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já tenho 2 anos A essência da criança Ao momento em que a criança desenvolve uma consciência de si própria e do mundo que a rodeia chama-se categoricamente «nascimento psicológico». É a partir deste ponto que a criança está mais desperta para as suas capacidades: já anda, pensa com mais articulação, fala e tem sentimentos que desenham o seu mapa do mundo. Todas elas são marcas fundamentais na vida da criança, descobertas resplandecentes, verdadeiramente luminosas e repletas de brilho. Com o avançar da idade, no entanto, essas conquistas entram na rotina e existe o risco de caírem na monotonia. Se os adultos que a rodeiam olharem para estes avanços apenas como simples etapas do desenvolvimento, a criança pode ficar com a noção de que viver é só ter cada vez mais capacidades cognitivas, que lhe permitirão ser mais e melhor do que aquilo que é. O problema é que esta abordagem aniquila o mistério da vida, que se torna monótona e repetitiva. De parte fica a «essência da criança», a sua alma, o seu espírito, a pérola que existe dentro da ostra. Não se trata exatamente daquilo que a criança é, mas um reconhecimento de que é um ser mágico que transcende relações, em vez de se limitar a ser moldada por elas — um espírito que, por vezes, continua à procura de um horizonte onde possa aparecer um desejo existencial ou um fantasma que sempre o ilude. Quem trabalha com crianças deve procurar este lado que demanda a magia — é nele que reside um espírito que procura expandir a sua essência. Feridas narcísicas
As «feridas narcísicas» são cortes nos sentimentos, necessidades e desejos que a criança ansiou para si própria e em relação ao mundo. É algo que lhe causa sofrimento. Pode afetar a sua auto-imagem a ponto de interferir na capacidade que ela tem de se relacionar com os outros e com ela mesma. Ao não conseguir sentir em pleno, pode ter dificuldade em reconhecer o amor real que têm por ela — e isso é, nesta idade, tão temível como a morte. Para aliviar a dor, procura a todo o custo preencher o vazio. Isto pode acontecer mesmo com uma criança bem vinculada com os pais, que tem com eles uma relação forte e segura e que sabe que é amada. O corte é entre ela própria e a sua mente, prende-se com a dificuldade em sentir amor por ela mesma quando lhe é negado aquilo que ela desejou. Torna-se complexo reconhecer que ela própria é amor, ou sentir afeto por aquilo que sente. Por norma, a criança com acentuadas feridas narcísicas sofre com o vazio de «não ser», de não sentir, e traz no olhar uma melancolia provocada por essa impossibilidade de viver o amor que idealizou. Para compensar os sentimentos desagradáveis que surgem, como ciúme, raiva e deceção, é comum que crie uma fantasia. Umas procuram ocupar cada segundo do seu tempo e passam a vida a mexer-se. Há até quem lhes chame hiperativas, mas é um erro: uma coisa é a hiperatividade com causas genéticas e neurofisiológicas; a outra é uma criança que não dá descanso a si própria para não sentir a angústia que as tais feridas narcísicas provocam. Há também crianças que se isolam e se retraem, resguardando-se numa melancolia que acaba espelhada no olhar. Têm uma expressão distante e a atenção presa no horizonte, como se não quisessem dar demasiada importância ao mundo para não sofrerem. Os estados depressivos podem ser congénitos ou ser provocados pelo meio ambiente (ou ambos). No entanto, essa não é a questão fundamental. O mais importante é compreender a dor da criança em relação ao Referido «não sentir». Tanto para pais como para filhos, é difícil desfazer as idealizações e resistir à tentação de arranjar compensações para o «não sentir». O processo, por vezes longo e doloroso, faz sempre com que, no íntimo inconsciente de cada pai e de cada mãe, essas feridas possam ser saradas ou, pelo menos, remediadas. Abre-se então caminho à recuperação da capacidade de amar o outro de forma mais genuína, de ultrapassar o orgulho exacerbado (uma expressão da raiva narcísica) e de aceitar conviver com a nossa pequenez, ainda que ela seja apenas ilusória. Estar disposto a fazer um esforço para compensar essas feridas, tentando resgatar o tempo que se perdeu a procurar um ideal que não existe, pode trazer também alguma amargura. Humanizar o narcisismo exacerbado é tentar alinhar a consciência que temos de nós como um todo com a do nós real. Assim, é mais fácil alcançar o coração da criança. O dilema da interconexão emocional é este: «Preciso de sentir-me em ti para poder sentir-me a mim próprio. Mas não consigo sentir-me se não chegar a ti.» Não há clivagens — há, sim, um sentimento de necessidade do «nós» que transcende a consciência. Quando um elo se quebra nesta ligação, sente-se um vazio e teme-se o risco de sentir o «não ser». Escrito por Miguel Mealha Estrada (Psicoterapeuta da Infância e Adolescência) in "um mapa para chegar ao coração da criança"
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Regressão ao serviço da transcendência À beira de um precipício, só há uma maneira de seguir em frente: dar um passo atrás. (Gilbert Chesterton) Muitos pais, educadores e clínicos deparam-se frequentemente com um fenómeno misterioso que tanto afeta crianças ditas “normais” como outras que têm problemas de saúde mental. Trata-se de um retrocesso a estados mais caóticos, antes de se alcançar um certo nível de desenvolvimento do consciente e um nível de equilíbrio afetivo e emocional. Este fenómeno, muito conhecido entre psicoterapeutas e psicanalistas, se não for bem identificado e tratado pode reter a criança num estado de desagregação mental e comportamental sem explicação aparente, sobretudo se ocorrer num meio de um contexto em que tudo estava a correr bem. Muitos pais e clínicos, confusos com o que se passa, deixam-se contaminar pela ansiedade da criança e, em desespero, aumentam os castigos. Gera-se o pânico nos processos, com o perigo de perder o rumo ao coração da criança. Alguns terapeutas ainda contribuem mais para isso, ao propor intervenções baseadas em programas comportamentais fora do contexto ou na administração exagerada de certa medicação. No meio de tanto desnorte, é comum aparecerem conflitos entre pais e professores, que se digladiam na ânsia de descobrirem uma estratégia instantânea para resolver o problema. Só que navegar de noite sem um mapa costuma dar mau resultado. O que será então este retrocesso dos afetos e comportamentos a estados mais caóticos, sem razão aparente, quando tudo parecia ir no bom caminho? Para responder a esta questão é preciso entender os mecanismos de regressão ao serviço da transcendência, um período em que o ego (o centro do consciente) se retrai e afasta do mundo e da realidade. É como um corte na relação entre o consciente e o meio que nos rodeia, dando origem a um retorno e a uma fase em que os conflitos e fantasmas invisíveis ficaram por resolver. O psicanalista jungiano Michael Wahsburn chama-lhe “noite escura da alma”. Nestas fases de grande revolução, o melhor é contar com alguma instabilidade. Esta regressão tem como objetivo alcançar a fonte da essência e da espiritualidade da criança para resolver, ou pelo menos tentar reparar, o que ficou pendente no passado. Esses fantasmas só desaparecerão quando a criança os entender e conseguir lidar com aquilo que eles lhe querem transmitir. Para isso é necessário voltar à essência, ao pouco da espiritualidade da criança que ficou danificado, para tentar salvá-la, recuperando o casamento entre a essência e o consciente. Daí que se diga que esta regressão está ao serviço da transcendência – de uma espiritualidade maior que se quer alcançar. Aos poucos, a criança há de sair desse processo, reintegrando o seu novo ego, mais consolidado, para que se abram novas vias de expansão e se dê um novo sentido ao “eu”. Como é que sabemos que a criança está a regredir ao inconsciente? Há alguns sinais comuns no início desse processo. Surgem, com frequência, sentimentos de alienação e vaio interior, indícios de que a vida deixou de ter significado para ela, culpa, ansiedade, desespero e melancolia. Durante esta tempo, a criança desinteressa-se da vida, perde o prazer que tinha na realização de tarefas e dá cada vez menos valor à sua própria existência. É como se entrasse em exílio espiritual. No entanto, é precisamente esse passo regressivo que, depois de a obrigar a enfrentar fantasmas, a levará de volta a um contacto mais real co a sua essência e a sua espiritualidade. Frente e frente com sentimentos outrora reprimidos, que contêm um enorme potencial introspetivo, a criança tem acesso a revelações intuitivas profundas e a uma visão da vida orientada para o futuro. Por fim, vai encontrando algumas das respostas que procurava e descobrindo sentimentos revitalizadores que lhe trazem uma nova paz e um novo sentido para a vida. Há um claro crescimento espiritual que lhe permitirá estabelecer melhores relações com os outros e com o mundo. Quando chega o tão desejado fim da noite escura, os pais sentem que o seu filho voltou, reconhecem-no de novo, ainda que ele tenha crescido. A noite dá lugar ao dia e começa a renovação da psique da criança. O ego entra num período de convalescença, o espírito regenera-se. Se a criança não for compreendida na fase de regressão e os pais não conseguirem apoiá-la, o tempo da noite escura tende a prolongar-se. Por vezes, ela até é capaz de voltar, mas traz um sentimento de perda e um novo “eu” sem grande motivação e encantamento. É preciso estar ao lado e dar tempo a que a criança lide com os conflitos que a assombram. Regredir para regenerar não é fácil, mas tem um papel importantíssimo na estrutura individual de cada um. Notas em relação ao comportamento Quando muitos pais falam no comportamento dos filhos, referem-se a um conjunto de ações com determinados resultados. Muitas vezes, essas atitudes das crianças causam-lhes desilusão, frustração e até revolta, afastando-se de um padrão que eles idealizavam anteriormente. Antes mesmos de procurarem entender o que motiva a rebeldia dos filhos, buscam à pressa uma solução milagrosa que altere aqueles comportamentos, para que possam sentir-se melhor enquanto indivíduos, em casal e em família. Isso torna-se uma prioridade – com todo o direito, sobretudo quando ocorrem ações disruptivas que causam alarme e pânico. Note-se que há casos em que o comportamento da criança é tão violento que contribui para o divórcio dos pais e para uma perda de identidade de cada um deles. Há até casos em que até eles se tornam violentos e alteram a sua maneira de lidar com eles próprios e um como o outro, despertando as suas próprias fragilidades narcísicas. Frustrados e exaustos, muitos pais são incapazes de evitar que o comportamento dos filhos contamine as suas relações profissionais e de amizade, deixando-se invadir pelo desgosto e pela tristeza de não terem em casa a criança com que sempre sonharam. Há casos em que tanto os pais como os filhos internalizam as emoções uns dos outros: absorvem os sentimentos de angústia, desespero e raiva de todos os elementos da família. Aí torna-se muito mais difícil, para a criança e para os pais, atingir um patamar de equilíbrio. Quantas mães e pais sofrem ou já sofreram por não conseguirem controlar o seu próprio comportamento? Quantos sentiram raiva de si próprios por serem incapazes de conter atitudes descontroladas que os afastaram ainda mais dos filhos? Quantos reconheceram que o seu desequilíbrio deixou as crianças ainda mais desamparadas? É muito normal que estas situações ocorram e ninguém deve ter a arrogância de julgar os outros por isto. Mais importante é tentar compreender o que está na origem do mal-estar. Por vezes, é necessário começar por rever expetativas e ajustá-las à realidade. Depois, é fazer o mais importante de tudo: descobrir o caminho para o coração dos filhos. Conhecendo o passado comum e tendo conhecimentos básicos sobre o funcionamento do cérebro, aquilo que parece muito complexo pode, no fim, tornar-se mais simples. Os resultados compensam os esforços. Norte e Sul, dois hemisférios de um só planeta: o cérebro O nosso cérebro está dividido em duas metades, cada uma delas necessária para o funcionamento do organismo. Trabalhando em conjunto, contribuem para que possamos desempenhar cada tarefa que está ao nosso alcance. Certas partes controlam mais diretamente determinadas ações, mas precisam sempre das outras para que tudo corra como deve ser.
De forma simplista, o hemisfério esquerdo é o da lógica, da racionalidade e da linguagem. Adora pôr em ordem e sequência tudo o que vê, ouve e pensa. O direito, pelo contrário, decifra e emite sinais que tornam a comunicação possível, sejam eles expressões verbais, faciais ou tons de voz. Além disso, decifra sentimentos, dá amsi atenção ao universo que nos rodeia como um todo e à forma como interiorizamos as experiências da vida. Está muito ligado às emoções, às memórias históricas e pessoais que permitem recuperar sentimentos antigos e antecipar o futuro. Se cruzarmos as funções de cada hemisfério com a capacidade de adaptação que a criança tem às regras, podemos dizer que o lado esquerdo recorre à lógica para estabelecer normas. Quanto mais a criança cresce, mais tendência tem para o utilizar: aprende a analisar regras, classifica-as como entende e usa o que aprende para se relacionar com o mundo e para redefinir essas mesmas normas. Há pequenos sinais que dão conta de um peso cada vez maior deste hemisfério. À medida que a criança cresce, deixa de se desculpar dizendo: “Não fui eu”, para afirmar qualquer coisa como: “Mas aquilo estava lá, pensei que era meu…” O lado direito tem outra vertente: quer entender o contexto emocional das regras, emoções e experiências que ocorrem nas relações. O esquerdo preocupa-se com a razão que está por detrás da lógica, o direito com a razão do coração. É capaz de questionar: “Quando voltas? Estou com saudades…” Até aos 3 anos, por norma, as crianças usam mais este hemisfério como linha de orientação para navegar no mundo. Ainda não conseguem utilizar a lógica e a razão como facetas dominantes para comunicar aquilo que sentem. Embora antecipem algumas coisas do futuro e tenham em conta alguns pormenores do passado para compreender o presente, ainda vivem muito num determinado momento. Procuram a gratificação imediata e têm de desenvolver a resiliência para melhor lidar com as frustrações e saber esperar. Com o tempo, tornar-se-ão mais tolerantes, mas, por enquanto, essa é uma meta por alcançar. O desenvolvimento do hemisfério esquerdo há-de ajudá-las a usar a lógica para atenuar as emoções do direito. A partir dos 3 anos e meio, os pais são atacados por uma chuva de porquês. De um momento para o outro, as crianças querem saber tudo: o que é aquilo? Porque é que funciona daquela maneira? É um sinal inequívoco de que o lado esquerdo está em expansão, trazendo com ele a lógica na comunicação com os outros e a necessidade de aprender. Já sabemos o que fazem os hemisférios esquerdo e direito. Mas, no cérebro, há ainda uma metade superior e outra inferior. À de baixo chamamos tronco cerebral, onde fica o sistema límbico. Termina mais ou menos ao nível do nariz e controla funções como respiração, o sono e os circuitos emocionais de sobrevivência que nos detém ou fazem fugir, e que interferem com a raiva e o medo. Ali se despertam mecanismos automáticos e instintivos comuns à maioria dos animais vertebrados. Se nos irritamos e dizemos um palavrão, por exemplo, deixamos fluir a raiva e entrar em ação a impulsividade. Quando estamos na floresta à noite e ouvimos um barulho nos arbustos que estão perto de nós, ficamos alerta para perceber se há perigo. Estas são respostas da parte de baixo do cérebro. A de cima é diferente. O córtex, uma zona acastanhada, define-nos como espécie. É a mais avançada, a que nos permite pensar, planear, a que nos deixa desenvolver capacidades linguísticas, inibir comportamentos inadequados, desenvolver empatia, moralidade, etc.. Quando nascemos, esta parte do cérebro está menos desenvolvida do que a outra e cabe aos pais ajudar a criança a aumentar essas competências. Claro que haverá períodos críticos: ensinar os filhos a pensar no que fizeram e a controlar comportamentos indesejados pode ser um desafio. O córtex só está totalmente desenvolvido perto dos 25 anos. Mas para que é que serve tudo isto quando uma criança explode de raiva e faz uma birra? A má notícia é que não há uma fórmula única e mágica. Depende da dinâmica familiar, do contexto e da relação entre pais e filhos. Mas se tivermos noção de como começou a birra e de qual é o objetivo dela, podemos centrar chegar a um esboço generalizado de resposta para as famílias adaptarem ao seu próprio estilo. Nas birras provocadas pela parte dee cima do cérebro, as explosões são menos aparatosas não são automáticas, como as da metade interior. Só que têm um início premeditado – a criança decide fazer uma birra com o intuito de alcançar um objetivo. A estratégia para as conter deve passar sempre por manter a calma e explicar o que se está a passar. “Sim, sei que queres muito o chocolate mas, como estás a gritar dessa maneira, não pode ser. Lamento, filho, mas esta noite não há televisão porque não estás a conseguir parar com isso.” Nestes casos, é extremamente importante levar a palavra até ao fim e fazer cumprir a consequência prometida. Se a birra cessar imediatamente, os pais devem elogiar aao máximo: “Muito bem, assim é que é. Como conseguiste parar de gritar, logo à noite podes ver os desenhos animados de que mais gostas.” Esta atitude pode até parecer contraditória, mas tem consequências importantes a nível hormonal. Ao sentir-se orgulhosa por ter interrompido a birra, aceitando a consequência, a criança vai construindo uma nova sabedoria e uma força interna de que se valerá no futuro, em situações idênticas. Caso seja necessário castigar a criança, há que ser consistente e levar a punição até ao fim, sem a abandonar emocionalmente. A tristeza e a raiva devem ser aceites – são reações normais aao stress de ser impedido de ver televisão, por exemplo. O objetivo nãao é aumentar feridas narcísicas, nem impor regras demasiado rígidas, mas ensinar a regular o comportamento ccom respeito e empatia. Os pais têm de usar uma enorme habilidade para, em vez de absorverem a raiva, a frustração e a angústia dos filhos, compensarem as fragilidades deles com a maturidade dos dois hemisférios dos seus cérebros, contrabalançando o desequilíbrio da criança que passa por uma situação de stress. Na maioria dos casos, ela assimila o estado emocional dos pais inconscientemente e não pela lógica – até porque, nos primeiros anos, a parte de baixo é mais poderosa e desenvolvida do que a de cima. Do ponto de vista biológico, apostar na lógica e na imposição de regras para controlar birras e mudar comportamentos não dá grandes resultados. É mais útil se a criança tiver um ambiente estável, previsível e o dispuserem a dar-lhe apoio para ela se adaptar ao meio envolvente. A longo prazo, a criança há de interiorizar o modelo de funcionamento do mundo, sem que seja necessário impor-lhe muitas regras. Uma abordagem mais severa corre o risco de debilitar o sentido de coerência da criança, dificultando o processo. A solução passa por regular e adaptar, e não pela imposição. O exemplo começa em casa e deve prolongar-se na escola, contando com a fundamental coesão entre os pais. Por muito difícil que seja, o pai e a mãe precisam de deixar de procurar a mudança imediata de comportamento dos filhos que muito lhes agradaria. O mais importante na empatia emocional, aumentarão as hipóteses de ver nascer dentro de casa uma nova família, mais unida e equilibrada. Escrito por Miguel Mealha Estrada (Psicoterapeuta da Infância e Adolescência) in "um mapa para chegar ao coração da criança" Sociabilidade, comportamento e espiritualidade ao serviço da expansão do ser na pré-adolescência... A ciência mostra-nos cada vez mais que as emoções são como uma bússola que orienta as relações que temos com os outros e com o mundo. São a força motivadora que procura muito mais do que um sentido do bem e do mal. A partir da pré-adolescência, a atenção centra-se cada vez mais nas amizades e na importância que as interações com os pares têm no processo de individualização de cada um. Ao mesmo tempo que se aproximam dos amigos, os adolescentes tendem a sublinhar um distanciamento emocional e um conflito com os pais.
Ao relacionar-se mais com os colegas, o adolescente testa comportamentos e constrói a sua própria abordagem ao mundo. Há enormes diferenças na forma como cada um interage com o grupo de amigos: uns demonstram mais resiliência em relação a pressões, e exibem uma maior ação das regiões cerebrais mais associadas com a perceção e a capacidade de auto-reflexão. Estes têm mais facilidade em tomar decisões do que os mais vulneráveis. A pré-adolescência e adolescência caraterizam-se por grandes mudanças, emoções exacerbadas e importantes alterações hormonais – leptina e grelina, as que influenciam o crescimento, oxitocina e vasopressina, as que ajudam nas interações sociais, andam numa roda-viva por esta altura. Também circulam algumas hormonas associadas ao stress. Nesta fase, o confronto com emoções negativas constantes é quase inevitável. A uma sensibilidade aumentada juntam-se o receio de não ser aceite no grupo de amigos e expetativas que nem sempre são fáceis de cumprir. Também é normal que os pré-adolescentes procurem cada vez mais situações que os compensem e que invistam em fantasias e atitudes reais que lhes permitam atingir complexas metas sociais e interpessoais. As mudanças tornam-nos mais independentes da família e levam-nos a criar importantes laços sociais e até amorosos, mas trazem com elas o risco de desregulação emocional e comportamental. O mundo social do pré-adolescente é bem mais amplo, hierárquico e complexo do que o da criança. Aumentam as relações de amizade mais privadas e até exclusivas, criam-se laços mais íntimos e profundos, investe-se na confiança e aparecem os primeiros namoros. Por norma, os pré-adolescentes e os adolescentes organizam-se me grupos de três a dez elementos que se identificam uns com os outros, moldando assim as suas personalidades. O que são e o que imaginam que vão ser em função disso. Só que essas relações sociais são muito instáveis e esse pormenor reflete-se em casa. Os pais, surpreendidos, questionam-se: “Mas o que é que se passa? Qual é o problema dele?” Nesta idade, as fantasias internas são extremamente vivas e na mente dos pré-adolescentes assiste-se a uma luta constante entre aquilo que sonham e as regras e responsabilidades do dia-a-dia. Esta batalha pode prolongar-se pela vida inteira. O sonhador, a que diferentes ramos da psicanálise chamam puer aeternus (a criança eterna) anda em conflito permanente com o sentido de responsabilidade. A psicanalista Marie-Louise von Franz descreve algumas características de quem sofre demasiado com este complexo: “Puer aeternus significa ‘juventude eterna’ ou ‘criança eterna’, mas também serve para caraterizar traços de comportamento e da vida emocional de certo tipo de adolescentes/jovens (…) comportando-se de maneiras típicas, que eu gostaria de exemplificar da seguinte forma: geralmente, o adolescente/jovem/homem e mulher que que se identificam com o arquétipo de puer aeternus permanecem demasiado tempo na psicologia do adolescente. Isto é, todas as características normais de um jovem dos 11 aos 18 anos são continuadas ao longa da vida, muitas vezes com grande dependência da mãe. (…) Geralmente, existe uma grande dificuldade de adaptação a situações sociais que requerem determinação, foco e responsabilidade. Em alguns casos, há um tipo de individualismo atípico associado ao ser-se algo de especial, sem necessidade de adaptação, pois seria impossível para um génio ter tais requisitos humanos e assim por diante. Além disso, surge uma atitude arrogante para com os outros, muitas vezes devido a complexos de inferioridade e a falsos sentimentos de superioridade. Mais tarde, se acriança eterna se prolongar durante a adolescência, muitas dessas pessoas têm grande dificuldade em encontrar o trabalho certo, porque o que encontram nunca é exatamente o que eles queriam. Existe sempre “uma pedra no sapato”. A mulher nunca é a mulher certa, o marido também não. A namorada é agradável, mas… Há sempre um ‘mas’ que impede o casamento ou qualquer tipo de compromisso. Tudo isto leva à formação de uma neurose que H.G.Baynes descreve como “vida provisória”, isto é: uma atitude desconectada e um sentimento alienatório de que a mulher ou o homem ainda não são o que le ou ela realmente querem. Há sempre uma fantasia de que, nalgum momento, no futuro, a coisa real vai acontecer. Se essa atitude se prolonga, há uma recusa interna constante ao compromisso com o presente. Acompanhando esta neurose, em maior ou menor escala, existe um complexo de messias, que implica o pensamento secreto de que um dia ele próprio será capaz de salvar o mundo, que a última palavra em matéria de filosofia, religião, política, arte ou algo parecido será encontrada por ele. Isso pode progredir para uma típica megalomania, que conduz a vestígios cognitivos e emocionais de que “a sua hora ainda não chegou”. A única situação temida por estes homens e mulheres é serem obrigados a submeterem-se a qualquer coisa. Existe um medo terrível de se ser responsável por algo, de entrar completamente dentro do espaço e do tempo presentes, e de ser o humano especifico que cada um é. Há sempre o receio de ser comprometido numa situação à qual pode ser impossível escapar." Pré-adolescentes e adolescentes podem ser tão excessivamente egoístas e narcisistas como uma criança de 5 anos. Consideram-se o centro do universo e fazem tudo para alcançar gratificação e prazer. Nesta fase, dividem-se entre a curiosidade acerca do sofrimento e a devoção às suas paixões. Entram nas primeiras relações amorosas de forma apaixonada e põem-lhes fim com mesma intensidade. Por um lado, interessam-se cada vez mais pela vida da comunidade e querem fazer parte desse universo. Por outro lado, precisam de estar sozinhos no seu mundo. Oscilam entre a submissão total a uma figura real ou idealizada e a oposição constante a figuras autoritárias que ameacem a sua vontade de individualização. É aqui que se instala uma confusão relevante: os adolescentes não estão em permanente revolta contra a autoridade dos pais, mas sim em conflito com a frustração dos instintos, das pulsões das idealizações e sonhos que lhes permitiriam individualizar-se à sua maneira. Não importa quem se enfrenta, seja o pai, o professor ou a polícia. O que interessa é o choque em si. Os pais necessitam de apostar na capacidade de aceitação e na compreensão dos aspetos da personalidade de uma mente emergente. Mais do que paciência para enfrentar as atitudes contraditórias dos filhos, devem encher-se de coragem para encarar as frustrações e medos que restaram das suas próprias adolescências. Ultrapassando questões do passado, aceitarão que os filhos estão agora mais crescidos e têm uma identidade distinta da sua, ainda que partilhem com eles uma coletividade psicológica inquebrável. Escrito por Miguel Mealha Estrada (Psicoterapeuta da Infância e Adolescência) |