhos tem “extrema relevância” no desenvolvimento emocional dos jovens e um “efeito significativo” na forma como gerem os seus namoros, concluiu um estudo da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). A coordenadora da investigação, a psicóloga clínica Catarina Pinheiro Mota, explicou hoje à Lusa que os filhos vão replicar, na sua vida afetiva a relação que têm com os pais.
A título de exemplo, a investigadora afirmou que se houver uma relação “estável” entre pais e filhos, estes terão “maior disponibilidade” para ter e manter namoros, mas se a relação for “instável” os jovens terão “mais dificuldades”. Outra das conclusões é a de que os filhos “replicam” nas relações amorosas os conflitos dos pais, avançou. “Os filhos que presenciam conflitos interparentais vão, no futuro, ter uma relação amorosa pautada por este modelo”, frisou. E concretizou: “todos os pais discutem, mas se resolvem a discussão aos gritos, por exemplo, os filhos vão ter esse modelo e replica-lo no namoro”. O estudo realçou que os jovens resolvem os conflitos no namoro através de duas formas: estratégias de resolução não abusivas e estratégias de resolução abusivas e comportamentos violentos. Os comportamentos não abusivos são realizados por jovens mais velhos, especialmente raparigas, entre os 22 e 25 anos. Os jovens que recorrem a estas atitudes para resolver conflitos têm “baixos níveis de sintomatologia depressiva, ansiedade e sensibilidade interpessoal” e maior confiança no namoro. Por seu lado, os comportamentos violentos são adotados maioritariamente por rapazes, sem diferenciação de idades, e associam-se a jovens com sinais depressivos. “São preditos pela maior intensidade e frequência dos conflitos interparentais”, referiu a investigadora. O estudo teve uma amostra de 505 jovens da zona norte do país, entre os quais 139 rapazes e 366 raparigas com idades entre os 18 e 25 anos e habilitações entre o 9.º ano e ensino superior. Os investigadores de Psicologia Clínica da UTAD, em Vila Real, quiseram entender a “qualidade de vinculação aos pais e o seu efeito na vinculação amorosa em jovens adultos”, tal como o “papel dos conflitos interparentais no desenvolvimento dos conflitos no namoro". LUSA - EDUCARE «http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=80585&langid=1» Esta é a carta do Pedro, um menino que mora numa das muitas zonas carenciadas de Portugal e cuja carta que ele enviou para o Pai Natal me veio parar às mãos através de um amigo que tenho nos CTT. Olá Pai Natal. Espero que esteja tudo bem contigo aí pela Lapónia. Aqui também está frio. Eu sei que com tantas prendas deves confundir às vezes o endereço, só assim se justifica o facto de tantos meninos maus receberem tantas e tão boas prendas. É suposto os meninos maus não receberem prendas, ou ouvi mal e afinal é os meninos pobres? Os ricos, mesmo que sejam mal comportados e respondam mal à professora e aos pais recebem prendas? Às vezes parece que é isso que acontece, mas espero estar enganado. Sei que este ano não fui um menino bem comportado, mas envio-te esta carta na mesma para pedir algumas prendas. Houve algumas vezes que respondi mal à professora, outras que não arrumei o meu quarto e por isso não vou pedir prendas para mim, mas gostava de te pedir para os meus pais. O meu pai trabalha muito, quase nem o vejo, nem ao fim-de-semana. Ele sai de casa muito cedo, ainda o sol não nasceu, mas vem sempre dar-me um beijo na testa que é quando eu acordo para me começar a preparar para ir para a escola. Depois só o volto a ver quando chega a casa e entra no meu quarto para me dar outro beijo, já eu estou prestes a dormir, porque ele chega muito tarde. Anda sempre muito cansado e triste, porque não gosta do seu trabalho e ainda por cima ganha 500€ só. Ao menos tem trabalho, é o que ele diz. A minha mãe não tem. Teve durante muitos anos mas foi despedida por causa da crise há 3 anos. Tentou encontrar trabalho durante muito tempo mas toda a gente lhe dizia que não queriam contratar uma mulher de 43 anos, que estava velha. Agora está em casa, arruma a casa toda sempre. Até a minha cama que eu não tenho tempo de fazer porque saio sempre com pressa para ir para as aulas. Comida ainda vai havendo Pai Natal, nunca passei fome, há sempre pão e manteiga e às vezes cereais para o jantar. Ás vezes a minha mãe só come duas bolachas ao jantar, ela diz que é porque não tem fome, mas eu acho que é para haver mais para mim. Às vezes também estou no quarto, que é na sala e oiço os meus pais discutirem. O motivo é sempre o mesmo, falta de dinheiro para pagar as contas. O que o meu pai ganha não chega para mantermos a casa, que é alugada, e ouvi dizer que há muitas contas para pagar atrasadas. A minha mãe fica muitas vezes a chorar e o meu pai a tentar animá-la, mesmo depois de terem discutido. Ele diz que alguma forma se há-de arranjar para pagar as contas. Por isso, tudo o que eu te peço Pai Natal é que dês um emprego à minha mãe e que o meu pai tenha um aumento e que não tenha que passar tantas horas longe de nós. Era tudo o que eu queria. Esquece a carta que te enviei do último ano, caso ainda a tenhas guardado para este. Esquece a Playstation 4 que te pedi, os bonecos e tudo o resto. Se já compraste dá antes a outro menino que precise mais. Eu só preciso que os meus pais estejam felizes. Que o dinheiro não seja a razão pela qual eles se separem, nem a razão pela qual eles não passam tempo comigo. Eu quando crescer vou ser Doutor e dar aos meus pais tudo o que eles me dariam se tivessem dinheiro. Queria também pedir-te outra prenda, se não for pedir muito. Queria que desses um bilhete de avião ao meu irmão mais velho, Jorge, que está em França a trabalhar. Já não o vejo há 3 anos e tenho muitas saudades dele. Ele teve que ir para fora porque cá não arranjava emprego, apesar de ter tirado um curso e tudo. Foi trabalhar para lá e vai enviando algum dinheiro para ajudar, infelizmente ele também não ganha muito e tem lá a vida dele. Eu gostava muito de o ir visitar, mas sei que os meus pais não podem, e como sei que é mais barato e que o meu pai não pode tirar férias, pedia-te que lhe oferecesses um bilhete de avião para ele vir cá. Se lhe pudesses oferecer um emprego em Portugal então ainda era melhor. Ele não gosta de estar lá, diz que tem saudades da nossa comida e do nosso sol. Eu sei que tu deves ter muito trabalho Pai Natal, que deve exigir muito de ti ofereceres prendas a todos os meninos e que, por vezes, haja alguns erros. Mas não consigo perceber como é que há tantas pessoas sem nada e outras tantas com tanto. Eu nem me sinto bem em queixar-me, pois sei bem que há meninos que estão bem pior que eu e que nada fizeram de mal para tal. Sei que há crianças a morrer de África de fome... De fome Pai Natal! Leva-lhes comida. Há crianças que não têm casa, não têm sequer dinheiro para um caderno e uma caneta para irem à escola. Ajuda-os Pai Natal. Há meninos com doenças graves que não têm dinheiro para os tratamentos. Tenho um colega meu que tinha Leucemia e que os pais tiveram que andar a pedir a toda a gente para o poderem curar. Já morreu entretanto. Ajuda esses meninos, esses pais que sofrem tanto. Os meus colegas todos da escola já não acreditam em ti, dizem que não existes e quem nos dá as prendas são os nossos pais e familiares. Eu não acredito neles, acredito nos meus pais que dizem que tu existes. Só podes ter sido tu a oferecer-me aqueles brinquedos no Natal passado, porque os meus pais não tinham dinheiro para isso. Não tinham dinheiro para me oferecer um brinquedo de 20€ quando a minha mãe se está sempre a lamentar por não ter dinheiro para um casaco mais quente no Inverno. Por isso, tens que ser real. Se não fores real, é sinal que foram os meus pais a fazer o sacrifício para me dar uma alegria no Natal passado e eu gostava de saber isso para lhes agradecer ainda mais o que fazem por mim. Hoje vou ficar acordado a noite toda para te ver chegar. Quando entrares pela chaminé, vou-te dar um abraço grande, mesmo sabendo que não me trazes prenda nenhuma, sei que vens trazer o que te pedi para a minha família. Adeus Pai Natal, faz boa viagem Assinado: Pedro Por sua vez, o Bernardo, filho de uma família abastada da linha de Cascais, também enviou um email ao Pai Natal através do seu novo iPad: Pai Natal, Espero que este ano não te esqueças do que eu pedi. No ano passado só me trouxeste a Playstation 4 com 3 jogos, quando eu tinha pedido pedi 10!!! Os bilhetes que eu tinha pedido eram para a Disney World nos Estados Unidos, não eram para a Disney Land em Paris!!! Não é justo! Espero que este ano tenhas uma bocado mais de atenção se não eu vou fazer queixa ao meu pai. Velho caquético de merda. Assinado: Bernardo Maria de Mello e Corte-Real Espírito Santo Algo me diz que o Pai Natal vai trazer os presentes todos para o Bernardo e se vai esquecer mais uma vez do Pedro Um feliz Natal a todos e obrigado pela prendas em formas de visualizações, likes, comentários e partilhas que me deram este ano todo. Sois uns fofos. Doutor G «http://porfalarnoutracoisa.sapo.pt/2014/12/carta-ao-pai-natal-de-um-menino-mal.html» Hoje assinala-se o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência! Portanto, parabéns para mim? Gosto de palavras. Gosto da liberdade de as poder usar e gosto de conhecer cada vez mais o poder que elas têm sobre as nossas ações. A língua portuguesa é demasiado rica para o uso que lamentavelmente lhe damos. Já eu gosto de a descobrir, à medida que cresce a minha vontade de comunicar com o mundo e incluir-me nele.Os meus pais deram-me um nome quando nasci. É esse nome que as pessoas usam para me chamar, em todos os dias do ano. Mas eu não sou só portadora de um nome. Sou também portadora de deficiência e de uma cadeira de rodas, desde que existo. Essas são características que eu tenho - também diariamente - mas que não me definem enquanto pessoa. Fazem parte de mim mas não são eu. Por isso, o único dia em que assumo como a da celebração de quem eu sou é o dia do meu nascimento. No entanto, a sociedade atual criou (e continua a criar) efemérides nas quais eu podia perfeitamente “enfiar a carapuça”. Hoje assinala-se o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência! Portanto, parabéns para mim? Desculpem, mas eu nunca fui uma defensora acérrima do dia 3 de dezembro, o que também não me torna necessariamente alguém do contra. Só que não passo um ano inteiro à espera deste dia. Bem vistas as coisas, eu sou uma pessoa “com” deficiência desde 1983 e a ONU apenas criou esta efeméride a 14 de Outubro de 1992. Com o objetivo de, assinalando este dia internacionalmente, todos os países passarem a comemorar a data, gerando consciencialização, compromisso e ações que transformem a situação dos deficientes no mundo. Ando cá há 32 anos a ouvir falar de consciência e de comprometimento, agora ações facilitadoras, refletidas no dia-a-dia das pessoas como eu, como forma de inclusão, essas caem constantemente no esquecimento dos que criam as leis ou são responsáveis pelo seu cumprimento. Ser alguém com deficiência não é uma opção, existe 365 dias por ano. Segundo, não é uma escolha “dos outros”. Isto é, se não é algo que não nasceu connosco, já não nos apanha! Ter consciência do que é esta efeméride, do que significa a condição de “pessoa com deficiência”, é ter cada vez mais consciência sobre quem somos. “Pessoa” vem antes de “deficiência”, por isso adquiri-la está ao alcance de qualquer um; seja por velhice, acidente, insucesso de uma cirurgia, negligência médica ou até o aparecimento de uma doença. Por incrível que pareça, as pessoas com deficiência não são necessariamente doentes, mas o contrário pode acontecer. Será que é porque a palavra “efeméride” tem a mesma etimologia do que a palavra “efémero/a”, que significa “dura um dia”? O que eu sei é que precisamos de fazer muito mais pelas pessoas do que assinala-las. Aquilo que eu defendo é que a linha que separa os “coitadinhos” dos “super-heróis” - e que normalmente vem agarrada à palavra deficiência - deve existir (e subsistir) na agenda mediática, para lá deste dia. Que se façam conferências sobre a temática, descerrem placas em inaugurações de obras com melhores condições de acessibilidade, ofereçam tempo de antena nos media a quem precisa de se fazer ouvir (e de alguma forma se sente “aprisionado” na sua condição de pessoa com deficiência), mas acima de tudo que consigamos ser, cada um de nós, mais pró-inclusivos no nosso dia-a-dia. Que longe dos holofotes, microfones e rótulos de pessoas conscientes das diferenças “dos outros”, façamos um compromisso diário com a nossa condição de cidadãos e, por exemplo, que coloquemos isso em prática, ao não estacionarmos em lugares reservados. Nem por cinco minutos. Ser portador de deficiência não é um número, que faz parte de uma estatística; é ser alguém com necessidades especificas, que podem ser supridas numa sociedade virada para as pessoas e não para as datas. Precisamos de chamar as pessoas pelo nome, conhecer os seus rostos e as suas histórias, tanto de frustração como de superação diária, para lá de um dia instituído no calendário. Precisamos de aprender a conhecer o poder da palavra INCLUSÃO, gostar dela, e fazer bom uso dela, naquilo que a todos e a cada um diz respeito. Mafalda Ribeiro - VISÃO «http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2015-12-03-Efemeride--Para-que-te-quero- Neste tempo de terrorismo global, quando o boomerang da História se volta contra uma Europa que traiu ou ignorou ressentimentos e injustiças de vários povos, importa não fugir ao combate: nas escolas e nas universidades é tempo de ler a Filosofia, cultivar o saber sincrético, não desconhecer quanto a Europa ficou a dever à cultura árabe, da matemática à poesia, da geografia à astronomia. No seu artigo de 18 de Novembro, Santana Castilho faz o elenco de alguns dos mais terríveis crimes perpetrados por jovens ocidentais. Esses crimes foram, quase todos, realizados em recintos escolares. No fundo, a tese de Santana Castilho, com a qual concordo, põe a tónica na concepção meramente instrumental do sistema educativo no Ocidente, considerando o autor desse artigo que há um ódio e uma frustração, um desencanto geral das juventudes europeia e americana: ódio, frustração e desencanto que justificam tais actos de violência. De Eric Harris e Dylan Klebold (os dois jovens que mataram no Instituto Colombine, em 1999), ao extremista de direita Breivik (o dos crimes da ilha de Utoya, em Julho de 2011), esses crimes demonstram quanto uma educação obsessivamente técnica pode fazer germinar no seio das sociedades ditas desenvolvidas licenciados e doutorados incapazes de compreender o outro na sua diferença cultural e humana. No limite, o diagnóstico apresentado por Heidegger em Língua Técnica e Língua de Tradição estará correcto: uma sociedade que esquece ou menospreza a língua de tradição (para Heidegger é essa a língua da poesia e das artes), encaminha-se para a sua auto-destruição. Não é, pois, absurdo relacionar o que aconteceu em Paris no dia 13 de Novembro com a crise da educação que tantos e tantos estudiosos têm vindo a denunciar, em maior ou menor grau, desde os anos oitenta.Ficou célebre, em dada altura, a tese de Allan Bloom, autor do livro A Cultura Inculta, à luz da qual se postulava que, dos bancos das escolas aos bancos das universidades, as gerações nascidas e educadas nas décadas de 1970/1980 em diante não tinham a preparação humanística que lhes permitiria compreender o mundo na sua complexa dialéctica social, política e cultural. Para Bloom o dignóstico estava feito: a decadência geral do Ocidente dever-se-ia a um problema de linguagem. George Steiner, que tem vindo em diversos livros, a alertar para o facto de os mais jovens europeus e americanos desconhecerem profundamente as raízes da civilização a que pertencem, condena, em Barbárie da Ignorância (2000), o modelo de educação e desenvolvimento do Ocidente e refere mesmo que o único programa em curso na educação ocidental é a “amnésia cultural”.
Na verdade, da música (é ouvir e ler as letras de bandas de algumas bandas de hip-hop ou alguns êxitos recentes de videoclips que rasam a pornografia) à literatura (onde as bestas célebres inundam o mercado livreiro com a boçalidade da moda), do cinema (ao serviço da infantilização estupidificante das massas, como comprova esse pérola do hodierno, As 50 Sombras de Grey...), à indústria do desporto (o jogador de futebol como modelo de beleza e de virtudes, de Ronaldo a Beckham), o lazer que se promove é o que passa pela excitação gratuita dos sentidos, ampliada pelo virtual, por uma internet onde abundam conteúdos perniciosos para o salutar crescimento de crianças e jovens. Excitação que, a meu ver, encerra como linguagem única a violência, isto é, uma propensão para o conflito geracional, em virtude de uma alucinação geral: a indistinção entre ficção e realidade. Não espanta, pois, que, para os mais novos o antigo, o clássico lhes pareça velho e represente um mundo que recusam porque não compreendem. Essa violência latente ou declarada é visível quer nas praxes académicas (são precisos exemplos?), quer na insuficiência dos raciocínios que, não raro, em entrevistas de rua ou nos reality shows muita juventude denota. Não se trata, claro está, de diabolizar os que hoje têm entre 15 a 30 anos, até porque são as principais vítimas de uma ideologia do entretenimento e da alienação que nos trouxe até aqui. Em rigor, poderão as gerações mais velhas orgulhar-se da sociedade televisiva, superficial, mediática e computacional que ergueram? Já se sabe que o avanço tecnológico e a economia global são imparáveis, mas a indústria mediática, nas mais diversas áreas em que actua, em vez de sacrificar tudo ao futebol e ao sexo, aos concursos alienantes e à ditadura da publicidade, não deveria parar e repensar a sua função? Que cultura se tem vindo a edificar nos últimos 30 a 40 anos em Portugal e na Europa, senão a cultura inculta? Que democracia podem os povos viver quando à crise financeira e à austeridade sobrevém a ideologia do terror, a porta por onde poderão entrar de novo na Europa regimes fascistas, ao abrigo da vertigem securitária? Tendo em conta quanto temos vivido desde o 11/9, para me servir de uma data que simbolicamente nos fez entrar no século XXI, não será este o momento de – da escola e das universidades, aos mídia e às empresas – relacionarmos a tão propalada “crise de valores” com a “crise das humanidades”? Longe de pensar que a poesia ou as artes podem salvar o homem, julgo, ainda assim, que é um erro declarar que uma educação centrada nas humanidades é sinónimo de serôdio romantismo. Mas nada de ilusões: a Europa foi berço, é verdade, das guerras mundiais, e de conflitos étnicos que são lições que os europeus não podem ignorar. Neste tempo de terrorismo global, quando o boomerang da História se volta contra uma Europa que traiu ou ignorou ressentimentos e injustiças de vários povos, importa não fugir ao combate: nas escolas e nas universidades é tempo de ler a Filosofia, cultivar o saber sincrético, não desconhecer quanto a Europa ficou a dever à cultura árabe, da matemática à poesia, da geografia à astronomia. António Carlos Cortez Opinião - PÚBLICO 'http://www.publico.pt/opiniao/noticia/o-fim-da-europa-terrorismo-e-educacao-ou-o-combate-urgente-1716198» Uma investigação da Universidade de Chicago revela que as crianças que não acreditam em Deus são mais altruístas e mais dispostas a ajudar o próximo do as que são criadas num ambiente religioso. Um estudo americano realizado com crianças - com idades compreendidas entre os 5 e os 12 anos - revela que os indivíduos criados em ambientes religiosos têm menos atos de generosidade para com o próximo do que aqueles que não têm qualquer ligação com a religião. Uma conclusão surpreendente uma vez que a generosidade e bondade são valores que fazem parte da educação religiosa que lhes foi incutida pelos pais.
“É importante destacar que as crianças mais altruístas vêm de famílias ateias e que não são religiosas”, refere o psicólogo, neurocientífico e autor do estudo Jean Decety ao jornal espanhol El País. “Espero que as pessoas comecem a entender que a religião não é uma garantia para a moralidade e que são conceitos diferentes.” A explicação para esta atitude por parte de indivíduos religiosos reside no facto de uma vez que já cometem atos de generosidade dentro da sua paróquia e comunidade religiosa, isso exime-os de ter que proceder de igual forma com estranhos. “É uma falha mental particularmente interessante: ao fazer o bem […] desinibe-se o comportamento egoísta e ficamos propensos a tomar decisões imorais”, conclui Decety. Outra parte curiosa desta pesquisa prende-se com o facto de as crianças religiosas serem mais intolerantes e condenarem mais severamente os atos de terceiros. O artigo publicado por Jean Decety vem assim refutar a investigação realizada por Azim Shariff que, em 2008, se debruçou sobre o mesmo tema. Relativamente ao novo estudo, Sharriff considera que este divulga “conclusões fascinantes” e que nos “obriga a repensar seriamente nas coisas”. Maria Lima dos Santos SAPO «http://lifestyle.sapo.pt/familia/noticias-familia/artigos/criancas-ateias-sao-mais-generosas-e-altruistas-diz-estudo» Crianças com um diagnóstico de Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) nem sempre desenvolvem de forma espontânea ou pouco explícita competências literárias ou acompanham num mesmo ritmo que outras crianças A aprendizagem da leitura e escrita inicia-se numa etapa precoce de qualquer criança, através da compreensão de conceitos de literacia e fonologia. Desde a combinação e sequencialização de acontecimentos de forma lógica em imagens representativas até á automatização do Princípio Alfabético. É através da experiência e interação com o ambiente e agentes envolvidos que cada criança desenvolverá num ritmo próprio, mas dentro de um período normativo, as competências necessárias para ler e escrever.
Para que a leitura e a escrita ocorram, é necessário que a criança consolide a noções de correspondência som-grafema-som, sistema alfabético e fonologia em diferentes padrões que lhe permitirão autonomia e fluência em ambos os processos. Crianças com um diagnóstico de Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) nem sempre desenvolvem de forma espontânea ou pouco explícita competências literárias ou acompanham num mesmo ritmo que outras crianças. Embora seja frequente observar noções precoces de grafemas (algumas desenvolvem um interesse marcado por letras e conhecem o alfabeto desde muito cedo), apresentam lacunas significativas noutras competências, como a compreensão do que é lido, interpretação literal do conteúdo, compreensão da utilidade e regras para a leitura e escrita eficaz, correspondente a cerca de 80% de crianças com PEA. O universo de perfis das PEA não permite correlacionar e definir a intervenção na leitura e escrita antecipadamente. Algumas crianças ao longo do seu desenvolvimento apresentam perturbações da comunicação, da linguagem, sensoriais, comportamentos repetitivos e restritivos, interesses, dificuldades na compreensão do abstrato, entre outras, que embora preditores, não contribuem necessariamente para dificuldades na aprendizagem da leitura. Embora instruções verbais e descodificação leitora tendam a ser tipicamente áreas fracas, suportes visuais são recursos essenciais a adicionar como meio aumentativo de programas estruturados para a aprendizagem da leitura. Algumas metodologias de ensino têm sido criadas de modo a oferecer um apoio especializado e dirigido à competência da criança. O mais comum é o método global, e para além deste, foi desenvolvido também o método das 28 palavras. Um aspeto transversal a estes métodos é o contexto ou contextos reais da criança, ou seja, pretende-se que a criança seja capaz de associar e atribuir significado a todos os elementos introduzidos, assim como a associação de uma imagem/símbolo à palavra ensinada. As crianças com PEA podem apresentar muitas vezes dificuldades motoras que comprometem a aprendizagem da escrita. Estas dificuldades podem ser mais gerais, ao nível da motricidade global, ou mais específicas para a grafomotricidade, como a motricidade fina. Quando as dificuldades comprometem o ritmo de aprendizagem e limitam o seu desempenho, tipicamente recorre-se ao uso de letra de imprensa maiúscula, evitando penalizar e potencializar negativamente aspetos relacionados com a motivação e autoestima. Noutras circunstâncias, com crianças com dificuldades significativas na grafomotricidade, o uso do tablet ou computador torna-se a ferramenta chave como meio auxiliar e aumentativo para promoção da sua aprendizagem e autonomia para a escrita. A equipa terapêutica tem o papel, em conjunto com o corpo docente e os pais, enquanto elementos centrais, de avaliar as áreas deficitárias, identificar as áreas fortes, definir objetivos atingíveis de acordo com o potencial da criança e qual o método mais apropriado para estas aquisições tão importantes e intervir de modo a promover a aprendizagem e o sucesso. Ana Beirão – Terapeuta da Fala – [email protected] Raquel Mata – Educação Especial e Reabilitação – [email protected] artigo de PIN – Progresso Infantil «http://lifestyle.sapo.pt/familia/crianca/artigos/autismo-aprender-a-ler-e-a-escrever» |