|
|
Há um lugar onde se misturam crianças e adultos para folhear livros e ouvir contar histórias. Era uma vez um capuchinho na barriga do lobo... E um monstro pouco assustador. Era uma vez um quadrado que não conseguia entrar pela porta redonda. Outra vez era um sapo… Não! Era um pinguim. Afinal, eram dois! Era uma vez uma livraria envidraçada onde o sol batia até ser noite. E onde as crianças entravam, depois da escola, de mãos dadas com os avós. PÁRA! (lê. escuta. conta.) Assim se chama esse lugar. Não é magia. Existe mesmo! As portas deixam entrar os adultos acompanhados por crianças. Lá dentro há de tudo, como na mercearia.
Sessões de contos, teatro e música. Os mais corajosos podem ousar aprender a narrar histórias. Os outros podem ouvi-las contar por quem sabe. Quem “perde” cinco minutos para entrar, ganha sem gastar um tostão dois sorrisos. Um de Teresa Cunha, outro de Clara Haddad. As anfitriãs do espaço literário e cultural, que torna a Rua de António Patrício, no Porto, um local de paragem obrigatória para miúdos e mais crescidos. Prateleiras baixinhas, mesmo à mão de semear, com livros a pedirem para serem tocados. O contacto com a livraria foi pensado para ser uma experiência tátil. “As crianças entram e vão pegando”, explica Clara, a mulher dos sete instrumentos. Formadora na área da narração, contadora de histórias, atriz e amiga da “engenheira” Teresa que trocou o diploma pela literatura e fundou a livraria “Salta Folhinhas” que, agora, faz parte do PÁRA. Voltando ao início, porque é assim que as histórias começam… Quando Teresa quis abrir a livraria, no ano de 2004, falou com outros livreiros que lhe diziam que as crianças estragavam tudo. Mas a verdade é que não é como lhe diziam: “Estragam se os adultos deixarem.” Vai daí, Teresa reconhece às crianças o direito de folhear: “Todos temos necessidade de tocar. Ninguém vê só com os olhos!” Além de vender livros, as “donas” da livraria são peritas em dá-los a conhecer. Fazem o mesmo com as histórias. Por trás do balcão, bem camuflado, há um palco. Quem sobe tem de encantar miúdos e graúdos. A “Sexta dos Contos” é dirigida aos adultos e acontece por volta das 22h00, na segunda sexta-feira de cada mês. As crianças têm as tardes de sábado e domingo para sentar e ouvir. Isto, se a narração lhes interessar. Sendo um “público muito mais exigente” do que os adultos, explica Clara, o desafio para as manter “coladas” é bem maior. “Para as crianças não há o politicamente correto, se não gostam vão demonstrar…” Os pais podem aproveitar a hora do conto para outros fins. “Assistir a um espetáculo é uma forma de ensinar as crianças a se comportarem”, explica Clara. “Às vezes os pais têm receio de trazer as crianças por estas se portarem mal, mas enganam-se, normalmente portam-se bem”, completa Teresa. Para evitar dramas, os espetáculos são adequados ao tempo que, em cada idade, a criança aguenta estar sentada ou quieta. Contadores profissionais Paixão de contar histórias e dedicação são ingredientes que fazem a magia do contador de histórias. Sem esquecer as técnicas de comunicação. Como Clara Haddad não se cansa de dizer, “o jeito não salva o espetáculo”! Quem quiser aprender tem sempre vaga na Escola de Narração Itinerante. No Porto, as aulas acontecem no PÁRA. Mas ninguém para a Clara, que percorre o país, em vários momentos do ano, a ministrar todos os tipos de cursos de narração. Uns mais breves, em que os alunos ficam com a ideia do que é a narração tradicional. E das opções literárias: quem são os autores e como os trabalhar? Outros mais longos, em que a abordagem passa por ajudar a pessoa a perceber que tipo de narrador é. Ou que histórias gosta de contar. E como se pode trabalhar o conto dando um cunho pessoal. “Contar histórias não é repeti-las como o papagaio”, explica Clara, é antes descobrir tempos de fala e fazer uma boa seleção das histórias consoante o público. “Uma má seleção pode ser o princípio do fim do espetáculo.” Outro ingrediente para o sucesso é conseguir narrar num ritmo que mantenha o público atento. “Isso é o mais difícil de conseguir”, avisa Teresa Cunha, no entanto, “qualquer pessoa pode aprender”, tranquiliza Clara. Os contos entretêm. E até podem ter uma função terapêutica. Clara acredita no seu potencial para ajudar crianças e adultos a lidarem com algumas situações da vida real. “Não se trata de usar o conto para mostrar a moral da história, mas simplesmente deixar as metáforas da história atuar como um bálsamo.” Quando as histórias emocionam a plateia reage. As mães choram. Os pais tossem. As crianças dão risos matreiros. E se a história meter medo? Há que contá-la, sem receios, defende Teresa. “Ter medo não é mau. O medo protege, alerta-nos. Só não nos pode é tolher!” Pinceladas de eufemismos O Lobo mau já não come a Avozinha. Agora é quase vegetariano. Muitos contos vendem-se em edições retocadas com pinceladas de eufemismos. Mas há boas histórias sem brilhos e maravilhas. A morte e a pobreza fazem parte dos contos tradicionais, tantas vezes censurados pelos adultos. Que receiam macular a infância às crianças. Como contadora de histórias, Clara Haddad vê boa literatura infantil ser banida por falar de temas “menos cor-de-rosa” e fica furiosa. “Atualmente a nossa sociedade põe um filtro em certos contos com a ideia de que está a proteger as crianças, mas ninguém as protege das notícias horrendas que passam na televisão.” Sim, há temas difíceis de contar. Talvez porque retratam realidades. Histórias sobre crianças abandonadas, como a de Hansel e Gretel, fizeram parte do imaginário de muitos adultos. Poucos são os que se atrevem a contá-las. “Se deixarmos as crianças perceberem que há pais que abandonam os filhos, elas vão criar a ideia do que não deve nunca ser feito”, defende Teresa Cunha. “Um conto é muito mais forte do que qualquer conceito que os pais queiram transmitir em forma de lição de moral ou de conversa muito séria.” “Fast-food da literatura infantil” A dieta literária é tão importante como a alimentar. Zero gordura. Zero açúcar. O critério pode ser aplicado na escolha de livros para as crianças. As duas nutricionistas das letras aconselham os pais a “evitar o fast-food da literatura para crianças”. “Normalmente os brilhos não estão nos melhores livros, mas atraem as crianças”, reflete Teresa Cunha. Ainda assim, se esta for a primeira escolha há que respeitar. Não vale entrar na livraria, dizer à criança escolhe o que quiseres e depois vetar a escolha com um simples: “Esse não presta!” “Ao ouvir uma história sem pés nem cabeça a criança também vai sentir que aquilo não é assim tão interessante”, diz Teresa que recomenda, por isso, aos pais que confiem no gosto dos mais pequenos. Depois de uma história “mal contada”, gera-se a oportunidade de levar para casa boas histórias para contar. Quando a história é “a tal”, os pais podem esperar ter de a repetir vezes sem fim. Quem faz de contar histórias um modo de vida, como Clara Haddad, sabe que noite após noite a ler o mesmo livro é um quase um castigo. “Muitos pais chegam à livraria e pedem outros livros. Reclamam que estão fartos de ler a mesma coisa. Mas se a criança pede a história, uma, duas, três vezes, é porque gosta mesmo!” Periodicamente, a Escola de Narração Itinerante transforma o PÁRA num espaço para workshops, dirigidos a pais, avós e tios, sobre como escolher os livros mais indicados e contar tantas histórias quantas os mais pequenos pedirem. Todos os domingos, Clara fica ligada na sua página da Internet www.clarahaddad.com e em direto entrevista escritores, ilustradores, conversa sobre livros... E dá conselhos sobre como contar histórias. O mais importante deles, garante Clara, é o compromisso assumido com a criança. Que ninguém falte com a promessa de que vai ler um livro. “Às vezes é complicado. Os pais chegam cansados do trabalho… Mas contar uma história é dar afeto,” lembra Clara. E, afinal, é só pegar no livro e pôr a criança no colo. Andreia Lobo - EDUCARE «http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=116787&langid=1»
0 Comments
Lourenço Xavier de Carvalho Quanto maior é a escolaridade e mais alto é o rendimento, menor é a predisposição para ajudar os outros ou para lutar por valores como a justiça, a amizade ou o amor. A correlação está demonstrada no estudo "Literacia social: os valores como fundamento de competência", que Lourenço Xavier de Carvalho apresenta hoje em Mafra na conferência internacional sobre Literacia Social. Boa parte da culpa é das políticas de educação, mais centradas nas competências técnicas, defende o sociólogo. O que "é preocupante", tendo em conta que são os mais instruídos a integrar as elites políticas e ocupar cargos de liderança. O estudo do presidente do Instituto Luso-Ilírio para o Desenvolvimento Humano traz outras surpresas para os que julgam que a família caiu em desuso. Não só está no topo dos objectivos de vida da maioria dos portugueses como ainda assenta nos conceitos tradicionais de fidelidade conjugal e casal heterossexual. Segundo o inquérito que fez para a tese de doutoramento, quais são os principais valores dos portugueses? Os portugueses iniciam esta segunda década do novo século com uma esperança renovada nos valores imateriais como base da sua realização pessoal e social. Afastam-se progressivamente de uma visão de vida puramente materialista, predominando os valores do amor e da família. São mais tolerantes, mas sensíveis ao sofrimento dos outros, com maior consciência da importância de desenvolver competências para o mundo globalizado, quer na perspectiva profissional, quer social. Definem a sociedade a que pertencem com a mesma generosidade? Afirmam-se como cidadãos de uma sociedade mais individualista, em que cada qual cuida de si, pelo que a positiva aproximação a valores mais imateriais está numa fase centrada no "eu" - a "minha" família, em quem confio, a quem recorro, por quem me sacrifico incondicionalmente. O amor que quero receber, a qualidade humana que quero ter, a competência que preciso de desenvolver... O que conclui da sua análise sobre o valor de "ter uma família sólida"? A família surge, em diversas áreas do estudo, como o "porto seguro", ou seja, como garante de estabilidade no presente e para o futuro. Mesmo para um sociólogo com especialidade em sociologia da família, como eu, os resultados foram surpreendentes. Ao contrário daquela ideia, quase ideologia, de que a família está ameaçada? Fala-se muito, no discurso público, da destruição da família, e até há alguns grupos da sociedade que parecem querer apropriar-se deste conceito, como se de uma questão ideológica se tratasse. Esta investigação prova que a família está para além da ideologia e é uma aspiração universal da esmagadora maioria dos portugueses e em diversas esferas da vida. Pelo que li na sua tese, os portugueses dizem que davam a vida pela família... A família aparece como o topo dos objectivos de vida, de todas as instituições a que merece confiança máxima, o objecto de sacrifício último, a melhor fonte de sabedoria moral. E no sentido da família como valor não se regista grande mudança no tempo, pois não? Não, estes indicadores não mudam muito ao longo do tempo, e a família é um factor explicativo de muitos dos outros fenómenos observados (ou seja, o facto de a família ser mais ou menos importante explica níveis de felicidade, participação cívica, etc.). Outra lição que a investigação traz à imprudência de alguns discursos públicos marcadamente ideológicos e pouco sustentados nos dados, é que, havendo um aumento significativo da tolerância dos portugueses, o modelo aspiracional de família é assente, predominantemente, na parentalidade heterossexual e na fidelidade conjugal. O divórcio é mais alto entre aqueles que têm mais formação académica? Sim, é verdade, os resultados apontam claramente uma incidência crescente do divórcio à medida que avançamos nos níveis de escolaridade da população, e há que lembrar que o divórcio é um dos fenómenos sociais com transformações mais marcantes das últimas décadas em Portugal. É interessante verificar que, apesar da enorme importância atribuída à família, em média superior a 90%, é nos níveis mais elevados de escolaridade que a valorização da família é mais baixa (não baixando dos 80%). Nos níveis de escolaridade intermédia (do 2.o ciclo ao bacharelato), os resultados são bastante homogéneos em torno da média. Que conclusões retirou das respostas à pergunta "É muito importante lutar por uma causa justa"? Os resultados demonstram que, quanto mais elevado o grau de escolaridade dos indivíduos, menos importância dão à predisposição para lutar por causas justas: 83% dos que têm o primeiro ciclo consideram muito importante ajudar os outros. Esta percentagem desce para 57% no caso dos mestrados e doutoramentos. Por outras palavras, o grau de instrução correlaciona-se inversamente com este sentido de justiça, havendo um contínuo e acentuado decréscimo de importância à medida que o nível de escolaridade sobe. Este sentido de justiça varia também com a idade? Apresenta uma importância elevada na adolescência (cerca de 75%), depois decrescente durante a juventude (associada a escalões etários do ensino secundário e superior), em geral associada a um idealismo "que se perde com a idade" até aos 35 anos, recuperando os níveis iniciais aos 45 anos. À medida que envelhecemos repescamos essa aspiração a um mundo mais justo? Parece que sim. Há uma recuperação significativa para percentagens superiores (acima de 85%) à medida que se avança na idade adulta e para a terceira idade. E à questão "que importância dá a ajudar os outros"? Os resultados demonstram que quanto maior for o nível de rendimentos e o grau de instrução dos indivíduos, menor é a sua disponibilidade para ajudar os outros (87% no caso do 1.o ciclo, contra 53% nos mestrados ou doutoramentos). As conclusões a que chegou tornam mesmo possível dizer que os portugueses quanto mais habilitações escolares têm menos solidários e justos são? Os resultados não apresentam dúvidas quanto a isso, pois essa relação inclusive tem elevado significado estatístico, ou seja, muito poder explicativo. As variações entre os extremos das escalas de rendimento e escolaridade são muito elevadas e de grande linearidade na correlação negativa com a solidariedade, a justiça, mas também com outros valores, como a honradez, a amizade e o amor. Na sua tese atribui grande parte da responsabilidade por este afastamento dos valores éticos fundamentais à escola. Verificamos que os processos educativos - que se reflectem no grau de instrução dos inquiridos - não têm contribuído para o desenvolvimento e a consolidação de valores essenciais para as pessoas (nomeados pelos próprios), assim como para a sociedade, segundo as normas sociais que sabemos serem estruturantes da vida democrática. Assim, acho que a escola - melhor dizendo, as políticas educativas, porque a escola segue directivas - tem responsabilidade por esse afastamento porque se tem centrado numa visão incompleta da educação e do educando. Tornando-os (tornando-nos) tecnocratas? Exactamente. Os modelos e as práticas pedagógicas criam uma enorme pressão nos currículos eminentemente técnicos, para nos tornarem mais "competentes", em lugar de se preocuparem com os valores indutores de competências-chave para o êxito e a realização pessoal e social. Há duas décadas que se privilegia a dimensão técnica da formação das crianças e dos jovens, as áreas curriculares associadas à mera transmissão de conhecimento explícito e técnico (saber escrever, ler, fazer contas), como se de mais nada fosse feito o ser humano e o mundo que o rodeia. E diria que as últimas medidas do Ministério da Educação seguem esse caminho? Infelizmente acho que os últimos desenvolvimentos da política pública de educação agravam esta tendência, que aliás é contrária à mais avançada investigação na área e até às mais actuais recomendações da OCDE e do Conselho Europeu. Temos andado um pouco inebriados com a ideia de que uma conta bancária e um diploma nos davam a felicidade? Há dados que indicam que sim. Aliás, esta ilusão do poder económico na felicidade individual foi claramente desautorizada pelos efeitos da crise mundial que vivemos e causou enormes danos sociais e que Portugal sentiu e sentirá ainda por uns tempos de forma dolorosa. Decididamente, nada disto se reflecte em competência relevante para o que a OCDE chama "uma vida bem-sucedida e uma sociedade funcional". Desta forma, temos uma geração (pelo menos) de indivíduos formados por esta cultura e sem competências para enfrentar os desafios da actualidade. Isto é de extrema gravidade. Esta correlação entre menos valor e mais escola não é reaccionária? Não pode dar a ideia de que é perigoso aprender, e que mais valia termo-nos ficado todos pela 4.a classe? A conclusão em si é o que os dados mostram. Mas admito com naturalidade que o conhecimento destas conclusões deve mesmo originar o nosso sentido reaccionário de cidadania e de sentido político. Devíamos reagir rapidamente a estas conclusões? Claro. Ainda por cima considerando que os indivíduos de maior instrução são aqueles que, tendencialmente, formam as elites políticas e dirigentes de um país, é preocupante verificar que são os que menos perseguem os valores estruturantes e aceites pela sociedade. Segundo o estudo, o que esperam os portugueses dos seus políticos, dos que ocupam cargos de liderança? Segundo o estudo, é esperado um exemplo de honestidade, dedicação e altruísmo, assim como a noção aprofundada de bem comum e boas condutas da esfera da vida pessoal. Ui! E deve começar de pequenino, presume-se... Este ideal de político é perspectivado como ideal moral que deve ser trabalhada ao nível do desenvolvimento de competências de base e desde cedo nos processos educativos. Ora quando uma investigação revela o impacto da instrução na negação de valores fundamentais, é de facto perigoso educar sem valores, e os resultados estão à vista de todos. Sim, há quem tenha mais competência para a vida com menos escolaridade, pois de pouco serve - o indivíduo e a sociedade - uma instrução vazia de valores, um conhecimento sem direcção, uma competência isenta de ética e noção do seu impacto social. No limite, e a continuar assim, podemos afirmar que temos ladrões competentes. Não estaremos todos a ser um bocadinho hipócritas - respondemos aos inquéritos como achamos que fica bem, e depois educamos ao contrário, nomeadamente com os nossos exemplos? A educação que os nossos filhos estão a receber na escola, na família, mas também nos media, está a esquecer os valores que afinal reputamos essenciais e que a ciência nos afirma como indissociáveis do acto de educar. Isto significa que há um desencontro entre a oferta e a procura no sistema educativo - entre aquilo de que o "mercado" precisa em formação dos seus cidadãos para a realização pessoal e para o desenvolvimento social e humano, e aquilo que a escola, a família e os media estão a investir nos processos de educação, formais e não formais. O encontro que hoje acontece em Mafra junta os maiores especialistas em literacia social. O que é a literacia social? Habitualmente falamos de literacia "básica" de leitura e escrita de textos. A proposta, liderada por investigadores portugueses, e que já é reconhecida internacionalmente, é que se passe para uma nova dimensão de literacia, que capacita as crianças e os jovens para "lerem" o mundo que as rodeia, e para "escreverem" narrativas de vida no respeito por si, pelos outros e pelo ambiente. Afinal, a realizar aquilo que nos torna humanos. E o que vão discutir? Creio que batemos no fundo como sociedade dita "civilizada" ocidental. E portanto, em consequência da experiência colectiva nesta profunda crise económica e social - com evidentes raízes numa crise ética global -, estamos em conjunto, sobretudo a nível europeu e com o apoio da UE, a convergir no entendimento de que temos de devolver os valores universais aos processos educativos - aqueles que ultrapassam barreiras culturais e ideológicas (e que esta investigação comprovou). Em Portugal já existe um programa de literacia social, o LED on Values. Já é posto em prática em quantas escolas? O programa LED on Values (no fundo luz, led, sobre os valores) funciona em mais de 500 escolas de todo o país, envolvendo mais de 2 mil educadores e mais de 30 formadores certificados. Estamos também a construir, em Mafra, a Universidade dos Valores, como espaço de investigação e literacia social em todo o mundo, e a recuperar o jardim do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima, que será a futura casa do programa LED, transformando-o no Jardim dos Valores Universais, um espaço intercultural e inter-religioso, onde os visitantes podem reflectir sobre a importância dos valores universais. JORNAL i «http://ionline.sapo.pt/287192»
Não serão edifícios escolares um fator de peso a considerar na multiplicidade de causas do insucesso escolar? No dia 30 de setembro, no Centro Escolar de Rebordosa (Paredes), as aulas decorreram no recreio, devido ao calor excessivo que se fazia sentir nas salas, tal como vinha sucedendo nos cinco anos de vida do edifício, inaugurado em 2011, segundo noticiou o Jornal de Notícias. De acordo com a notícia, este protesto recebeu o apoio de pais, professores e diretor do Agrupamento de Escolas de Vilela, na medida em que as paredes de vidro, sem janelas que possam ser abertas, transformavam as salas de aula em estufas com temperaturas que chegavam a ultrapassar os 30 graus, prejudicando as condições de trabalho e de aprendizagem.
O caso relatado tornou público um problema sentido em muitas escolas do país. Quantas escolas têm as mesmas características desta? Escolas com paredes totalmente de vidro e janelas com abertura muito limitada, em que a grande exposição ao sol faz com que este as transforme em estufas, mesmo no inverno. Com que conforto se pode estar dentro das salas? Como pode haver atenção e concentração fatores indispensáveis para a aprendizagem? E a indisciplina não encontrará no desconforto um aliado considerável? E o que dizer da preservação da saúde? Constipações, gripes, problemas respiratórios, alergias diversas não encontrarão terreno propício nessas salas excessivamente quentes e abafadas, onde os raios solares entram sem convite e se estendem com mais ou menos intensidade, conforme a altura do ano? Não serão edifícios deste tipo, ainda, um fator de peso a considerar na multiplicidade de causas do insucesso escolar? A colocação de ar condicionado a breve prazo era, segundo a notícia referida, a solução apontada pelos autarcas responsáveis pela escola em questão. Entretanto, cinco anos decorreram. E o que se passará nas outras escolas com idêntica estrutura? Por outro lado, questiono a pertinência de se optar por um tipo de edifício que carece de ar condicionado, solução pouco económica e também geradora de problemas de saúde. Porquê escolas de vidro, se existem materiais de construção que isolam eficazmente o calor e o frio, proporcionando conforto com poupança de energia para aquecimento e arrefecimento? Sem a pretensão de ser exaustiva, avanço outras questões importantes na conceção dos edifícios escolares, que nem sempre são devidamente acauteladas: - A existência de luz natural, a possibilidade de controlar a luminosidade, as condições de arejamento, o isolamento sonoro, mobiliário de proporções adequadas ao tamanho dos alunos: estas são algumas condições físicas das salas de aula essenciais para assegurar um ambiente favorecedor da aprendizagem e respeitador da saúde de quem habita a escola. - Os laboratórios, as salas de Educação Visual ou de Educação Musical, os ginásios, as bibliotecas e outros recintos especializados precisam de estar equipados com tudo o que é necessário e ter uma organização do espaço adequada aos fins de modo a proporcionar funcionalidade e segurança. - Há escolas com vários ciclos de escolaridade, habitadas por estudantes com grande diferença de idades e de tamanho. Como garantir áreas de recreio múltiplas e acolhedoras para atividades variadas (jogos de bola, grupos de conversa, etc.) e uma gestão das mesmas que providencie, aos mais novos, o usufruto dos espaços com segurança e sem um permanente receio dos mais velhos? - Em suma, a escola é a segunda casa das crianças, como ouvimos dizer muitas vezes. Numa casa, na nossa casa, precisamos de nos sentir respeitados e acarinhados na nossa individualidade, considerados como pessoas e não como números. Precisamos de nos sentir em segurança e em conforto para nos identificarmos intimamente com o espaço e construirmos com ele uma relação de pertença. Como garantir estes desígnios sem ter em conta, entre outros, os aspetos anteriormente referidos e, particularmente, em megaescolas com largas centenas de alunos? Em Rebordosa, aulas fora de muros permitiram ver para dentro das salas aquilo que os vidros pareciam não deixar transparecer. Quando olharmos para uma escola, não devemos quedar-nos no seu aspeto estético. A história de Rebordosa ajuda-nos a alargar o nosso guião de análise com outros parâmetros e a lembrarmo-nos de que aqueles que habitam a escola devem ser cuidadosamente considerados e ter uma palavra imprescindível a dizer na hora de a construir, reconstruir ou melhorar. Armanda Zenhas - EDUCARE «http://www.educare.pt/opiniao/artigo/ver/?id=116168&langid=1» A reforma da vida é, antes de mais, a conquista de uma arte de viver. Julgamo-nos civilizados enquanto a barbárie se apodera interiormente de nós no egoísmo, na inveja, no ressentimento, no desprezo, na cólera, no ódio. As nossas vidas são degradadas e poluídas pelo nível lamentável e, muitas vezes, calamitoso das relações entre indivíduos, sexos, povos. A incompreensão do longínquo mas também do próximo, é geral. A inveja e o ódio envenenam a vida, não apenas dos invejados e dos odiados, mas também dos que invejam e dos que odeiam. A desumanidade e a babárie estão continuamente prontas a surgir em cada ser humano civilizado.
O dinheiro e o lucro difundiram-se em domínios antigamente reservados à gratuitidade, ao serviço prestado, à troca, à dádiva, e suscitam, nuns uma bulimia de dinheiro, noutros a angústia de ter falta dele. “Antigamente o que tinha valor não tinha preço; atualmente, o que não tem preço não tem valor”. A sede de posse e a sede de consumo tornaram-se formas de vício que recalcam uma angústia existencial sempre em renascimento. As nossa vidas ocidentais são degradadas, intoxicadas, pelas compulsões “de posse, de consumo ou de destruição” que ocultam os nossos verdadeiros problemas. As relações humanas estiolam no anonimato das grandes cidades, dos transportes públicos. Os locatários do mesmo prédio não se cumprimentam. O velhote ou enfermo que cai na rua é contornado pelos transeuntes; o sem-abrigo deitado no chão é ignorado. Os automobilistas, inebriados pelo pé no acelerador, insultam-se mutuamente. A velocidade em todas as coisas e domínios do “fast food” às “inclusive tours”, esta urgência quotidiana, faz-nos perder o valor do tempo e da vida, tal como mina as nossas relações com os outros e a nossa relação connosco. A civilização que prometeu a felicidade do bem-estar suscitou mal-estar no bem-estar material, o qual não esteve associado a um bem-viver. Anestésicos, soporíferos, ansiolíticos, tónicos, drogas, psicoterapias, psicanálises, xamãs, gurus são convocados para dissipar e expulsar este mal-estar. Os indicadores que têm em consideração o nível de educação e as condições sanitárias ignoram que os diplomas e as ausências de doenças podem ser compatíveis com mal-estar e depressão. A melancolia, o abandono, a solidão procuram uma consolação na compra e no consumo. Entre as classes médias, o consumo torna-se, muitas vezes, vício, dependência relativamente a produtos que são supostos conferir beleza, magreza, juventude, sedução. A reforma da vida é, antes de mais, a conquista de uma arte de viver. Propõem-se ir para além do espírito de sucesso, de desempenho, de competição, não para o aniquilar, mas para o dirigir para atividades lúdicas, como o desporto, e para o regular através do desenvolvimento de valores considerados femininos: amor, ternura. O homem encerra dentro de si potencialidades femininas ocultas ou inibidas, tal como a mulher encerra dentro de si potencialidades masculinas ocultas ou inibidas. Cada um(a), mantendo a primazia do seu sexo, poderia, e deveria, ter em si um Yin/Yang, “os dois sexos do espírito”. O bem-viver significa que: a qualidade tem primazia sobre a quantidade, o ser tem primazia sobre o ter, a necessidade de autonomia e a necessidade de comunidade devem estar associadas, a poesia da vida, o amor em primeiro lugar, é a nossa verdade suprema. Isto significaria, antes de mais, de “viver a sua vida em vez de andar a correr atrás dela”. Os professores sofrem a falta de respeito, a arrogância e o desprezo, mas os adolescentes veem nas ordens, nas marcas de irritação, de exasperação e nas punições recebidas a falta de respeito, o desprezo e a humilhação. Estes dois universos por vezes chegam a desprezar-se. A reforma da educação, com múltiplos aspetos, é inseparável da reforma do pensamento.
Apenas espíritos reformados poderiam reformar o sistema educativo, mas apenas um sistema educativo reformado poderia formar espíritos reformados. Quem educará os educadores? O prestígio dos professores diminuiu na sociedade e, em muitos, a missão dissolveu-se na profissão. O fechamento dos professores do ensino secundário na sua soberania disciplinar fê-los ignorar as necessidades de um saber inter ou transdisciplinares. A educação primária e, sobretudo a secundária, foi um poderoso motor de integração para os filhos dos imigrados. Ora, o ensino atual preenche muito menos esta missão quanto uma parte desta adolescência filha de imigrantes, marginalizada, sentindo-se rejeitada, rejeita o que a rejeita e, através disso mesmo, rejeita o que poderia integrar na identidade portuguesa. Veja-se como são atirados maioritariamente para o “ensino” vocacional. Até há pouco tempo sempre houve, na escola, coexistência entre dois universos que se ignoravam profundamente um ao outro, o dos professores e o dos alunos. Atualmente a incompreensão cresce ainda mais pois uma parte dos adolescentes chega ao secundário sem um “Superego” que os faria respeitar uma autoridade adulta. Os professores sofrem a falta de respeito, a arrogância e o desprezo, mas os adolescentes veem nas ordens, nas marcas de irritação, de exasperação e nas punições recebidas a falta de respeito, o desprezo e a humilhação. Estes dois universos por vezes chegam a desprezar-se. A situação poderia ser reformada, não apenas através da reforma dos conteúdos do ensino, da restauração da missão docente, da introdução da reflexividade na formação, tanto dos professores como dos alunos, mas através de uma reforma social que introduziria a solidariedade com as populações desfavorecidas, reduziria as desigualdades, iniciaria uma nova política da cidade como é o caso do “território educador”. Associação de Leiria lança projeto para que os mais novos brinquem nas ruas e jardins da cidade. São criados grupos comunitários e os adultos são embaixadores do brincar. “Queremos os mais novos a brincar livremente no espaço público, encontrando os amigos de sempre ou fazendo novos amigos, explorando a criatividade e com interferência mínima dos adultos.” Francisco Louro, presidente da associação Ludotempo, de Leiria, explica, em declarações à Lusa, a base do projeto “Brincar na Rua” que pretende recuar aos tempos das brincadeiras ao ar livre. A ideia é que as crianças brinquem nas ruas e jardins, que tenham essa experiência, mas de uma forma adequada aos tempos modernos e com toda a segurança.
O modelo está definido, a iniciativa destina-se a crianças entre os 5 e os 12 anos, e o projeto-piloto será testado num bairro na cidade de Leiria em outubro. Há vontade de replicar o projeto em outras cidades. São criados grupos de brincar comunitários, cada um não deverá ultrapassar as 15 inscrições. Cada grupo será monitorizado por dois adultos formados e certificados pela associação sem fins lucrativos de Leiria. E esses adultos monitores serão os embaixadores do brincar, responsáveis por garantir a segurança dos mais novos, por dinamizar a comunidade. Têm outras tarefas no processo, podem, por exemplo, ativar brincadeiras, mas logo que o façam retiram-se do palco das brincadeiras. Crescer e aprender a brincar é também um dos motores do projeto. A associação sabe que os mais novos passam muito tempo fechados em casa à volta dos aparelhos tecnológicos e, além disso, auscultou a comunidade local. As conclusões são claras: 85,7% dos pais querem dar prioridade às atividades ao ar livre, 69,8% das crianças gostariam de brincar na rua, 58,9% dos pais querem espaços infantis onde os filhos possam brincar em segurança. Indicações importantes e que dão força à iniciativa. “O grande bastião do projeto é a segurança das crianças”, refere, à Lusa, o responsável pela Ludotempo. E isso é assegurado por um sistema de geolocalização. “Este sistema permite definir um perímetro de segurança e se por alguma razão extraordinária, a criança se afastar, o sistema emite um alerta imediato e os monitores sabem que a criança saiu do perímetro de segurança e conseguem localizá-la”, explica Francisco Louro. “Brincar na Rua” é um projeto de inovação social e foi reconhecido como uma das dez melhores iniciativas nacionais de 2016 pela Fundação Calouste Gulbenkian. Está nas mãos da Ludotempo e conta com as parcerias da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria, da câmara local, da União de Freguesias de Leiria e do Instituto Português do Desporto e Juventude. Sara R. Oliveira - EDUCARE «http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=115182&langid=1» "Muitos julgam cumprir o seu dever pronunciando aforismos abstractos para uso alheio em vez de pregar por meio do exemplo." - Henrik Ibsen Urge que os educadores frequentemente se interroguem: qual será a relação entre educação e vida sustentável? Como se poderão gerar responsabilidades, atitudes de autorreflexão e ações éticas nos alunos? Contribuímos para que tenham uma boa qualidade de vida? Certamente todos conhecem a história do pescador que, tendo acabado de pescar três peixes, considerava ser alimento suficiente para a família naquele dia, e ia para casa saborear o dia, saborear a vida. Alguém, contando essa história, acrescentou que esse pescador era um “selvagem”. Mas será selvagem quem recusa ter a subjetividade industrializada, quem se mantém alheio aos ditames de uma economia predadora? As lojas anunciam os presentes para o Dia das Crianças, para o Natal, ou para assinalar outras efemérides apaziguadoras da febre consumista. As vitrinas estão repletas de Barbies e laptops da Xuxa... Um pai oferece um telemóvel de última geração à filha que acaba de completar cinco anos de idade. Os jovens creem que, efetivamente, escolhem aquilo que usam e as crianças são manipuladas pelos media. Quando chegará o dia em que todas as estações de televisão seguirão o exemplo daquela que aboliu anúncios nos intervalos de programas destinados à infância? O Brasil ocupa o primeiro lugar entre todos os países do mundo que praticam cirurgia plástica para jovens. O jornal A Folha de São Paulo, de 7 de abril de 2011, noticiava a venda de sutiã com enchimento para meninas de seis anos! Uma cidade brasileira, símbolo do desenvolvimento económico, contava, em 1960, com seis livrarias e uma academia de ginástica. Agora tem mais de sessenta academias de ginástica e três livrarias. A mesma cidade regista um índice significativo de endividamento dos jovens. No auge do triunfo do hedonismo, a felicidade restringe-se à satisfação de desejos reciclados. Para os escravos do consumismo, renunciar a alguma coisa prazerosa parece significar perda de liberdade. Talvez nunca tivessem olhado os lírios do campo... Ninguém nasce consumista. O consumismo é um hábito mental instalado. Onde está a educação para um consumo crítico, inteligente? Quando se ensinará a comer, a consumir, quando se aprenderá a viver? Se não aprendermos na escola, onde e quando iremos aprender? Conhecer os perigos da fast food é tão necessário quanto saber colocar a pontuação correta num texto. Desenvolver a sensibilidade do aluno, de modo que ele seja sensível a uma suíte de Bach, é tão necessário quanto saber fazer multiplicações por dois algarismos. Os 20% mais ricos da população mundial consomem 86% de todos os serviços e produtos. Os 20% mais pobres consomem apenas 1,3%. Os Estados Unidos, que têm 5% da população mundial, utilizam 25% dos recursos mundiais. Poderemos ignorar que o crescimento económico e social, da forma como acontece, promove o acúmulo de capital, de modo excludente e com impactos ambientais irreparáveis? Urge que os educadores frequentemente se interroguem: qual será a relação entre educação e vida sustentável? Como se poderá gerar responsabilidades, atitudes de autorreflexão e ações éticas nos alunos? Ensinamos os nossos alunos a prevenir a obesidade mórbida ou a distinguir música de lixo sonoro? Ajudamos os jovens a defenderem-se da febre consumista? Contribuímos para que tenham uma boa qualidade de vida? Para que os cidadãos tenham uma boa qualidade de vida, é preciso que sejam, verdadeiramente, cidadãos. Insistindo no óbvio: para que haja uma boa qualidade de vida, é necessária... uma boa educação. José Pacheco - Educare «http://www.educare.pt/testemunhos/artigo/ver/?id=114925&langid=1» O neuropsicólogo espanhol Álvaro Bilbao defende que os ecrãs deviam estar vedados às crianças até aos três anos. Os estímulos rápidos e as recompensas imediatas dos ‘tablets’ e dos ‘smartphones’ matam a curiosidade, avisa. No seu livro “O cérebro da criança explicado aos pais”, lançado este mês em Portugal, Álvaro Bilbao deixou em branco o capítulo 25, destinado a elencar as melhores aplicações tecnológicas para crianças até aos seis anos.
“Lamento dizer que não encontrei nenhuma que seja útil para o desenvolvimento intelectual e emocional das crianças destas idades”, diz o autor, doutorado em Psicologia da Saúde e formado em Neuropsicologia pelo Hospital Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Em entrevista à agência Lusa na sua passagem em Portugal para apresentar o seu livro, o especialista em plasticidade cerebral lembra os vários estudos que já demonstraram que as crianças que se expõem muito cedo a novas tecnologias têm maior probabilidade de desenvolver défice de atenção, problemas de comportamento e fracasso escolar. Mas os ecrãs não são todos iguais. Para Álvaro Bilbao, a televisão “causa menos danos” porque permite maior passividade. Pode parecer um contrassenso para os pais que uma ferramenta “mais passiva” seja menos nociva, mas é a rapidez do ritmo de interação e a quantidade de estímulos das novas tecnologias que mais preocupam o especialista. “As crianças recebem muitos estímulos visualmente atrativos e têm muitas recompensas rápidas. Passam o dedo no ecrã e têm um prémio. Na vida real não é assim; na vida real a professora não é tão visualmente colorida, não se move tão depressa e não está constantemente a reforçar a criança”. Além disso, a rapidez e quantidade de estímulos recebidos pelas novas tecnologias não permitem treinar a atenção, nem a paciência. As televisões sempre são mais passivas e ativam ondas cerebrais que ajudam a relaxar. Ainda assim, também a televisão deve ser doseada, diz Bilbao, permitindo períodos curtos e retardando o mais possível na idade. “Muita estimulação mata a curiosidade, uma criança que recebe muita informação satura-se e deixa de gostar de explorar e de aprender. Já uma criança curiosa é a que gosta de aprender. Não matemos a curiosidade”, pede o neuropsicólogo. Álvaro Bilbao incita os adultos a uma reflexão sobre o seu próprio uso das novas tecnologias; “Usamos ‘smartphones há alguns anos. Quantos de nós se notam mais inteligentes por isso? E, agora, quantos de nós se sentem menos pacientes?” in SAPO atualidade «http://24.sapo.pt/atualidade/artigos/ecras-deviam-estar-vedados-a-criancas-ate-aos-tres-anos-defende-neuropsicologo» O bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Telmo Mourinho Baptista, defende que, face aos níveis de prescrição alarmantes de medicamentos para fazer face à hiperactividade e défice de atenção, que no fundamental são anfetaminas, é necessário que sejam dadas respostas a várias questões. Telmo Mourinho Baptista considera que compete à autoridade de saúde pôr cobro à teia de pressões, envolvendo professores, pais e médicos, que funciona como pano de fundo da prescrição de medicamentos a crianças e jovens. "Toda gente quer pacificar os jovens todos", comenta. O Conselho Nacional de Educação alertou recentemente para os riscos de se estar a sobremedicar crianças e jovens, com medicamentos dos quais se desconhecem os efeitos a longo prazo, remetendo para o relatório da Direcção-Geral da Saúde onde se dá conta que, em 2014, as crianças portuguesas até aos 14 anos estavam a consumir mais de cinco milhões de doses de metilfenidato (ritalina e concerta) para combater situações de hiperactividade e défice de atenção. O que é que um número como este nos diz? Temos de nos perguntar se essa é a primeira intervenção que se deve ter. Há recomendações internacionais, inclusive do Colégio Americano de Pediatria, apontando que a intervenção por excelência no primeiro momento deve ser psicológica. A recomendação existe, o problema é que não estamos sequer a dar ouvidos ao que se preconiza porque provavelmente torna-se mais fácil prescrever um comprimido, embora não se saiba exactamente quais são as consequências de longo prazo. E, nesse sentido, o alerta do Conselho Nacional de Educação faz todo o sentido. São números impressionantes e face a eles não podemos ficar de braços cruzados. Mas de quem é a responsabilidade para esta explosão de medicação? Os professores dizem que são pressionados pelos pais, estes dizem que são pressionados pelos professores, os médicos referem que os pais insistem com eles para medicarem os filhos para que estes tenham bons resultados escolares… É um facto que existem todas essas pressões. Mas em Portugal há uma autoridade de saúde que tem o dever de emanar recomendações sobre estas intervenções, com base na investigação e nas recomendações internacionais que já existem. Claro que, a partir do momento em que toda gente quer pacificar os jovens, todos entramos na situação que descreveu. Mas para isso é que existem autoridades de saúde, para dizerem o que deve e o que não deve ser feito. Temos de ter estratégias diferenciadas com vista a informar os professores, os pais, a fornecer guidelines aos médicos. Recentemente, um professor disse-me que quando olha para adolescentes que estão a ser medicados há anos com ritalina se lembra do que os electrochoques faziam aos internados no filme de Milos Forman, Voando sobre um Ninho de Cucos. É abusiva esta visão? Não sei. Não conheço essa realidade tão de perto. Mas quando temos um alerta de consumo temos de reflectir sobre o que ele significa. Por que é que está a acontecer? Há sobrediagnóstico? Há incentivo ao consumo? Há utilização não regulada da medicação? São questões para as quais temos de ter resposta. Ficou-se a saber também recentemente que os jovens portugueses são dos que mais consomem tranquilizantes e sedativos entre os europeus, e que estes são receitados por médicos. A propósito deste resultado, o coordenado do Programa de Saúde Mental, Álvaro de Carvalho, referiu que uma das razões para tal se deve à ausência de psicólogos nos cuidados de saúde primários capacitados para lidar com crises de ansiedade, sem recurso automático à medicação. O que é que os psicólogos podem então fazer face às crises de ansiedade dos alunos, que são muito frequentes, por exemplo, na altura dos exames?
Há imensas estratégias de intervenção para o controlo da ansiedade num curto espaço de tempo. Até há formatos grupais, com a constituição de grupos com os alunos que têm esses problemas de ansiedade face aos exames e onde se dão estratégias que são também treinadas em grupo. Isso pode ser feito nas escolas, nos centros de saúde, nas organizações. Existem estratégias de relaxamento, estratégias cognitivas, de modo a que se seja capaz de diminuir os pensamentos perturbadores geradores da ansiedade, como por exemplo um aluno estar sempre a pensar que não vai conseguir passar naquele exame ou ter bons resultados nos testes. O problema da ansiedade por causa dos exames tem a ver com o excesso, porque alguma ansiedade até é necessária, é focalizadora. O problema é que na maior parte dos casos se excedeu tanto este nível que começa a ser um problema. Temos pessoas formadas para lidar isso. O problema coloca-se ao nível da intervenção precoce? Uma parte fundamental deste processo é a triagem. Apurar se, para uma determinada situação, só é preciso uma intervenção curta, focalizada, e se para outra é necessária uma intervenção mais diferenciada, que se calhar exige psicoterapia. Mas na maior parte das situações nem será esse o caso. E, se fizermos prevenção a tempo e horas, se calhar não vamos ter muitas destas situações que entretanto se agravaram. Uma condição que apareceu num determinado momento com o passar do tempo torna-se crónica porque não foi resolvida. E, portanto, perdeu-se uma oportunidade de ouro. O mesmo acontece, por exemplo, com o diagnóstico de crianças com queixas de mau comportamento, que muitas vezes é consequência de outros défices. Se uma criança estiver alheada da escola porque não se consegue concentrar então obviamente que o seu grau de motivação desaparece e começa a fazer outras coisas na sala de aula. E ainda há outras situações a montante, que exigem uma maior coordenação com a saúde escolar. Existem situações de dificuldade de aprendizagens que, por exemplo, têm a ver com problemas de audição. E o que acontece quando estes não são despistados? A criança está no fundo da sala, quase não ouve o que o professor diz, começa a alhear-se, a desmotivar-se, e tudo isto poderia ser evitado. Clara Viana - PÚBLICO «https://www.publico.pt/sociedade/noticia/alerta-ritalina-nao-podemos-ficar-de-bracos-cruzados-1746256» |